Por Pe. Paulo Henrique da Silva
Diretor de estudos do Seminário de São Pedro
Todo cristão, todo católico é chamado a viver sob a luz da Palavra de Deus. Ela mostra para os homens e as mulheres o plano de Deus, a história da ação de Deus na vida de um povo, escolhido para ser sinal para todas as nações. O que se apresenta no Antigo Testamento, encontra seu cumprimento em Jesus Cristo, atestado pelo testemunho dos evangelistas. Jesus mesmo tinha o costume de ler a Palavra de Deus na sinagoga, como também citava textos do Antigo Testamento. E, quando ressuscitado se manifesta aos discípulos que estavam indo a Emaús, como frustrados pelos acontecimentos do Calvário, Jesus faz questão de mostrar para eles que a paixão e a morte de cruz, como também a ressurreição, tudo era fidelidade de Deus ao seu plano expresso nas Sagradas Escrituras (cf. Lc 24,13-35). E esta fidelidade se apresenta como ato infalível de Deus ao deixar a Eucaristia. De fato, quando a escuta da Palavra se une à Comunhão Eucarística, então significa que deixamos a Palavra se unir a nós, tornando-nos, como Maria, “plasmados da Palavra”, como se expressou o Papa Bento XVI. Para nós que assumimos o caminho de conversão pastoral o exemplo da Mãe da Palavra encarnada é de suma importância que “a nossa ação apostólica e pastoral não poderá jamais ser eficaz, se não aprendermos de Maria a deixar-nos plasmar pela ação de Deus em nós” (Verbum Domini, 27). Quando isso acontece em nós, então se realiza o que Santo Ambrósio (bispo e doutor da Igreja, nascido em 340 e morto em 397, foi bispo de Milão, na Itália) ensinava sobre o fato de que cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é fruto de todos (Verbum Domini, 29).
Na história da espiritualidade cristã encontramos, especialmente nos mosteiros, a vivência da Lectio divina ou leitura orante da Palavra. Como é feita? A partir de um texto previamente escolhido se faz a leitura (LECTIO), depois a meditação (MEDITATIO), daí se passa à oração (ORATIO) e por fim chega-se à contemplação da presença de Deus na nossa vida (CONTEMPLATIO), que ilumina a nossa ação (ACTIO). Da Palavra lida, meditada, rezada se passa para a contemplação, que nos leva à ação em nome de Deus. Os seus passos, portanto, são: 1. Lectio (Leitura): leia o texto na calma e na paz. Leia e releia muitas vezes. Escute e acolha. Espere em silêncio para que a Palavra se digne falar-lhe; 2. Meditatio (Meditação): assimile a Palavra no seu coração. Fixe o olhar sobre Cristo, Palavra vivente, e não sobre você. Diga-lhe como Samuel: “Fala, Senhor, que o teu servo te escuta” (1Sm 3, 10); 3. Oratio (Oração): reze ao Senhor e contemple o que ele te disse. Prove a dizer a Deus as suas mesmas palavras, pois, sem a oração a Palavra não penetra no profundo do coração e não transforma a vida; 4. Contemplatio (Contemplação): deixe que o Senhor te eleve para Ele a fim de provar as alegrias da eterna doçura. Assim te tornarás quase completamente espiritual e aprenderás a ler os acontecimentos da vida com os olhos de Deus; 5. Actio (Ação): viver o dia à luz da Palavra lida, meditada, orada e contemplada. Sem a oração a Palavra não penetra no profundo do coração e não transforma a vida.
Somos chamados a fazer dessa escuta um “estilo de vida”, isto é, deixar-se conduzir por ela. É um caminho de luz, um caminho de crescimento na fé, que a Palavra nos conduz. “Devemos, queremos deixar-se educar pela Palavra, não no sentido de que já o somos. Trata-se para mim de um ideal constante; é também o modo com que sonho a Igreja, uma Igreja verdadeiramente educada pela Palavra; um ideal a alcançar, uma meta, um desafio” (CARDEAL CARLO MARIA MARTINI. La Scuola dela Parola. Milano, Bompiani, 2018, p. 85).
E a Palavra nos ensina: quem pratica a justiça, quem ama o irmão, foi gerado por Deus. A centralidade das Sagradas Escrituras na vida da Igreja e na nossa vida, como nos pede a Constituição dogmática Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, nos leva ao reconhecimento do caminho de santidade que a Palavra nos conduz. “Para o fiel que, graças à mesma fé, reconhece na Escritura a Palavra vivente, penetrante, que julga as suas profundezas e que discerne uma interpelação que reveste a sua vida aqui e agora, este critério o leva a fazer a exegese da Escritura que pede de amar a Deus e os irmãos, amando justamente Deus e os irmãos na vida e o conduz a sintetizar cristologicamente esta ordem no mandatum novum: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (ENZO BIANCHI);
Comments