Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório - Natal-RN
A América Latina sempre recebeu os sobejos culturais do Velho Mundo e das diretivas capitalistas da América, como eles se autointitulam. No contemporâneo, os elementos constitutivos da nossa identidade têm sido colocados em liquidez com pela força – ainda mais determinante – das mídias sociais. Somos consumidores passivos de tudo o que é bom de fora. A nossa autoestima, enquanto povo e países do sul americano, é sempre mordiscada e subjugada com muita rapidez. O pior! Para os que estão em situações de poder, falar dos avanços dos ‘países civilizados’ parece ser um grande feito assumido só, e somente só, pelas mentes iluminadas e praticado pelas massas que estão nas periferias da história. Como é peculiar ao nosso desenvolvimento civilizacional, continuamos com as nossas ‘síndromes e complexos de inferioridade’, que nos colocam em situação de passividade e subserviência das potências econômicas mundiais, que se arvoram defensoras dos valores que devem ser seguidos por todos os povos. Essa relação do ‘senhor e escravo’ (cf. F. Hegel) entra também, não só na forma como estes países querem relacionar-se com os nossos, mas também como muitas vezes as nossas instituições querem apresentar as suas imposições no trato com as nossas vontades enquanto povo. O que tivemos como tratativa acerca da liberalização do uso da maconha em pequeno porte e a maneira de ser tratada a temática do aborto, com a ideia de que nos ‘países civilizados’ esses temas já foram avançados, é uma forma patente de mentalidade de colonizados. Porque lá foi aprovado, aqui também tem que ser.
A nossa história colonial teve essa marca da imposição dos paradigmas antropológicos e culturais do velho mundo. Ainda em nossos dias, o olhar dos que estão na Europa é pensar-nos com indiferença, desprezo e preconceito. Recordo muito bem, quando estudante por lá, a concepção de que o Brasil era pensado só a partir do samba e do futebol. Há um olhar superficial e desprovido de conhecimento da realidade. Sem dúvida, muito do que é concebido dar a entender de que continuamos a ser mais uma ‘colônia’, como tantas outras que foram exploradas e escravizadas. As mesmas que foram surrupiadas para fazer dos colonizadores nações ricas e potentes, que, em nossos dias, renegam a presença de imigrantes oriundos daquelas antigas colônias. Com frequência, é noticiado e testemunhado o que acontece com quem está nestes países em busca de trabalho e melhores condições de vida. A presença dos que vêm destes países de terceiro e quarto mundo, normalmente, é incomoda. Os nossos costumes não são reconhecidos. Nunca foram. O imperialismo cultural dizimou não só as vidas dos nativos e silvícolas, como também o seu patrimônio identitário. Em nossos dias o interesse volta-se para o controle das riquezas naturais da Amazônia. Todos acreditam que a mesma seja um bem universal, e sem dúvida, o é; contudo, poucos querem fazer os investimentos necessários para que ele beneficie a todos com sustentabilidade. A exploração dos países africanos está esgotada. Essas potências precisam de outras frentes de exploração. As reais intenções vêm à tona com frequência, quando o objeto das discussões é a floresta.
Quando nos colocamos na situação da nova ordem sistêmica, que nos capacita para a leitura dos sinais dos tempos, vale trazer à nossa reflexão a expressão cunhada pelos pensadores da ‘Dialética do Esclarecimento’, a saber: “A Industria Cultural” (cf. Adorno e Horkheimer, pág. 99-138). Estes autores traduzem e fazem uma crítica ao modo como os vários canais de cultura foram sendo utilizados para a coisificação das massas, especialmente naquele contexto antes, durante e no pós-guerra. Os paradigmas são diferentes, como suas intenções; todavia, a sua hermenêutica pode nos servir para compreendermos a narrativa usada pelo nosso pontífice ao falar de “colonialismo ideológico” (cf. PP Francisco, “meditações matutinas”, 21/11/2017)). Por meio deste, as potências econômicas e suas instituições, com suas macros e ‘microfísicas do poder’ (cf. M. Foucault), impõem os seus interesses e valores, que visam sempre à dominação dos que estão em condições de massas. Estas tornam-se objetos, e não sujeitos da sua história enquanto pessoas. Perdem a autonomia e, assim como na época pré-moderna, tornam-se dependentes inconscientes da heteronomia. Os aparelhos e entidades mudam, mas o fim continua a ser de relação entre o ‘senhor e o escravo’. Nas muitas falas emitidas pelos que vestem a ‘capa’ dos iluminados e substitutos de ‘deus’, essa abordagem é patente e o que fica claro é a tomada de lugar, que não é mais teológico, e sim antropológico. O ‘homem deus’ é o fim a ser perseguido na compreensão da cultura pós-teísta e desencantada do transcendente.
Enfim, com a ideia de imperialismo cultural – Bento XVI – ou colonialismo ideológico – Francisco – temos a engenharia descritiva para nos inserirmos e compreendermos como a nossa mentalidade ainda é um ‘sobejo’ dos países de primeiro mundo que nos impõem suas formas de ser e agir, fazendo com que percamos muitos dos elementos que configuram as nossas subjetividades e identidades culturais enquanto povo. Essa soberania não deve ser renegada por nós, sujeitos eclesiais e sociais. Estilos de vida comprometidos com racionalidades que dão consistência à nossa história não podem cair na amnésia ao assumir projetos de alienação e morte. A Europa, desde o pós-guerra luta para continuar a dizer quem ela foi. Por aqui, ainda precisamos dizer quem deveras somos. Assim o seja!