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A oração e a harmonia interior


Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal


A oração é a energia da espiritualidade cristã. Os discípulos de Jesus Cristo são chamados a ser pessoas de oração. Pois, Ele era homem de intimidade profunda com o Pai (cf. Jo 17; Lc 11, 2-4). Em nossos dias, esse tema retoma a sua grande importância pelas urgências existenciais que estão a bater os corações da condição humana. A crise de sentido é um dos dilemas dos nossos tempos, muitas vezes sombrio e inquietante. A busca pelo Transcendente coloca a religião como uma das categorias absolutas a serem estudadas e levadas a sério para a urgência da implementação de um ‘novo humanismo’. Em Hegel, essa questão da religião já aparecera como um reflexo do ‘espírito absoluto’. Afirma o filósofo que “a série das diversas religiões, que vão produzir-se, só apresenta igualmente de novo os diversos lados de uma única religião, e na verdade, de cada religião singular; e em cada ‘religião’ ocorrem as representações que parecem distinguir uma religião efetiva de uma outra (cf. Fenomenologia do Espírito, pág. 458). Com essa menção ao pensamento hegeliano, reassumo as perspectivas contemporâneas da experiência religiosa como um fenômeno fundante da existência humana e do seu espírito no tempo e no espaço.

 

A humanidade no seu anseio por’ religamento’, consigo e com o outro, traz a partir do seu interior a busca pela harmonia e a reconciliação. O pecado rompe essa dinâmica relacional do ser humano com Deus, com a criação e com o seu semelhante (cf. Gn 3). Contudo, essa chama continua a inquietar o coração daqueles que anseiam pela Verdade (cf. S. Agostinho, Conf. Liv I, 1,1). Na atualidade, o dado religioso é uma dimensão antropológica reconhecidamente em ebulição. A religião está mais uma vez no cenário global como uma das dimensões que se entrelaçam com os demais fenômenos humanos: na política, na economia e nas ciências humanas em sua totalidade. É uma questão que marca o sentido das culturas. Passou a ser um elemento transversal. É relevante mencionar que o Concílio Vaticano II tratou do tema em três de seus documentos (cf. Dignitatis Humanae; Nostra Aetate e Unitatis Redintegratio). O tema da liberdade religiosa encontrou espaço nos ordenamentos jurídicos das Nações ocidentais, principalmente depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); e ainda assume integralmente os pressupostos institucionais de países, como é o caso de vários do Oriente Médio, com seus sistemas políticos teocráticos.

 

A constatação antropológica do anseio humano pela autocomunicação com o divino (cf. K. Rahner) nos legitima para afirmar que a oração é o meio pelo qual a pessoa humana busca a harmonização consigo, com o Outro e com a própria criação. Com essa perspectiva teológica é que falamos da necessidade de uma ‘ecologia integral’ (cf. PP Francisco, cap. IV). O contemporâneo tem essa idiossincrasia com a qual somos chamados a conviver e que nos interpela constantemente. Numa perspectiva eclesial e antropológica, uma das respostas que estão ao nosso alcance e que podemos fazer uso para a hermenêutica espiritualista dos nossos dias, seja a redescoberta da mística cristã; bem na linha do que nos ensinam os grandes reformadores Santo Inácio de Loyola, São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila. Cito estes para corroborar que temos opções da tradição espiritual do ocidente e do oriente cristãos, que podem nos direcionar numa construção espiritual sólida e condizente com os anseios do sujeito pós-moderno. Esse tesouro pode ser explorado não só pelos ambientes de casas religiosas, mas ainda pelos fiéis e pessoas de vontade que desejam aprofundar essa experiência com o sagrado.

 

O humano hipermoderno está a sofrer pelo desencantamento causado pela ideia da ‘morte de deus’. Muitos oportunistas, charlatões e amantes do dinheiro estão a aproveitar-se deste ‘buraco’ na existência para manipular, alienar e aprofundar esse vazio da condição humana contemporânea, inclusive em muitos espaços cristãos. Nalguns dos nossos espaços sagrados têm existido muitos espiritualismos e pouca espiritualidade. Temos que revisitar a dinâmica cristã das primeiras comunidades, com sua mistagogia, e beber da fonte da boa Tradição Viva da Igreja. Como nos ensina Santa Teresa de Ávila, temos que “rezar e estudar”. A construção do nosso ‘Castelo Interior’ é uma luta continuada que não cancela a nossa humanidade, mas a pressupõe. A fonte da nossa espiritualidade genuinamente cristã é a pessoa de Jesus Cristo, Nosso Mestre e Senhor, com sua Boa Notícia, que é mensagem de salvação e plenitude da vida.  Diante de tantas vozes e muitas iscas, o caminho a ser seguido por nós cristãos, nessa ânsia de harmonização da vida interior e ordenamento dos afetos espirituais, podemos escolher o Único Necessário (cf. Lc 10, 42).  

 

As nossas comunidades cristãs precisam assumir o propósito de ser casas de oração, nas quais o fomento pela espiritualidade contemplativa e encarnada, como ‘mística de olhos abertos’ (cf. J. B. Metz), que nos qualifica para o testemunho missionário, com coragem e alegria, seja aprofundada e oferecida ao povo de Deus, como também às pessoas que estão a ‘gritar’ por uma resposta consistente acerca da Verdade sobre si mesmo, sua história e a Vida na sua totalidade. O materialismo, o consumismo, o estrelismo, o pansexualismo e as demais formas de imanentismos contemporâneos estão a reduzir a condição humana aos ditames do historicismo e do existencialismo ateus. Esse é um dos grandes dramas culturais dos nossos tempos sombrios. Por isso que, a integração interior e a harmonia com os Outros sejam questões a serem aprofundadas em nossos dias por cada pessoa, seja cristão ou não. Assim o seja!

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