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ARTIGO - Feliz Ano Novo?

Diác. Paulo Felizola

Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta


Apesar de durante o ano de 2024, no contexto do cabo de guerra entre as forças sociais, o país tenha, aos troncos e barrancos, driblado as investidas anticrescimento do conservadorismo, ao apresentar melhoria nos indicadores sociais e econômicos, apesar da discreta tendência à elevação dos níveis de preços e de uma maliciosa elevação da taxa de juros básica, por parte do Banco Central, descortina-se para o ano de 2025 um cenário pouco promissor quando visto e analisado através das lentes dos irmãos e irmãs menos protegidos ou mais expostos aos efeitos colaterais das decisões tomadas.


Não há como explicar as nuvens carregadas que pairam sobre as cabeças dos pobres de nossa sociedade sem voltarmos um pouco no tempo e mostrar o que circunscreve o nosso futuro. Voltemos aos anos 80 e 90 do século passado, quando o país era, vergonhosamente, refém do famigerado FMI (Fundo Monetário Internacional). Com a crise do petróleo o país passou a viver grandes dificuldades nas contas o que desencadeou a crise da dívida externa, devido ao fraco desempenho das exportações e a necessidade crescentes de importações, principalmente, de petróleo, que nos obrigava a buscar acordos com o Fundo, que assegurassem o ingresso de recursos externos para cumprir as obrigações com os credores. Como o país não conseguia honrar esses compromissos usava o artifício de rolagem da dívida, que para as autoridades brasileiras eram artifícios válidos, já que, segundo eles, a dívida pública não se paga, dívida se rola. Entre rolagem e negociações a crise só tendia a piorar, até que, em 1988, o Brasil assinou um acordo, através do qual recebemos algo em torno de US$ 41,5 bilhões e se submeteu as contrapartidas impostas pelo Fundo e inspiradas no Consenso de Washington, tais como a privatização da empresas estatais, a liberalização geral da economia e a imposição de regras rígidas de austeridade fiscal[i], que foi consolidada através da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei complementar nº 101/2000.


Em 2005, com a melhoria nas contas externas do país verificada a partir de 2003[ii], o País conseguiu quitar sua dívida com o Fundo[iii], no entanto foi mantida a essência da austeridade fiscal que houvera sido imposta pelo FMI, como o rigor fiscal de índices de superávit primário, que garantisse o pagamento de juros da dívida pública e altas taxas de juros como instrumento de controle da inflação.


Após, aproximadamente, 14 anos, de existência de significativa reserva cambial e não menos significativo superávit primário, sem nenhuma pressão do FMI, mas premido por um recorrente déficit primário, a política econômica recuperou as pautas de privatização das empresas estatais, da redução do Estado á sua dimensão mínima e do aprofundamento da austeridade fiscal. Com essa orientação de austeridade, o País atravessou uma grave crise política, econômica e sanitária, cujo marco foi a imposição do Teto de Gastos[iv].


A partir de 2023, a orientação da política econômica, diante de um persistente déficit primário, optou pela manutenção da austeridade fiscal ao trocar o Teto de Gastos pelo Novo Arcabouço Fiscal[v] (NAF), mantendo, assim, a estratégia de redução do peso Estado na economia e preparando para que parte dos serviços públicos, das políticas públicas e da infraestrutura sejam assumidos pelo capital privado, comprometendo toda a capacidade de recuperação do protagonismo do Estado. Além do mais, o NAF estabelece a obrigatoriedade de que as despesas só possam crescer a 70% do ritmo da elevação das receitas, podendo, inclusive, crescer em apenas 50% do crescimento da receita, aprofundando ainda mais o mecanismo de contenção, o que, na verdade, compromete as políticas públicas de transferência de renda aos mais pobres, de valorização do salário mínimo, e os pisos constitucionais de saúde e educação.


Pressionado pelas expectativas de persistência do déficit primário, que seria o resultado de uma alegada gastança irresponsável do Estado, foi anunciado um Pacote de Corte de Gastos (PCG) e alteções no imposto de renda, que altera o NAF, ajusta o crescimento do salário mínimo, prevê correções no Benefício de Prestação Continuada (BPC), diminui o acesso ao abono salarial e ao seguro desemprego. Por outro lado, o pacote, também, prevê cortes nos supersalários do funcionalismo público e as modificações no imposto de renda.


No que diz respeito ao salário mínimo, o PCG procurou continuar com a regra já estabelecida pelo NAF, que estabelece aumentos entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. Note-se que, apesar de, assim, continuar prevendo aumento do salário mínimo em termos reais, os novos reajustes serão inferiores ao que foi retomado em 2023, que previa um reajuste baseado na inflação do ano anterior e no crescimento do PIB de dois anos antes[vi]. Segundo Fattorelli[vii], ao longo dos próximos 5 anos, a nova regra trazida pelo pacote terá um impacto negativo de quase R$ 110 bilhões no salário mínimo, além dos reflexos em benefícios calculados com base nesse indicador, tais como o abono salarial o BPC e o seguro desemprego, limitando estes instrumentos de desenvolvimento e distribuição de renda.


Quanto a correção do BPC, há de se notar que, apesar de ter sido alegado que seria feito apenas as correções necessárias, que seria apenas passado o pente fino, o benefício, na realidade, deverá sofrer cortes substanciais, na medida em que novos critérios para o acesso ao benefício serão exigidos, tais como a exigência de registro biométrico e considerar que o BPC passe a contar como renda dentro de um mesmo domicílio[viii] A suspensão do benefício pelas novas regras, fará com que muitas famílias, que dependem do benefício para suprir suas necessidades básica, tenham a qualidade de vida seriamente afetada.


Quanto ao abono salarial, a proposta do pacote não passa de uma grande perversidade contra os trabalhadores e trabalhadoras que ganham até dois salários mínimos mensais e que, assim, no fim do ano, têm direito de receber um salário mínimo. Ao eliminar, paulatinamente, esse direito dos trabalhadores que ganham ente 1,5 a 2 salários mínimos, em poucos anos apenas os que recebem até 1,5 salário mínio terá direito a esse benefício. A intenção, com a eliminação desse direito alcançado com muita luta pelos trabalhadores, é de fazer uma economia de R$ 18,1 bilhões, até 2030, que irá se transformar, como todas as outras economias auferidas pelo pacote, em pagamentos de juros da dívida pública.


Enquanto todas as medidas de cortes propostas apontam para o risco de levar os mais pobres à fome, à exclusão e até à morte, ao mesmo tempo, o grande problema das contas públicas não é enfrentado pelo pacote. São gastos com a chamada dívida pública que têm provocado rombos e déficits nominais históricos, mas esse problema não é tocado pelo pacote; pelo contrário, o pacote prioriza, apenas, os pagamentos dessa dívida, que, como vimos, prejudica, fortemente, os trabalhadores, aposentados e beneficiários assistenciais. Mas, por outro lado, beneficia aos banqueiros, pois lhes garante os recursos que remuneram os seus altos lucros não tributados.


Esse é o cenário provável para 2025: dificuldade para os pobres e mais benesses para os ricos financistas, o que nos deixa sem coragem para desejar um feliz ano novo aos irmãos e irmãs de nossas comunidades, sem que estejamos sendo irônicos.


[i] Boa parte de tais iniciativas já estavam em curso desde 1990, mas são aceleradas em 1998, com a venda do sistema público de telecomunicações e de energia elétrica.

[ii] Em 2003, o saldo comercial externo estava em US$ 39 bi. Em 2007 superam a marca dos US$ 100 bi. Em 2008, atingem US$ 200 bi. Em 2011, as reservas atingem e superam os US$ 300 bi. Atualmente estão na faixa de US$ 370 bi.

[iii] Em 2009 a melhora das contas externas avançou ainda mais, possibilitando a compra de U$10 bi em bônus, tornando-se, pela primeira vez na História, credor do FMI.

[iv] O teto de gastos, criado pela Emenda Constitucional 95, estabelece um limite de gastos para a União, definindo, assim, que o crescimento dos gastos públicos seria totalmente controlado por lei. Dessa forma, o governo federal fica impedido de criar um Orçamento para a União maior do que o ano anterior, podendo apenas corrigir os valores de acordo com a inflação. Alguns gastos até podem crescer mais do que a inflação, desde que ocorra cortes reais em outras áreas. Isso implica que, na prática, portanto, as despesas do governo não terão crescimento real por 20 anos a partir de 2017.

[v] Lei Complementar 200

[vi] Se essa regra estivesse em vigor desde o início do Plano Real (julho de 1994), considerando-se o reajuste máximo possível de 2,5% reais ao ano, o salário mínimo atual seria de apenas R$ 1.095,10, e não os R$ 1.412 definidos em janeiro/2024.

[vii] M. L. FATTORELLI. “Arcabouço Fiscal é um ataque direto à classe trabalhadora e um marco negativo na trajetória de Lula.” Disponível em https://www.ihu.unisinos.br/647011-arcabouco-fiscal-e-um-ataque-direto-a-classe-trabalhadora-e-um-marco-negativo-na-trajetoria-de-lula-entrevista-especial-com-maria-lucia-fattorelli.

[viii] Por exemplo: um casa onde morem dois idosos, apenas um terá direito ao BPC

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