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ARTIGO - "A linguagem é uma fonte de mal-entendidos"

Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal


Essa frase de Antoine de Saint-Exupéry, dita pela raposa ao Pequeno Príncipe durante o diálogo sobre "cativar" e criar laços, revela a limitação da linguagem em transmitir plenamente as experiências humanas mais significativas, como sentimentos e vivências subjetivas. Nessa esfera, as palavras geralmente são insuficientes e podem gerar mal-entendidos.


Ludwig Wittgenstein reforça essa ideia ao afirmar que “a linguagem corrente é parte do organismo humano, e não menos complicada que ele. É humanamente impossível, de imediato, extrair dela a lógica da linguagem. A linguagem é um traje que disfarça o pensamento. E, na verdade, de um modo tal que não se pode inferir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porque a forma exterior do traje foi constituída segundo fins inteiramente diferentes de tornar reconhecível a forma do corpo. Os acordos tácitos que permitem o entendimento da linguagem corrente são enormemente complicados” (Tractatus Logico-Philosophicus, proposição 4002).


Essa proposição do Tractatus reflete a complexidade da linguagem humana e as dificuldades que temos em compreender totalmente como ela funciona. Embora usemos a linguagem para nos comunicar, não temos plena consciência de como cada palavra se relaciona com o mundo ou de como os sons que emitimos ganham sentido. Segundo Wittgenstein, a linguagem é como um "traje" que encobre o pensamento, de modo que, ao observar apenas sua forma externa, não podemos inferir diretamente o conteúdo ou o sentido que ela carrega. A função do traje não é revelar o corpo, mas embelezá-lo e ocultá-lo. Assim também ocorre com as palavras: muitas vezes, elas mais escondem do que revelam, pois, a linguagem disfarça o pensamento ao invés de revelar diretamente o que está sendo pensado.


Isso acontece porque a linguagem, enquanto ferramenta humana, envolve uma série de acordos implícitos e regras complexas que organizam como as palavras e os símbolos ganham significado dentro de um sistema linguístico compartilhado. Esses acordos, por serem tão intrincados, tornam impossível entender de imediato a lógica completa de como funciona a linguagem e como uma expressão linguística adquire significado. A linguagem corrente é uma construção humana, complexa e viva, que depende de uma lógica subjacente não evidente a todos os seus falantes, e essa característica limita a compreensão direta daquilo que queremos expressar.


Outrossim, há sempre algo inefável que a linguagem não pode expressar diretamente, sendo necessário que certas coisas se mostrem em vez de serem ditas. Esse fato leva Wittgenstein a distinguir entre o dizível e o mostrável, sendo este último o âmbito do que não pode ser dito e apenas se revela. Tal distinção o conduz a traçar os limites entre o dizível, que abrange proposições verificáveis, e o indizível, que engloba experiências humanas profundas, como sentimentos, ética, estética e o místico. Essas experiências não podem ser plenamente expressas, mas se manifestam de forma indireta, através da metáfora e da poesia. Wittgenstein defende que devemos nos calar sobre o que não pode ser dito, pois aspectos significativos da vida transcendem a linguagem e escapam à descrição teórica ou científica. Tais vivências são inefáveis — podem ser experimentadas e mostradas, mas não explicadas. O silêncio, a contemplação, os gestos, os tempos e os intervalos são mais adequados para expressá-las, já que as palavras frequentemente geram mal-entendidos.

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