ARTIGO - O Pacto Educativo e a Cultura Educativa
- pascom9
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Pe. Matias Soares
Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
O Papa Francisco, em setembro de dois mil e dezenove, lançou a proposta de firmarmos um Pacto Global pela Educação. No Brasil, houve o intento de recepcionarmos esta feliz e urgente iniciativa com a Campanha da Fraternidade de dois mil e vinte dois, com o tema “Fraternidade e Educação”. Infelizmente, com as sequelas humanas e sociais causadas pela pandemia, pouco conseguimos articular para que aquela Campanha tivesse a repercussão que era esperada, considerando os péssimos números e resultados da educação pública do nosso País. Com a participação nos fóruns e instâncias que discutem a situação da educação, temos a triste conclusão de que este direito social não é garantido para a maioria da população. Tanto os professores, como os estudantes e demais membros das comunidades, têm grandes desafios a superarem para que consigam ofertar, receber e promover a educação, tanto qualitativamente, quanto quantitativamente, enquanto bem social imprescindível ao desenvolvimento humano integral e integrante das pessoas no seu processo civilizatório.
A partir desta constatação existencial do significado da educação, com seus desafios estruturais, à formação da consciência da nossa dignidade, podemos testemunhar que a mesma é fonte e caminho de liberdade. Não há nada mais valioso, nobre e humanizante do que a educação. O que ela gera e promove em nossa condição humana é sublime. Ninguém tira, nem pode roubá-la do nosso tesouro que vai sendo acumulado em decorrência da sua busca constante e permanente. Ela torna-se objeto de desejo quando a encontramos e, encontrando-a, a queremos mais; não como vício, pois este escraviza e nos corrompe; mas como uma forma de amar, já que na sua companhia o que alcançamos é a luz que performa o nosso modo de perceber, conviver e contemplar a realidade. Ela nos conforta e nos garante a autonomia para ver a nossa existência de um modo lúcido, com abertura ao diferente e às muitas possibilidades do Ser. Não podemos negligenciá-la, nem para nós, nem negando-a aos outros. Num projeto de sociedade igualitário e justo, global e particular, lutar pela educação é promover a vida em plenitude; e isso é evangélico (cf. Jo 10,10).
A Igreja tratando da educação no Concílio Vaticano II afirma que “todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto gozarem da dignidade de pessoa, têm direito inalienável a uma educação correspondente ao próprio fim, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e paz na terra. A verdadeira educação, porém, pretende a formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é membro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte” (cf. Gravissimum Educationis, 1). Ou seja, a Igreja tem na sua estrutura programática a consciência de que a educação deve ser um direito a ser salvaguardado para cada ser humano. O Papa Francisco, mais uma vez, traz ao centro do debate, quando propõe um Pacto Educativo pela Educação, o que está posto pelo Concílio. A Igreja, como Mãe e Mestra, tem na sua trajetória ocidental a legitimidade e a credibilidade para promover um amplo debate, com todos os atores sociais, para que juntos lutemos por uma “Aliança Estadual” em favor da educação.
A médica italiana, Dra. Maria Montessori (1870-1952), nessa linha de defesa e reconhecimento da urgência da formação - educação - do homem, afirmava que a tarefa da educação no seu contexto, e com ela podemos afirmar que também em nossos dias, deve ter por principal objetivo “ajudar a humanidade a se salvar, do mesmo modo como ajudaríamos um doente hospitalizado a restabelecer-se para continuar a viver. De modo que, nós devemos ser os enfermeiros desse vasto hospital que é o mundo”. Segundo ela “trata-se de reconstruir, e essa reconstrução requer a elaboração de uma ‘ciência do espírito humano’, a qual necessita de um trabalho paciente, um trabalho de pesquisa para o qual devem contribuir milhares de pessoas consagradas exclusivamente a esse objetivo”. Para a autora “aquele que trabalha nessa reconstrução deve estar estimulado por um grande ideal, mais elevado que o de todos os movimentos políticos que prometeram melhorias sociais, tendo como objetivo a vida material de um grupo de homens oprimidos pela injustiça e pela miséria. Esse ideal é universal: é a libertação de toda a humanidade e revalorização do homem, objetivo que necessita de uma imensa soma de trabalho paciente” (cf. A formação do homem, pág. 26-27). Nesta linha, consonantes com Francisco e com Montessori, temos que pensar a educação não só pela via de um “contrato social”; mas, antes de tudo como, um Pacto, uma “Aliança” apaixonada que veja, acima de tudo, o bem das pessoas, a começar das crianças até os idosos.
Na linha dos ensinamentos do Papa Francisco, em nossos tempos, ainda urge pensar a educação considerando a sua totalidade e interfaces, “dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, é necessário refletir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais” (cf. Laudato Si, 137). A ecologia integral é inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha um papel central e unificador na ética social. É “o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição. O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral (cf. Idem, 156-157). Para Francisco, “muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudança. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração (cf. Idem, 202). A transformação da realidade exige uma nova mentalidade e nesse horizonte, o processo educativo ocupa o lugar de primazia. Contudo, a própria sociedade necessita de uma cultura educativa; de um estilo de vida e uma narrativa que corroborem o significado do amplo processo educativo para o bem de toda sociedade.
O problema é que infelizmente, e aqui está o ponto focal desta reflexão, a ‘cultura educativa’ não é presente, não faz parte, nem é fomentada entre uma ampla camada da sociedade brasileira. As instituições envolvidas neste urgentíssimo pacto educativo precisam disseminar, conscientizar e fortalecer esse ‘espírito humano’ acerca desse bem tão necessário ao seu desenvolvimento. Temos que falar sobre a educação, tratar da educação, propagar a educação e dizer a todos que ela revela ‘a verdade sobre a dignidade da pessoa e o seu modo de estar no mundo’. Um povo, que entende o que esse bem representa para cada ser humano, vai lutar por ele e fará com que os representantes públicos, não por demagogia, mas com responsabilidade pública, garantam as condições para que ele seja alcançado por todos. As organizações sociais são chamadas a assumir essa bandeira social e condicionadora desse bem comum, bem definido e defendido pela Doutrina Social da Igreja. Isso também é “Evangelho da Vida”. A justiça social sobre a qual tanto falamos passa por essa primordial conquista. O Pacto Educativo é a mola a partir da qual poderemos dar saltos de qualidade no projeto de uma sociedade igualitária que tanto necessitamos. O direito à educação não pode ser para alguns privilegiados. Todos que compõem a sociedade são seres humanos. Por isso, todos têm direito a esse bem pessoal para o ordenamento social. Fomentemos a cultura educativa e busquemos a organização de todos os meios que nos levem à sua conquista para o homem todo e todos os homens.
Por fim, no estado do Rio Grande do Norte, a Arquidiocese de Natal tem fomentado essa articulação das instituições sociais para buscarmos um diálogo, com ações planejadas e a longo prazo, para concretizarmos um projeto comum ao fortalecimento da educação na nossa conjuntura social. Ainda existe muita dificuldade para que todos entendam que só em conjunto, deixando de lado os extremismos, polarizações e egos políticos, com suas burocracias imediatas, conseguiremos avançar na consecução de um ideal educativo de qualidade e que alcance a população, desde às periferias geográficas às existenciais. Precisamos sentar à mesa, com humildade, para acolher o que cada um pode oferecer de bom e eficaz. Queiramos uma ‘governança mais humana e dialógica’. Estendamos as mãos uns aos outros; sejamos pontes e facilitadores da cultura educativa, com sonhos de felicidade e bem estar para cada pessoa humana. Sejamos promotores da vida e da verdade, com abertura ao desenvolvimento humano integral, que passa necessariamente pelo processo educativo, como uma mentalidade e um direito para todos. Assim o seja!