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O mistério pascal e o mal no mundo


Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal


Os cristãos católicos são chamados a celebrar o mistério da Páscoa de Jesus Cristo. Esse é o centro da fé da comunidade cristã. Como observador da fé no contemporâneo, permito-me questionar: O secularismo está sufocando a fé do humano e, nesse caso específico, do cristão católico? A existência de Deus é colocada à prova constantemente, principalmente pelos dramas existenciais pelos quais passam as pessoas. O mal que está batendo às portas com guerras, as clises climáticas e as doenças terminais que se agravam e estão a gerar sofrimento, dor e mortes pré-maturas, são fenômenos que desconstroem os elementos subjetivos da fé. Os horizontes se restringem e mesmo depois da pestilência que levou à morte milhões de seres humanos em todo o mundo, a humanidade continua a descurar dos grandes problemas que a afligem como um todo e sentimento de vazio tende a se massificar cada vez mais.


No cristianismo o Tríduo pascal é constituído do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Já no Domingo de Ramos vemos os paradoxos que envolvem a humanidade, quando seus interesses, egoísmos e vontade de poder, estão em jogo. Nos gritos do “crucificai-O” já encontramos do que o homem é capaz. O mal o envolve. A violência é para ele uma resposta ao seu fracasso de pertencente a uma mesma humanidade. Ele se torna lobo do outro (cf. T. Hobbes). A violência que leva à guerra, o atrai. No cenário das lutas, o mesmo também pode vir a ser massa de manobra. Os poderosos lavam as mãos, mas têm força e reconhecimento para que outros matem em seus lugares. Diante de tudo isso, poderíamos perguntar: Mas onde está Deus, que não intervém? Essa provocação sempre foi feita. Bento XVI, quando esteve em Auschwitz a atualizou. O mundo ficou atônito quando o teólogo lançou a questão. Como gigante que foi, precisamos subir em seus ombros para mais uma vez assumir o ponto de interrogação; não porque duvidemos da existência de Deus, mas porque somos chamados a colocar em dúvida o bem do humano sem o amor e a misericórdia desse Deus a quem Jesus Cristo, seu Filho recorre, quando profundamente desolado clama: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (cf. Mc 15,34). Não é um grito de negação, mas de total confiança no Senhor, que O escuta e está com ele em seu indescritível sofrer e com sua dolorosa paixão.


A humanidade que assume uma autonomia indiferente e relutante em acolher a proposta de salvação de Deus, no seu Filho, é a mesma que deve ser interpelada: Onde ela está e como está diante de tudo que acontece? Qual o grau de responsabilidade que ela é chamada a assumir diante dos vários desafios postos pela história, com seu momento e espírito próprios? Quando ela, conscientemente, tocará nos sofrimentos que estão sendo impostos à criação? E as várias situações de beligerância em todo o mundo? Os sinais de tantas desigualdades sociais e misérias materiais e espirituais? A humanidade não pode esquecer o que ela é! O esquecimento de Deus é, sem dúvida, um caminho para o ofuscamento da dignidade do próprio ser humano. O ocidente de raízes cristãs não pode fazer esse percurso, sem trair a sua própria condição absoluta. O grande pensador da teologia política, J. Batista Metz, fez a provocação complementar ao que ousara Bento XVI, a saber: “Onde estava o homem quando aconteceram os ultrajes da II Guerra?” A questão entra no contexto em que o humano assume o anseio universal de medida de todas as coisas, com suas razões instrumentais e tecnocráticas. O que nos instiga deveria ganhar mais força na Era pós-pandêmica. Como nos lembra o Papa Francisco: “Ou nos salvamos juntos, ou pereceremos juntos” (cf. FT, n. 137).


A partir da celebração da paixão de Jesus Cristo, o mesmo que entra em Jerusalém num jumentinho (cf. Mc 11, 1-11), somos instigados a meditar sobre a nossa missão cristã e eclesial no mundo cada vez mais marcado por um secularismo pós-cristão e sufocante. Quando pensamos e trazemos para o estilo cristão, esse modo de ser e estar no mundo, deveríamos nos conscientizar que o nosso Mestre e Senhor não foi aclamado por causa de títulos, nem buscou o poder que não tivesse a marca do serviço, da crucifixão e da obediência ao Pai. O mundanismo espiritual, o carreirismo e a alienação da realidade não faziam parte da consciência histórica e divina de Jesus Cristo, o mesmo Nazareno (cf. Fl 2, 5-11). A menção do apóstolo aos sentimentos que devemos ter em nossos corações são determinantes para que tenhamos presente a exigência da radicalidade evangélica à qual somos chamados a assumir. A existência cristã não pode ofuscar, renegar, nem trair esse ponto fulcral do seu dinamismo.


Nesse momento crítico da história da humanidade a Igreja não pode trair a sua vocação. Não pode se entregar à mediocridade; a um cristianismo mais religioso do que evangélico. O Papa Francisco tem sofrido, tem sido perseguido e renegado por muitos dentro da própria Igreja por estar trazendo o Evangelho puro e simples para o seu coração, inclusive para suas estruturas pesadas e burocráticas. Os “funcionários da corte” e dos títulos, das rendas e dos babados estão a combatê-lo, às vezes diretamente; outras vezes, simbolicamente, para que a Igreja continue a “preservar o mais do mesmo”. Muitos estão a bloquear as ousadias que são fruto do Espírito. Jesus Cristo está sendo proibido de entrar, desta vez, na Igreja com seu jumentinho. Muitos preferem que Ele entre como príncipe, como senhor de poder e prestígio, com coroas de ouro e não a de espinhos. O problema é que sem o carregamento da cruz, da paixão e da morte, não há lugar para discipulado. Sem este, não pode haver cristianismo belo e verdadeiro (cf. Mt 16, 24-25).


Diante do exposto, das muitas possibilidades de reflexão que podemos fazer durantes estes dias, com o movimento da história ao qual, a partir da ação do Espírito e contagiados pela sabedoria do Evangelho, somos evocados a discernir, que respostas testemunhais e atrativas podemos oferecer como batizados e membros da Igreja, que é Mãe e Mestra, ao ser humano que está situado nesta Era crítica e desafiadora? A oração e a lucidez da razão são os meios sempre antigos e sempre novos do estilo cristão para contemplar, ver, julgar e agir no mundo. A relação Deus e Humanidade é complementar. As questões postas a Deus são as perguntas que devem ser feitas também ao Homem, na sua integralidade, na sua ecologia integral e necessitado da amizade social com os semelhantes. No mistério da paixão morte e ressurreição Daquele que é verdadeiramente o Filho de Deus está a resposta imediata e transcendente que busca o humano para o sentido da sua vida e da sua história. O problema do mal está posto, ele existe e a nossa condição humana não pode ser determinada pelo que ele nos impõe. Pois onde abundou o pecado, super abundou a graça e o amor de Deus em Jesus Cristo (cf. Rm 5,20). Assim o seja!

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