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Congresso Eucarístico Arquidiocesano


A caminhada pastoral é uma escola com a qual aprendemos cotidianamente. O contato com o povo de Deus e sua história de abertura à ação do Espírito Santo é uma dádiva que, infelizmente, nem todos os ministros ordenados têm a alegria de viver e dela fazer parte para o seu amadurecimento humano e eclesial. O Papa Francisco, na recente Jornada Mundial da Juventude, em diálogo com os seus irmãos jesuítas, falava da importância dessa Pastoral Popular, que é importante não só para a Companhia de Jesus, como também para a vida da Igreja. O Sumo Pontífice, em sintonia com o Concílio Vaticano II, tem no coração a relevância do Senso dos Fiéis, como lugar onde o Espírito age de modo inefável.


Dentre as minhas vivências pastorais, como presbítero, com rostos diferenciados, desde a minha paróquia de origem, em Nova Cruz, experiência em paróquias no Norte da Itália, Santo Antônio do Salto da Onça, Lagoa de Pedras e Serrinha, que foi o primeiro, efetivo e continuado campo de aprendizagem pastoral, São José de Mipibu e, agora, na já amada paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em central espaço de desafios de pastoral urbana, tomei, especificamente da paróquia de Sant’Ana e São Joaquim, em Mipibu, a consciência do valor espiritual e eclesial do Congresso Eucarístico para a vida e a conscientização eclesial de uma comunidade cristã.


Numa das minhas atuais leituras (cf. Thomas Merton. “O Pão Vivo”; Ed. Vozes, 2023), texto de espiritualidade eucarística que recomendo vivamente a todos que desejarem assumir esta preocupação, fui alcançado pela informação de que “desde 1879 temos a Obra dos Padres Adoradores, cuja fundação foi inspirada pelo ‘Apóstolo da Eucaristia’, São Pedro Julião Eymard. Este piedoso sacerdote francês do século XIX que tinha a vida toda centrada num profundo amor a Jesus no Santíssimo Sacramento. Fundou duas congregações religiosas dedicadas exclusivamente à Eucaristia. E inspirou o movimento dos congressos eucarísticos, notável feição da piedade católica moderna. Sua influência sobre a atual devoção eucarística é impar” (cf. Idem, pág. 35-36). Aqui quero chamar à atenção ao que Merton enfatiza ao qualificar esse movimento como ‘moderno’. Cuidar e fomentar a ‘mistagogia sacramental’, tomando a teologia dos Santos Padres como referência teológica e catequética, será deveras atual e necessária à fé do povo, que é sempre de Deus.


A Igreja, no Código de Direito Canônico, assumindo os ensinamentos da sua Tradição Viva, define e preceitua o sentido teológico da Santíssima Eucaristia no cânon oitocentos e noventa e sete afirmando o seguinte: “O augustíssimo Sacramento é a santíssima Eucaristia, na qual o próprio Senhor Jesus Cristo se contém, se oferece e se recebe, e pela qual continuamente vive e cresce a Igreja. O Sacrifício eucarístico, memorial da morte e ressurreição do Senhor, em que se perpetua através dos séculos o Sacrifício da Cruz, é a culminância e a fonte de todo o culto e da vida cristã, pelo qual se significa e se realiza a unidade do povo de Deus e se completa a edificação do Corpo de Cristo. Os demais sacramentos e todas as obras eclesiásticas de apostolado relacionam-se com a santíssima Eucaristia e para ela se ordenam”. Em muitas situações e contextos eclesiais nos falta essa nítida, honesta e mística consciência do que seja a Santíssima Eucarística para cada um de nós, que estamos na dinâmica da vida eclesial.


No Ritual da Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da missa, no número cento e nove, há uma definição acerca do sentido do Congresso Eucarístico para uma Igreja Particular, ou com mais abrangência católica, que nos orienta e pode ser de motivação para a realização de um evento desta magnitude espiritual. Ei-la: “Os congressos eucarísticos, que nos últimos tempos foram introduzidos na vida da Igreja como manifestação peculiar do culto eucarístico, devem ser considerados como uma ‘estação’ para a qual uma comunidade convida toda a Igreja local, ou uma Igreja local convida as outras Igrejas duma região ou nação, ou até as do mundo todo, a fim de, em conjunto, reconhecerem mais profundamente o mistério da Eucaristia sob algum aspecto, e lhe prestarem um culto público nos laços da caridade e da união. É, pois, necessário que tais congressos sejam um verdadeiro sinal de fé e de caridade pela plena participação da Igreja local e pela associação significativa das outras Igrejas”. O caminho feito nesta direção seria uma oportunidade de revisitarmos também tantos outros temas da teologia contemporânea, inclusive a partir do próprio pontificado do Papa Francisco.


Em muitas particularidades podemos claramente detectar abusos doutrinais, canônicos e eclesiológicos sobre o culto da Santíssima Eucaristia como Mistério de Fé (cf. Mysterium Fidei, Paulo VI). Ou será assumida uma postura disciplinar, ou há que ser trabalhada a via pedagógica, que é a da formação permanente de todos nós, que fazemos parte desta amada Igreja Particular de Natal. Esta última, nem violenta, nem pode ser violentada, porque promove liberdade e sentimento de pertença. Temos que assumir com responsabilidade as verdades que nos confirmam enquanto membros desta realidade sacramental, que é a Igreja, que existe para reluzir a Única Luz dos Povos, que é Jesus Cristo (cf. Lumen Gentium, 1). Na sociedade do espetáculo, da liquidez e do vazio de conteúdo, por mais que seja tentador, por causa da autorreferencialidade, as conquistas pecuniárias e a manipulação das massas sofridas e confusas, nós outros não podemos ceder às tentações que nos colocam em situação de usurpadores da Verdade e, consequentemente, de ideólogos manipuladores da boa fé do povo santo de Deus.


Por isso, tendo em vista tantas outras preocupações teológicas, pastorais, eclesiais e existenciais, que nos fazem conscientemente determinadas proposições, coloco esta perspectiva da ‘celebração de um Congresso Eucarístico Arquidiocesano’, como um sinal do anseio de ‘renovação espiritual’ de todos nós, que estamos imersos nestas paragens eclesiais norte-riograndenses. O Papa Francisco tem nos alertado tanto sobre o ‘mundanismo espiritual’. O mal que ele faz à vida da Igreja e dos seus membros. Parece que os nossos corações ainda são tão duros e indiferentes. Temos que rezar mais e buscar o discernimento do Espírito. Ainda acompanhando Tomas Merton, o recordo quando o mesmo afirma que “a grande tragédia do nosso tempo – se podemos ter a ousadia de dizê-lo – é que haja tantos cristãos sem Deus; isto é, cristãos cuja religião é questão de puro conformismo e conveniência” (cf. obra cit., pág. 31-32). Meditemos e façamos o nosso exame de consciência para que não façamos da Santíssima Eucaristia o instrumento de fortalecimento dos nossos interesses mundanos. Temos que aprofundar o sentido deste Santíssimo Sacramento, já que a “Igreja vive da Eucaristia”. Assim o seja!


Pe. Matias Soares

Mestre em Teologia Moral (Gregoriana-Roma)

Pós-graduado em Teologia Pastoral (PUC-Minas)

Membro da SBTM (Sociedade Brasileira de Teologia Moral)

Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório/Natal-RN

Coordenador Arquidiocesano da Pastoral Universitária

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