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ARTIGO - A sinodalidade e as estruturas eclesiais

Pe. Matias Soares

Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal


A Igreja é o corpo místico de Cristo. Essa eclesiologia é um das tantas construções da eclesiologia paulina, que foi bem acolhida pela Tradição Viva da Igreja (cf. 1Cr 12, 12.27; Rm 12,4-5; Ef 4,4; 5, 29-30; Cl 1, 18.24; 3,15). Com a “nova teologia”, nas construções da renovação teológica, que prepararou o Concílio Vaticano II, que retomou a centralidade bíblica e da patrística, com o seu cristocentrismo e a sua antropologia integral, tivemos na sistematização magisterial dessa eclesiologia na Mystici Corporis (Pio XII) e na Lumen Gentium (n. 7), a retomada de uma eclesiologia espiritual e pneumatológica, que em meio aos desafios do tempo presente, principalmente os causados pela crise de credibilidade da Igreja, faz-se mister que essa construção teológica seja amplamente conhecida para que nos voltemos para a Igreja como um mistério de fé e sacramento de salvação (cf. LG, cap. I), já que a mesma existe para reluzir a luz de Cristo no mundo e na vida de cada ser humano. Sem atenção e compreensão da sua ontologia, enquanto “Ícone da trindade”, mistério de comunhão e promotora do Reino dos Céus, poderemos cair na tentação de tê-la como uma Ong ou só mais instituição humana.


Uma outra questão que devemos ter presente na percepção deste conhecimento do é a Igreja, enquanto instituição, é também a humanidade. A Igreja é formada por pessoas. É a humanidade o seu primeiro e universal caminho. Não ser capaz de contemplar o humano e, na maioria das vezes o “demasiadamente humano”, nas atitudes eclesiais é algo que fere radicalmente a sua missão. “Ela precisa ser perita em humanidade” (PP Paulo VI). Seu modo de operar não é empresarial. A sua razão social não é determinada pelo lucro, nem pela conquista de poder (cf. Mc 10, 43-45). A leitura desse pecado, muitas vezes existente na “mentalidade de príncipes” e egocratas eclesiásticos, que fazem das suas estruturas e possibilidades hierárquicas, uma opção de vida e de manutenção de vaidades, não condiz com a proposta de Jesus Cristo. O clericalismo, que é uma “perversão do exercício do poder na Igreja”, é assumido e defendido por muitas personalidades eclesiásticas, no seu modo de tratar os pares e o povo de Deus. Isso é uma forma de mundanismo espiritual e um problema de caráter que percebemos em personalidades desintegradas e furtivas. As manifestações não são difíceis de serem percebidas, normalmente pelo abuso de poder, econômico, espiritual e sexual.


Na formação dos ministros ordenados, ou dos que serão consagrados(as), o mais desafiador é o cuidado com a formação humana destas pessoas. Alguns deles não têm vocação para o exercício do ministério; mas estão mais a fugir e a utilizarem-se da instituição para viver de um modo cômodo os seus recalques e indefinições existenciais. Por isso, a atenção às pessoas, ao seu modo de ser e às suas caraterísticas psicológicas, é extremamente importante em nossos dias. Quem não gosta de gente não pode ser confirmado a determinadas responsabilidades na Igreja. A imagem usada pelo Papa Francisco, a de que os ministros ordenados precisam ter o “cheiro das ovelhas”, não é superficial. Muito pelo contrário, diz claramente que a dimensão existencial destes ‘ministros’ urge que seja cuidada. A Igreja, sendo divina e humana, necessita considerar essas duas dimensões antropológicas, a transcendental e a existencial.Tomando a situação de algo mais interno e preocupante; mas na linha do Concílio, podemos lançar para o nosso contexto eclesial algumas indagações, que continuam atuais: “que pensa a Igreja acerca do homem? Que recomendações parecem dever fazer-se, em ordem à construção da sociedade atual? Qual é o significado último da atividade humana no universo? Espera-se uma resposta para estas perguntas. Aparecerá então mais claramente que o Povo de Deus e o gênero humano, no qual aquele está inserido e ao qual pertence, se prestam mútuo serviço; manifestar-se-á assim o carácter religioso e, por isso mesmo, profundamente humano da missão da Igreja (cf. GS, 11).


As estruturas eclesiais existem para serem canais destas duas vertentes - divina e humana - da Igreja. O sínodo que a nossa Arquidiocese está vivendo precisa urgentemente está atenta aos desafios existentes entre nós, com uma abertura aos mesmos questionamentos, não só às paróquias, como também junto às demais organizações que compõem as organizações da Igreja Particular, na sua totalidade: cúria, seminário, abrigos, associações e afins. A Arquidiocese não é constituída só pelas paróquias. Temos outras realidades que necessitam de reformas urgentes. Neste sentido, além de outros documentos, seria salutar que houvesse a recepção dos ensinamentos da Praedicate Evangelium - Proclamai e Evangelho (cf. Mc 16,15; Mt 10, 7-8) - que afirma no seu número quatro o seguinte: “a missão na Igreja está tão intimamente ligada à comunhão que se pode dizer que a finalidade da missão é, justamente, ‘dar a conhecer a todos e fazer com que todos vivam a ‘nova’ comunhão que, no Filho de Deus feito homem, entrou na história do mundo. Esta vida de comunhão dá à Igreja o rosto da sinodalidade, isto é, uma Igreja da escuta recíproca, ‘onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o ‘Espírito da verdade’ (cf. Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele ‘diz às Igrejas’ (cf. Ap 2, 7)”.


Continua o documento, no mesmo paragráfo, afimando que “a sinodalidade da Igreja há que entendê-la, pois, como ‘este caminhar juntos’ do Rebanho de Deus pelas sendas da história ao encontro de Cristo Senhor’. Trata-se da missão da Igreja, daquela comunhão que existe para a missão e é ela mesma missionária. A renovação da Igreja, e nela também a da Cúria Romana, não pode deixar de refletir esta reciprocidade fundamental, para que a comunidade dos crentes possa aproximar-se o mais possível da experiência de comunhão missionária vivida pelos Apóstolos com o Senhor durante a sua vida terrena (cf. Mc 3, 14) e, depois do Pentecostes sob a ação do Espírito Santo, pela primeira comunidade de Jerusalém (cf. At 2, 42)”. Considerando que a catolicidade da Igreja realiza-se nas Igrejas Locais, e que as cúrias destas circunscrições também devem viver a sua experiência sinodal em vista da sua “conversão missionária”, a nossa e todo o nosso aparato institucional necessitam ser avaliados e questionados acerca da sua funcionalidade. Para isso, além de termos as paróquias como lugar de escuta, também deveríamos ter, a partir delas, um amplo processo de escuta de como o Povo de Deus percebe as nossas instituições e estruturas.


A conversão das estruturas passa pela mudança de mentalidade das pessoas. As instituições em si são o que as pessoas fazem delas e nelas. Neste sentido, só podemos mudar conjunturas viciadas e ultrapassadas por um perspicaz, continuado e ousado projeto de formação permanente. Pois, por ela, transformamos as situações, sem violentá-las. Um outro fator determinante será a aposta maciça no ‘protagonismo dos fiéis leigos, em comunhão com seus ministros ordenados’. A transformação das estruturas eclesiais exige essa adesão e envolvimento de todos nessa reviravolta eclesial. O Concílio Vaticano II deixou isso claro e legitimado (cf. LG cap. II-III; Apostolicam Actuositatem). O apostolado dos fiéis na Igreja e no mundo é determinante às reformulações que temos que levar a termo em nossos ordenamentos pastorais, litúrgicos e administrativos. Essa via começa pelo “ardor missionário”. É uma paixão pelo anúncio do Reino de Deus. A Arquidiocese de Natal necessita urgentemente de um “projeto missionário”, com foco na Sagrada Escritura como primeiro - não o único - lugar de encontro com o Senhor. É a palavra que converte e por ela somos enviados. Cada paróquia da nossa Igreja precisa formar e enviar centenas de “missionários da palavra” que estejam em todos os lugares e periferias - humanas e geográficas - anunciando a “alegria do evangelho”. Essa foi a orientação de Jesus Cristo aos seus discípulos missionários (cf. Lc 10, 1-24).


Enfim, a caminhada é longa, tem seus desafios; contudo, quando nos permitimos ser tocados pela ação do Espírito Santo, protagonismo de toda a ação da Igreja, na sua sacramentalidade e vocação universal à santidade, como aquela que tem como identidade primordial a sua missionariedade e, outrossim, a sinodalidade como o que Deus espera dela nesse terceiro milênio, com suas transformações e mudanças inquietantes, com guerras, crise climática e injustiças de muitas faces, temos que ter abertura para discernir os sinais dos tempos em nossos contextos arquidiocesanos e, com coragem, sermos fiéis ao anúncio da Boa Nova do Reino de Deus, em comunhão, participação à missão, no aqui e agora da nossa história. Assim o seja!

 
 
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