ARTIGO - Longanimidade: uma virtude da fortaleza segundo Santo Tomás de Aquino
- pascom9
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Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal
Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino dedica parte de sua reflexão às virtudes chamadas “anexas” ou “partes potenciais” das virtudes cardeais. No campo da fortaleza, ele apresenta a longanimidade como uma disposição moral que fortalece o espírito humano diante da demora dos bens desejados. Essa reflexão, embora antiga, revela uma atualidade surpreendente, sobretudo quando aproximada daquilo que hoje chamamos de resiliência.
A palavra longanimidade vem do latim longa anima, que significa “ânimo longo” ou “espírito estendido no tempo”. Santo Tomás explica que, assim como a magnanimidade impulsiona a alma para grandes obras, a longanimidade dá firmeza ao coração para perseverar em busca de um bem distante no tempo. O objeto próprio da longanimidade é, portanto, o bem esperado, mas retardado. Essa espera pode se tornar fonte de tristeza e desânimo, como lembra a Escritura: “A esperança que se retarda faz adoecer o coração” (Pr 13,12). A longanimidade, então, capacita o homem a suportar essa tristeza e a não desistir do bem futuro.
Santo Tomás distingue cuidadosamente a longanimidade de outras virtudes, como a paciência e a constância. A paciência suporta os males presentes e imediatos; a longanimidade, ao contrário, suporta a demora do bem esperado. A constância fortalece o homem contra as dificuldades que surgem na prática perseverante do bem; a longanimidade, porém, lida com o tempo prolongado da espera. Apesar dessas distinções, há afinidades. Cícero, citado por Tomás, define a paciência como “suportar o árduo e o difícil diuturnamente”, e é justamente esse caráter duradouro que a aproxima da longanimidade.
A fortaleza é a virtude que mantém o homem firme diante do temor do mal ou da tristeza causada pelas adversidades. Inserida nesse quadro, a longanimidade é considerada uma “virtude anexa”, porque protege contra a tentação de abandonar o caminho diante da demora do bem. Assim, a longanimidade faz parte da fortaleza, não no sentido de enfrentar perigos imediatos, mas de sustentar o coração no longo tempo da espera, impedindo o desânimo e favorecendo a perseverança. É, por assim dizer, uma fortaleza aplicada ao horizonte da esperança.
É importante lembrar que a longanimidade não é apenas uma virtude adquirida, mas também um fruto do Espírito Santo (Gl 5,22-23), sinal da ação de Deus que transforma interiormente o cristão. Nesse sentido, a longanimidade, mais do que simples esforço humano, é graça que reflete na pessoa a presença de Deus e a prepara para a vida eterna.A virtude adquirida da longanimidade é fortalecida pelo Dom da Fortaleza, concedido pelo Espírito Santo. Este dom comunica uma energia sobrenatural que supera as forças naturais do homem, permitindo-lhe enfrentar provas e esperas maiores do que sua capacidade. Se a virtude natural dispõe o homem a esperar sem perder o ânimo, o Dom da Fortaleza eleva essa espera à perspectiva da vida eterna, sustentando a esperança no bem supremo prometido por Deus.
Na linguagem contemporânea, fala-se muito em resiliência, entendida como a capacidade de resistir, recuperar-se e seguir em frente diante das dificuldades e frustrações. Embora o termo venha da física — aplicado à capacidade de certos materiais voltarem à forma original após serem tensionados —, sua aplicação à vida humana revela proximidade com a longanimidade. Enquanto a resiliência descreve a capacidade psicológica de manter-se firme após os impactos da vida, a longanimidade, em Santo Tomás, designa a virtude moral que permite manter o ânimo diante da espera prolongada dos bens desejados. A diferença é que a longanimidade não se apoia apenas na força interior da pessoa, mas na confiança em Deus e na firmeza que vem da graça. Se a resiliência é já um valor humano louvável, a longanimidade a ultrapassa, pois abre a alma para a espera confiante dos bens eternos, sustentada pelo Espírito Santo. Assim, podemos dizer que a longanimidade é a resiliência da esperança cristã: uma disposição que nos faz perseverar sem ceder ao desânimo, aguardando com paciência e firmeza a realização dos bens prometidos por Deus.