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ARTIGO - A Guarda dos Anjos e relevância do tema em tempos de ceticismo


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Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal

 

Em tempos como os nossos, marcados pelo secularismo, pelo ceticismo e pela cultura da imanência, falar de anjos, demônios e realidades espirituais pode parecer algo ultrapassado ou até mesmo ingênuo. A mentalidade contemporânea, muitas vezes, reduz a experiência religiosa à esfera do psicológico, interpreta o milagre como simples acaso e o espiritual como mera metáfora e simbolismo do sagrado. Todavia, uma teologia que se abstivesse de abordar tais temas trairia sua própria vocação.


A tarefa da teologia é precisamente falar de Deus e de tudo o que se relaciona à sua ação criadora e salvífica, abrangendo também as criaturas espirituais que participam da economia divina. Negligenciar o tema dos anjos seria amputar uma dimensão essencial da experiência espiritual humana, que atravessa toda a história da revelação, desde as páginas iniciais da Escritura, onde os anjos aparecem como mensageiros de Deus, até a vida dos santos, que testemunham a contínua presença e ação dos espíritos celestes.


Mas, afinal, o que são os anjos da guarda? Qual sua função e sua relevância para a vida humana e espiritual? Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (I, q. 113), oferece uma das reflexões mais lúcidas e sistemáticas sobre a guarda dos anjos, unindo fé e razão numa visão metafísica e teológica de admirável profundidade.


Segundo o Doutor Angélico, os anjos são ministros da Providência Divina e instrumentos da ação de Deus no governo das criaturas. Por natureza, o ser humano é racional e livre, mas também vulnerável e sujeito ao erro. Suas paixões enfraquecem a vontade e seu discernimento pode falhar diante das circunstâncias complexas da vida. Por isso, afirma Tomás, a sabedoria divina quis que cada pessoa tivesse um anjo que a guiasse, inspirasse e defendesse, ajudando-a a caminhar no bem e a perseverar na graça.


O ser humano, diz Santo Tomás, é guardado por Deus de maneira interior, pela infusão da graça e das virtudes. E, exteriormente, é instruído e protegido pelos anjos, que atuam como mediadores da Providência Divina. Deus é o guarda supremo; os anjos são seus cooperadores, iluminando a mente humana e movendo-a suavemente para o bem, sem jamais violentar sua liberdade.


Com base na tradição patrística, especialmente em São Jerônimo, Santo Tomás afirma que cada pessoa possui um anjo da guarda, delegado por Deus para protegê-la desde o nascimento. Esse anjo acompanha a pessoa durante toda a vida terrena, mesmo quando ela não está consciente dessa presença. Sua missão não é apenas afastar perigos ou tentações, mas, sobretudo, favorecer a salvação, despertando o coração humano para o bem e para Deus.


A presença dos anjos, portanto, manifesta a delicadeza e a proximidade da Providência Divina. Eles não substituem a ação de Deus nem anulam a liberdade humana, mas a sustentam discretamente. Mesmo quando o homem cai, o anjo não o abandona; permanece fiel, respeitando o desígnio de Deus e esperando o momento da conversão.

Refletir sobre os anjos da guarda em meio a um mundo secularizado é redescobrir o sentido do divino e do transcendente. É recordar que a realidade é muito mais ampla do que aquilo que se pode medir ou provar, e que a história humana é constantemente atravessada pela presença silenciosa do mistério. A doutrina angélica, longe de ser uma relíquia do passado, recorda que o amor de Deus não é abstrato, mas concreto, pessoal e cada vida é acompanhada, amparada e guardada por um mensageiro de luz.


Falar dos anjos é, em última análise, afirmar a esperança. É reconhecer que, mesmo em meio às trevas da descrença e da indiferença, Deus continua cuidando de cada pessoa com ternura, confiando-lhe um companheiro espiritual que vela por ela até o encontro definitivo com o Criador.

 

 
 
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