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ARTIGO - “Simão, filho de João, tu me amas?”


Por Pe. Paulo Henrique da Silva Diretor de estudos do Seminário de São Pedro


Nessa pergunta de Jesus estão incluídas muitas outras que podem dar o significado do nosso ser discípulos e discípulas. “Tu me amas?” pode ser também: “Tu crês em mim?”, “Tu esperas em mim?”. E assim, também a resposta de Pedro vai na mesma direção. Que Pedro diga: “Senhor tu sabes tudo, tu sabes que te amo”, também pode ser “Tu sabes que eu creio em ti”, “Tu sabes que espero em ti”. Nesse trecho do Evangelho segundo São João, encontramos uma construção teológica formidável. Na língua grega há três formas de dizer “eu te amo”. São elas: “ágape”, “eros” e “filia”. “Ágape” é o amor total, entrega desinteressada, é amor que se dá sem esperar nada em troca. Podemos ver “ágape” no amor de uma mãe pelo seu filhinho, ou nos enamorados sinceros, porém, é o amor do mesmo Deus que ama profundamente o ser humano, sendo Ele o mesmo amor. “Eros” é o amor que se dá na entrega carnal, que embora possa haver intensidade de espírito, é amor da entrega carnal mútua, da satisfação que envolve o êxtase-prazer gozoso do dar porque recebe. “Filia” é o amor que se dá na satisfação por algo ou por alguma coisa presente no outro, como a amizade. Pode haver êxtase no amor “filia”, porém nem sempre como “eros”, e nem sempre resiste à exigência da “ágape”. Em português “filia” poderia ser traduzido como “gostar”: “eu gosto de ti”, já “eros” seria traduzido como “eu te desejo ardentemente”, enquanto que “ágape” poderia ser traduzido como: “eu te amo profundamente, com todas as minhas forças, com toda a minha alma, plenamente”. Não há nenhuma contradição entre essas três formas. E pode ser que elas se entrelacem nas mesmas relações humanas.


Dito isso, podemos ver em Jo 21 as duas formas - “ágape” e “filia” presentes no diálogo de Jesus com Pedro. A primeira vez que Jesus pergunta: “Simão, filho de João, tu me amas?”, o texto coloca “ágape”, como se Jesus perguntasse: “Tu me amas de forma plena, total, desinteressada?” A reposta de Pedro, inesperadamente, é: “Sim, Senhor, tu sabes que eu gosto, que tenho apreço por ti”. Na segunda vez, novamente Jesus pergunta usando “ágape” e Pedro responde da mesma forma. Porém, na terceira vez Jesus já não usa “ágape”, mas “filia” como se rendesse ao amor que Pedro lhe pode dar: “Simão, filho de João, tu gostas de mim, tens apreço por mim?”. E Pedro responde, novamente com “filia”, no entanto, ele diz algo que dá o sentido teológico no qual podemos sustentar a interpretação a seguir: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que gosto de ti”. Por que Jesus muda da forma de “ágape”, para a forma de “filia” que Pedro usa? Poderia, na intenção do autor do quarto Evangelho, apenas uma liberdade de uso linguístico à sua disposição? Ou, o que podemos sustentar, com mais potência teológica, não estaria Jesus mostrando que Ele aceita o amor de Pedro assim como ele pode oferecer e depois ser transformado em “ágape”, amor que o Mestre espera do seu discípulo? Dois momentos ajudam a responder que sim. Primeiro, no ambiente da ceia, em Jo 13,37-38, depois que Jesus falou que para onde ele iria, os apóstolos não poderiam ir, e para Pedro diz que ele não poderia seguir agora, só mais tarde, Pedro promete que daria a vida por ele, Jesus prediz a negação do discípulo que ele chamou de “Kefas”, isto é, “rocha”, “pedra”. Se Jesus tivesse perguntado a Pedro, antes da negação, se ele o amava, com certeza a resposta seria “Senhor, tu sabes que eu te amo profundamente, plenamente”, porém, depois da negação, Pedro está marcado pela dor da covardia, da infidelidade. Mas, Jesus, durante a Ceia, tinha prometido a Pedro: “tu me seguiras mais tarde”, e lhe garantiu, também durante a Ceia: “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos” (Lc 22,31-32).


O amor que Jesus exige é o amor total, como é seu amor por nós, que se entregou à morte para nos salvar. Mas, Ele aceita o nosso amor como ele é, para transformar. Ele não rejeita a nossa fragilidade, Ele nos assume para nos carregar em seus ombros e assim, conduzir-nos ao amor perfeito. Isso se desprende com o sentido do que Jesus diz depois, no versículo 18: “Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu te cingias e ias para onde querias. Quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres ir". E no versículo seguinte o próprio evangelista dá essa interpretação: “Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a Deus.  E acrescentou: ‘Segue-me’".

 
 
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