ARTIGO - Antigas e sempre novas: a perene vitalidade das Irmandades
- pascom9
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Ir. Thiago de Lima Bandeira
Provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Natal/RN
Há quem olhe para as Irmandades e Confrarias como se fossem relíquias empoeiradas do passado, sinais de um tempo que a Igreja deveria ter deixado para trás. Muitos, por ignorância ou má-fé, afirmam que, após o Concílio Vaticano II, essas formas de vida associativa perderam o sentido e precisariam ser abolidas da vida eclesial. Mas será mesmo assim?
A resposta é claramente negativa. O Concílio Vaticano II ensina que na Igreja somos – os leigos – chamados por Deus para contribuir para a santificação do mundo. Por uma interpretação equivocada – diria eu até deturpada – do magistério conciliar, aquilo que era antigo e tradicional passou a ser visto, de modo injusto, como algo a ser abolido. Nesse movimento, incluíram-se as Irmandades, as Confrarias e tantas outras pias associações de fiéis, como se fossem estruturas ultrapassadas, quando na verdade constituem expressões legítimas de comunhão eclesial. Sob o mesmo pretexto, cometeu-se uma série de atrocidades: altares históricos foram derrubados, igrejas seculares perderam parte de sua memória sagrada, e práticas de piedade foram desprezadas como se fossem incompatíveis com a renovação conciliar. Também no Brasil — e o Rio Grande do Norte não ficou imune a isso — testemunhamos esses excessos, que deixaram cicatrizes profundas no patrimônio material e espiritual de nossas comunidades.
No entanto, o próprio Magistério conciliar e pós-conciliar demonstra que tais interpretações foram distorcidas e infiéis ao espírito autêntico do Concílio. A Lumen Gentium (cf n. 31) recorda a dignidade e a missão própria dos leigos, chamados a ordenar as realidades temporais segundo Deus, enquanto a Christifideles Laici de São João Paulo II (cf n. 29) reafirma com clareza o valor das associações de fiéis, mencionando expressamente as confrarias, as ordens terceiras e os sodalícios como expressões legítimas e fecundas da participação laical na vida e na missão da Igreja. Longe de serem extirpadas, tais realidades são confirmadas e renovadas, revelando-se como espaços de sinodalidade e de vitalidade eclesial, em perfeita consonância com o chamado da Igreja a ser sempre antiga e sempre nova.
A verdade é que as Irmandades sempre foram muito mais que estruturas de tradição. Elas são expressões vivas de fé, de comunhão e de missão. Nascidas em um contexto histórico concreto, souberam atravessar os séculos, renovando-se sem perder sua essência. Se antes zelavam pelas obras de misericórdia corporais — cuidando dos pobres, dos doentes, dos presos, dos mortos —, hoje se colocam igualmente como presença de caridade e de testemunho no coração da Igreja.
Não se trata de nostalgia, mas de identidade. A vida associativa dos fiéis é um dom do Espírito Santo que suscita carismas diversos, todos voltados para a edificação do Corpo de Cristo. As Irmandades, ao seu modo, são justamente isso: espaços onde leigos e clérigos, unidos por um mesmo amor ao Santíssimo Sacramento, à Virgem Maria ou a um santo padroeiro, encontram força para viver a fé em comunidade.
O que alguns chamam de “antigo” é, na verdade, sinal de permanência. O que julgam “retrógrado” é, em essência, expressão da sinodalidade tão desejada pelo saudoso Papa Francisco: caminhar juntos, partilhar responsabilidades, ouvir-se mutuamente, reconhecer-se parte ativa da Igreja. Longe de serem museus, as Irmandades são laboratórios de comunhão. Retomamos nestes pensamentos, o discurso do Papa Francisco à Confederação das Confrarias das Dioceses da Itália em 16 de janeiro de 2023, quando ele afirmou que as Irmandades e Confrarias são uma bela experiência da sinodalidade: “A história das Confrarias oferece à Igreja uma experiência secular de sinodalidade, que se expressa através de instrumentos comunitários de formação, de discernimento e de deliberação, e através de um contato vivo com a Igreja local, Bispos e Dioceses”. E ao final nos encoraja: “A história das Confrarias tem um grande patrimônio carismático. Não percam essa herança! Mantenham vivo o carisma do serviço e da missão, respondendo com criatividade e coragem às necessidades do nosso tempo.”
A modernidade não extinguiu o que é perene. Pelo contrário: quanto mais a Igreja se abre aos desafios do mundo, mais precisa da fidelidade criativa de experiências como a das Irmandades e Confrarias, pois nelas encontramos uma síntese admirável: tradição que não paralisa, mas inspira; memória que não aprisiona, mas dá sentido ao presente; uma “realidade antiga, mas sempre nova”, lembrando das palavras que saem do trono de Deus: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). Por isso, falar de Irmandades é falar da própria vida da Igreja. Não de uma Igreja que passou, mas da Igreja que continua a pulsar, a respirar, a caminhar. Uma Igreja que encontra, na simplicidade de seus irmãos confrades, um reflexo fiel daquilo que o Espírito semeia desde o princípio: a graça de sermos muitos, mas um só corpo em Cristo.
Assim, as associações pias permanecem como centelhas de luz acesas na noite da história, testemunhando que a tradição não é peso morto, mas raiz que alimenta, que dá frutos e projeta ramos para o futuro. São sinais de que a Igreja não envelhece, mas se renova na fidelidade e na inspiração criativa do Espírito... onde muitos quiseram ver o fim, floresceu a esperança; onde tentaram impor o silêncio, ecoou a voz do povo fiel. Que as Irmandades, com sua herança sagrada e sua missão sempre atual, sigam sendo cântico vivo da comunhão, altar de serviço e anúncio da eternidade. Pois nelas ressoa, como em um hino perene, a certeza pascal: a Igreja de Cristo é sempre antiga, mas sempre nova.








