Pe. Paulo Henrique da Silva
Diretor de estudos do Seminário de São Pedro
Introdução – o texto de Atos dos Apóstolos nos dá um retrato de como era a comunidade cristã primitiva. O relato é colocado depois da indicação de Pedro para os neo-convertidos que, ouvindo o discurso do apóstolo, abraçaram a fé em Cristo e foram acrescentados ao grupo dos discípulos.
1. LER
O texto se insere após o discurso de Pedro. Esse discurso é visto como anúncio ou querigma (At 2, 14-36), discurso que Pedro faz logo após o Pentecostes. O querigma ou anúncio é a síntese da fé (At 2, 22-24). Nele está contido o ensinamento dos Apóstolos: “Jesus de Nazaré, homem acreditado por Deus, realizou milagres, prodígios e sinais. Deus determinou que fosse entregue pelas mãos dos ímpios, foi morto pregado na cruz. Deus o ressuscitou”.
Lemos este texto como retrato da comunidade cristã primitiva, como explicitação da resposta de Pedro aos convertidos após o seu discurso. “Irmãos, o que devemos fazer? (At 2, 37c). Aqueles que se deixam conduzir pela resposta de Pedro vivem assim ou vivem aceitando o querigma. Conversão, batismo e dom do Espírito conduzem os seguidores de Jesus a viver como o texto apresenta (At 2, 38).
A vivência da Igreja: ensinamento dos Apóstolos, comunhão fraterna, fração do pão (Eucaristia) e oração. A comunidade é apresentada como a que persevera nesses elementos, por eles é unida e vivem tudo com alegria e simplicidade.
2. MEDITAR A PALAVRA
A primeira atitude da comunidade é a perseverança: “Eles eram perseverantes...”. Santo Tomás de Aquino diz: “A perseverança é dom de Deus, isto é, depende somente da moção divina. Aqueles a quem Deus dá o benefício dessa perseverança a recebem gratuitamente (S. Th I-II, q. 114, a. 9 resp.). Não é a perseverança em qualquer coisa, se bem que será sempre necessária, mas estejamos atentos: eles eram perseverantes em ouvir. São Paulo nos diz: “A fé depende, portanto, da pregação, e a pregação é o anúncio da palavra de Cristo” (Rm 10, 17). Então, ouvir a pregação ou ouvir o ensinamento dos Apóstolos.
E qual é o ensinamento? Alguém, não alguma coisa. O ensinamento dos Apóstolos é: JESUS DE NAZARÉ, sua pessoa, sua vida, sua paixão, morte e ressurreição. Como diz São Paulo: a pregação vem pela palavra de Cristo. Perseverar em ouvir a Palavra de Cristo. Ele é a Palavra.
Perseverantes na comunhão fraterna. Jesus de Nazaré trouxe uma nova realidade. Criou com a sua vida uma comunidade de apóstolos (os 12 lembram as 12 tribos de Israel). Os 12 Apóstolos, acompanhados dos discípulos, formam a grande assembleia de irmãos e irmãs. Vejamos que o NT nos coloca diante de números grandes que nos mostram que existe uma comunidade unida por um evento ou por Alguém: Jo 6, 1-13 – os cinco pães alimentaram cinco mil homens; Jo 21, 4-11 – a pesca depois da Ressurreição com 153 grandes peixes; At 2, 41 – três mil pessoas são acrescentadas ao grupo dos discípulos; 1Cor 15, 3-8 – Ele (o Ressuscitado) apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez. A comunhão fraterna é uma consequência do anúncio. Quem cria a comunidade é o Cristo crucificado e ressuscitado, que viveu o amor e pediu que seus seguidores vivessem o amor.
Perseverantes na fração do pão. Essa era a expressão para indicar a Eucaristia. Fração, cortar, partir para partilhar. Quem é o pão? Jo 6, 35ss: “Disse Jesus: — Eu sou o pão da vida”. A Igreja, comunidade fraterna, vive da Eucaristia. O ensinamento dos Apóstolos conduz a ela: 1Cor 11, 23 – “Eu recebi...o que também vos transmiti”. O que São Paulo transmite? A celebração da ceia eucarística.
Perseverantes nas orações. Os judeus se reuniam para rezar. Eles iam diversas vezes ao Templo. As diversas horas do dia consagravam à oração. Vejamos: At 3, 1 – Pedro e João estavam subindo ao templo para a oração das três da tarde; At 10, 9 – ao meio-dia Pedro subiu ao terraço para orar. A Igreja conservou esta prática. Nos mosteiros, conventos e seminários se faz a oração das horas. Os presbíteros e diáconos devem rezar a Liturgia das Horas: Oficio das Leituras, Laudes, Oração das Nove horas, Oração das Doze horas, Oração das Quinze horas, Vésperas e Completas (um pouco parecido com as partes do Ofício de Nossa Senhora). Os cristãos ainda devem fazer a oração pessoal. Ela é o pensamento voltado para Deus, nas circunstâncias da vida de cada um. Por fim, existe a prática da Lectio divina ou leitura orante da Palavra. Ela pode ser feita individual ou comunitariamente. Como é feita? A partir de um texto previamente escolhido se faz a leitura (LECTIO), depois a meditação (MEDITATIO), daí se passa à oração (ORATIO) e por fim chega-se à contemplação da presença de Deus na nossa vida (CONTEMPLATIO). Da Palavra lida, meditada, rezada se passa para a contemplação, que nos leva à ação em nome de Deus.
A perseverança nesses elementos essenciais levava os seguidores de Jesus a viver o temor, a ver prodígios e sinais (como Jesus de Nazaré: “Jesus de Nazaré foi um homem que Deus confirmou entre vocês, realizando por meio dele os milagres, prodígios e sinais que vocês bem conhecem” – At 2, 22). Ver o texto de Jo 14, 12: “Eu garanto a vocês: quem acredita em mim, fará as obras que eu faço, e fará maiores do que estas, porque eu vou para o Pai”. Eles vivam unidos, porque abraçaram a fé, tinham tudo em comum, repartiam seus bens com os necessitados. E tudo acontecia com alegria e simplicidade de coração.
3. A PALAVRA ILUMINA A NOSSA VIDA
Vivemos a experiência da fé nesses elementos essenciais. Ensinamento, comunhão, Eucaristia, oração. A Igreja do Brasil já nos exortou a que toda nossa ação pastoral seja alicerçada nas exigências que são intrínsecas à Evangelização: serviço – diálogo – anúncio – testemunho de comunhão. O próprio Catecismo da Igreja Católica segue, na sua estrutura, esses elementos: 1ª Parte: A Fé professada (o Credo), 2ª Parte: A Fé celebrada (a Liturgia, os Sacramentos), 3ª Parte: A Fé vivida (os Mandamentos, instrumento de comunhão fraterna), 4ª Parte: A Fé como relação (a Oração do Senhor, a oração como sinal de relação viva com Deus). Na Palavra que lemos e meditamos encontramos um retrato do que a Igreja pede. Alicercemos a nossa vida na Igreja a partir desses elementos!
Viver perseverantes nesses elementos nos leva a viver unidos como irmãos e irmãs. Eis o que a Palavra quer de nós. É o que a Palavra nos dá. Portanto, somos chamados a viver a nossa experiência de fé como irmãos e irmãos, não como competidores, como se tudo dependesse de nós, das nossas ações ou capacidade. Lembremo-nos: o anúncio é JESUS.
Porque é Jesus que nos convoca, nos reúne, então ele nos dá alegria, nos ensina que é preciso ser simples, humildes: “ Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas” (Mt 11, 29).
Todos nós, bispo, padres, diáconos, leigos engajados, somos chamados a viver como a comunidade primitiva. Temos os mesmos elementos. Esse é o caminho. A Palavra nos ilumina.