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Deus, o amigo da vida


Dom Jaime Vieira Rocha Arcebispo de Natal

Eu sei que o meu redentor está vivo e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus (Jó 19,25.26)

Prezados leitores/as!

Na próxima quarta-feira, 2 de novembro, a Igreja elevará sua súplica por todos os falecidos. É uma celebração em estreita relação com o dia de Todos os Santos: celebramos os santos, realidade à qual Deus nos chama quando nos cria, lembramos os fiéis defuntos: “chamados para a outra na vossa amizade” e “aos marcados com o sinal da fé, abrindo vossos braços, acolhei-os, que sejam bem felizes no Reino que para todos preparastes”!

A Igreja celebra, não a morte, mas a vitória sobre a morte, advinda de Cristo crucificado-ressuscitado que, com o dom do seu Espírito, vivifica a todos, levando para junto dele os que nele creem: “Vou preparar um lugar para vós. E depois que eu tiver ido e preparado um lugar para vós, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também” (Jo 14,3). Aqui está o sentido da celebração do Dia de Finados. Não é um dia de tristeza, não é um dia que nos coloca no vale dos esquecidos, mas uma comemoração de fé, uma liturgia da esperança.

É bem verdade, caros amigos, a morte nos amedronta. De tantas realidades que tememos, talvez, seja a morte aquela que, se estivesse em nosso poder, a eliminaríamos do nosso meio. E sobre ela, muito já se falou, filósofos a colocaram na condição do ser, como Heidegger que afirmava que o homem é o ser para a morte, poetas e literatas já cantaram a sua trágica realidade. Mas, como crentes em Deus e ouvintes da Palavra da Revelação, somos convidados a reconhecer e assumir o sentido teológico da morte, ou ver a morte com os olhos da fé.

No Catecismo da Igreja Católica encontramos três aspectos que definem o olhar da fé sobre a experiência da morte: a morte como termo da vida terrena, a morte como consequência do pecado, a morte transformada por Cristo. Não é necessário explicar aqui o primeiro significado, embora, sua compreensão correta ajude a entender o segundo de forma coerente com a fé revelada. Deus não quer a morte de ninguém. Essa é uma expressão presente no Antigo Testamento. Mas, não podemos pensar como seria a vida humana se, na ausência do pecado, não existisse a morte como termo da vida terrena, isto é, não podemos sustentar que, se não tivesse acontecido o pecado original, o homem não morreria, viveria para sempre aqui. Isso não é assim. Porém, a morte como consequência do pecado, além de conduzir a um significado de separação da relação com Deus ou conflito na comunhão à qual fomos chamados ao sermos criados, faz-nos pensar, embora não tenhamos como explanar isso, que não viveríamos esse fim da existência como experiência dolorosa, cheia de angústia e tristeza. O fato é que, após a vinda de Cristo, sua vida, morte e ressurreição, compreendemos o sentido da vida. Morreremos todos, mas todos nos encontraremos na plenitude da vida. A nossa esperança é de que todos vivam, para sempre, na contemplação da face de Deus, o que se dará através da Humanidade glorificada do Verbo divino, aquele que se fez carne, foi crucificado, morto e ressuscitado.

Disso resulta a necessidade de nossa oração: ela não invalida a história, mas nos abre à verdadeira compreensão do plano de Deus: fomos feitos para a vida, pois Deus é o amigo da vida (cf. Sb 11,26), pois Ele ama tudo o que existe e não despreza nada do criou, porque, se odiasse alguma coisa, não a teria criado (cf. Sb 11,24).

Celebremos o dia de Finados. Que o nosso sentimento de saudade seja consolado pela fé naquele que nos espera, naquele que já vive com os que partiram desta vida, e que, por estarem em Deus e com Deus, continuam a olhar para nós, continuam a nos amar, continuam a rezar e interceder por nós, para que também nós sejamos amigos da vida.

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