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ARTIGO - Férias que te quero férias ...


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Padre João Medeiros Filho

Assistente eclesiástico do Mosteiro das Filhas de Santana

 

O final do ano se aproxima e com ele o veraneio e as férias escolares, determinadas pelo calendário das instituições de ensino, assim como o ritmo de vida de uma parcela considerável da população. A palavra férias origina-se do latim e significa ausência de compromisso e trabalho (de onde deriva o termo feriado) e daí, tempo de descanso para recuperação das forças físicas e mentais. Outro termo latino, “vacatio”, com significado análogo está correlacionado ao sentido dos étimos de outros idiomas: vacaciones (espanhol), vacances (francês), vacanza (italiano), vacation (inglês), vakantie (neerlandês) etc. Mas, o período que deveria servir de repouso, vem se tornando um frenético ir e vir, com agências de viagens, rodoviárias, portos e aeroportos cheios, hotéis lotados, praias repletas e as noites invadidas pelos famosos paredões de som.


A cultura da curtição, badalação e do prazer material imediato, na qual estamos mergulhados, mudou nossa capacidade de descansar e relaxar. Hoje, ao estresse do trabalho (em que a concorrência é cada vez maior e até desleal), à fadiga do ano letivo e laboral, somam-se a síndrome e a preocupação das férias. Criou-se o hábito de fazer programas intensos nessa temporada, viagens exaustivas e dispendiosas a lugares longínquos ou exóticos. Pode-se ver nos terminais de viagens pais impacientes, crianças entediadas, assediando sem parar seus genitores a fim de comprar, gastar o dinheiro que podem ou não dispender, adquirindo aparelhos eletrônicos de última geração, objetos da moda ou de marcas, que logo mais serão descartados, por conta da publicidade que leva compulsivamente ao consumo desnecessário e deletério. Hoje, para muitas famílias essa época torna-se sinal de status e exibição. 


Muita gente corre para as praias e lugares de clima ameno, causando inquietação e medo de adoecer aos mais idosos e doentes. Outro dia, numa clínica cardiológica, uma senhora, proveniente do interior, falava que iria suplicar a Deus o término rápido dessa temporada. No ano passado, perdera a mãe com uma crise pulmonar. Não havia conseguido chegar a Natal a tempo para ela ser socorrida, por conta do congestionamento do trânsito nas estradas. Tal senhora dizia com tristeza que também não havia encontrado um sacerdote para as exéquias, pois muitos padres estavam veraneando. E, num tom de desabafo, acrescentou: “Todos têm direito a férias, mas deveria haver melhor planejamento para atender o público.” 


Isto leva-nos a lembrar algumas situações. No passado, um bispo potiguar costumava recomendar rodízio entre os padres para tirar uns dias de repouso, pois muitos passavam anos sem o descanso merecido. Durante os meses de verão, os bispos das dioceses catarinenses estabelecem uma escala para os sacerdotes permanecerem no Balneário Camboriú, não em férias, mas para atender os numerosos turistas brasileiros e estrangeiros, que ali acorrem. O senador Marco Maciel, quando Ministro da Educação, atendendo às reclamações, publicou uma portaria determinando que apenas vinte por cento dos servidores do MEC, lotados no Rio de Janeiro, entrassem de férias, nos meses de janeiro e fevereiro, para não prejudicar o atendimento ao público usuário. “O tempora, o mores!”


Não raro, de retorno ao lar e à rotina, quantos não sentem o sabor amargo de desencanto, desânimo e tristeza diante do alto investimento em um programa que, afinal, não valeu tanto a pena, como se pensava. A sensação de encontrar-se talvez mais exaurido na volta – e com o cartão de crédito estourado – deixará no ar uma pergunta incômoda, mas inevitável: por que não se consegue mais descansar nas férias? A sociedade hodierna, de forma engenhosa, invadiu o nosso lazer. É exatamente isso que se deveria levar em conta, quando se pensa em férias e viagens. A máquina do consumo quer nos envolver, custe o que custar. E, paulatinamente, vamos sendo reduzidos a meros consumidores. Férias são uma pausa para voltar ao trabalho renovados daquilo que o cotidiano nos tem imposto com sua implacável exigência e estonteante ritmo. É importante ter consciência de que não somos máquinas de produzir e consumir. “Sois homens e não máquinas”, dizia Charles Chaplin. E afirma a Sagrada Escritura: “Somos criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1, 26). 

 
 
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