Diác. Eduardo Wanderley
Paróquia de São Camilo de Léllis – Lagoa Nova – Natal
Os evangelhos sinóticos apresentam a cura do cego Bartimeu na saída de Jesus e de seus discípulos da cidade de Jericó (Mc 10, 46-52; Lc 18, 35-43; Mt 20, 29-34). Cada evangelista acaba contando a mesma história com algum detalhe particular. Marcos, por exemplo, informa que Bartimeu, filho de Timeu, depois de chamado por Jesus, despojou-se de sua capa para ir até ele. A história bíblica é cheia de significados e podemos explorar tantos aspectos desse ato portentoso de Jesus. Gostaria de relevar dois em particular. Primeiro, esse hápax marcano, esse detalhe somente visto por esse evangelista: o tirar a capa. Em seguida, o grito interior que representa com precisão a oração cristã e seu sentido mais íntimo.
Há tanto a se pensar sobre o tirar a capa, despojar-se do manto. Também Jesus, naquela última ceia, na narrativa de João, depois de levantar-se, retirou seu manto (Jo 13, 4ss). É um grande gesto! Os mantos são símbolos que usamos para representar uma imagem do que gostaríamos de ser ou que nos representa institucionalmente numa sociedade. O manto é, de certa forma, um esconderijo. O ato de Bartimeu de retirar o manto é um gesto ativo de transformação. É um gesto de libertação. É um sinal de uma mudança de vida. Também em nosso batismo, usando uma veste comum, somos convidados a nos desfazer dela e recebermos a veste branca, representando uma vida nova. Retirar o manto é entrar na dinâmica do coração, que é superior à dinâmica da doutrina, se essa não leva ao coração. Isaías (29, 13) já dizia: “O Senhor disse: Esse povo se aproxima de mim só com palavras, e somente com os lábios me glorifica, enquanto o seu coração está longe de mim. O culto que me prestam é tradição humana e rotina.”. Jesus cita esse mesmo trecho (Mc 7, 7) falando da necessidade de uma purificação.
O trecho nos inspira a vislumbrar nossas capas existenciais: vestes, títulos, condições socioeconômicas, poderes constituídos e mesmo nosso serviço dentro da Igreja. Ao nos aproximarmos de Jesus, precisamos depor todo tipo de veste de nossas vidas. O cego Bartimeu, que parece enxergar melhor que seus contemporâneos, despiu-se do manto e se apresentou apenas como ele era. Tudo que Jesus precisa de nós é uma humildade. Também, um dos grandes desafios da Igreja é esse: ser o que é, sem capas. Esse é primeiro passo para a conversão pastoral e é tudo que nosso Senhor Jesus Cristo quer para operar sua obra em nós, em nossas comunidades, em nossas paróquias e em nossa Arquidiocese. O sinal das vestes, portanto, deve acompanhar nosso coração e nunca ser um esconderijo para ele.
O segundo aspecto que gostaria de chamar atenção é o grito de Bartimeu. Cego, mendigo e à margem da estrada. O Papa Bento XVI, na celebração de encerramento da XIII Assembleia dos Sínodo dos Bispos, cita Bartimeu. Diz o papa: “[...] Bartimeu é apresentado como modelo. Ele não é cego de nascença, mas perdeu a vista: é o homem que perdeu a luz e está ciente disso, mas não perdeu a esperança, sabe agarrar a possibilidade deste encontro com Jesus e confia-se a Ele para ser curado.” O grito é a única forma de chamar atenção para sua situação precária. Mas o que grita Bartimeu é, antes de tudo, uma profissão de fé. “Filho de Davi, tem piedade de mim”. Esse grito é algo que vem de dentro. Não sai das vestes puídas de um mendigo. Não sai do centro do caminho. Sai de um coração, na periferia. É esse o sentido da oração cristã: o coração que reza, a plenos pulmões. O Papa Francisco, em sua catequese sobre a oração, de 06 de maio de 2020, diz: “A fé, vimo-lo em Bartimeu, é grito; [...] A fé é esperança de ser salvo”. E concluo com o Papa: “Mais forte do que qualquer argumentação contrária, no coração do homem há uma voz que invoca. Todos nós temos esta voz interior. Uma voz que sai espontaneamente, sem que ninguém a governe, uma voz que se interroga sobre o sentido do nosso caminho aqui na terra, especialmente quando nos encontramos na escuridão: ‘Jesus, tem compaixão de mim! Jesus, tem compaixão de mim!’. É uma bonita oração!”