ARTIGO - O que os dados censitários de 2022 falam à Igreja Católica do Rio Grande do Norte?
- pascom9
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Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal
O recente Censo Demográfico de 2022 nos oferece um retrato detalhado e interpelador da configuração religiosa do Brasil e, em particular, do Estado do Rio Grande do Norte. Longe de nos desanimar, esses dados devem ser lidos à luz da fé, com realismo pastoral e esperança evangélica. Eles indicam uma mudança importante no panorama religioso nacional e estadual, ao mesmo tempo em que reforçam aspectos centrais da identidade do povo brasileiro: a religiosidade, o senso de transcendência e a busca por Deus permanecem marcadamente presentes.
O Brasil continua sendo um país profundamente religioso. Quase 91% da população brasileira declarou ter alguma forma de vinculação religiosa. Mesmo entre os que se dizem "sem religião" (9,28% da população) há muitos que creem em Deus e vivenciam práticas espirituais fora do contexto institucional. Esse grupo, por vezes denominado “desigrejado”, não pode ser simplesmente identificado com o ateísmo, que representa uma fração ínfima da população.
No Rio Grande do Norte, a proporção de pessoas sem religião é ainda menor (7,42%), o que demonstra que, mesmo com mudanças de pertencimento, a experiência religiosa continua sendo uma dimensão fundamental da identidade do povo potiguar.
O Brasil é, ainda, um país majoritariamente católico. Os dados apontam que 56,7% da população brasileira se declara católica, enquanto no Rio Grande do Norte esse percentual é mais elevado: 67,01%, o quinto maior do país. Contudo, os números indicam uma tendência clara de declínio. Em 2000, os católicos potiguares eram 83,58%; em 2010, 75,96%; e em 2022, caíram para 67,01%, uma redução de quase 9 pontos percentuais na última década.
A cidade de Natal ilustra com clareza essa transformação. A capital da nossa Arquidiocese, que em 2000 era majoritariamente católica (mais de 83%), apresenta hoje apenas 58,63% de católicos. Já em municípios como Baía Formosa, os evangélicos já ultrapassam os 34%.
O crescimento das igrejas evangélicas, que começou de forma mais intensa nas décadas anteriores, segue avançando, embora com desaceleração. No Brasil, os evangélicos passaram de 21,6% em 2010 para 26,9% em 2022. No Rio Grande do Norte, passaram de 15,4% (2010) para 21,42% (2022). Entretanto, o crescimento foi menor que o observado na década anterior. Esse novo ritmo pode estar relacionado, como apontam alguns estudos, ao desgaste provocado pela excessiva politização de segmentos evangélicos e à busca, por parte de fiéis, de comunidades mais acolhedoras, menos polarizadas e mais centradas na espiritualidade.
Considerando a variável da idade, verifica-se que a maioria dos católicos está nas faixas mais avançadas, enquanto os evangélicos predominam entre os mais jovens. É também nas áreas urbanas e nas regiões marcadas por maior mobilidade social e fluxo turístico — como Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Baía Formosa — que o catolicismo tem perdido mais espaço. Esses sinais evidenciam a necessidade urgente de uma pastoral urbana, missionária e criativa. É imprescindível uma Igreja mais próxima, que escute, acolha e dialogue com as novas gerações e com aqueles que vivem nas periferias geográficas e existenciais.
O perfil dos católicos potiguares revela uma predominância de adultos entre 30 e 59 anos, com níveis de escolaridade e acesso à internet inferiores à média nacional. Mais da metade reside em domicílio próprio (52,1%), o que favorece uma atuação pastoral territorializada. No entanto, persistem bolsões de exclusão digital e educacional que exigem ações sociais mais incisivas por parte da Igreja e reforçam a urgência da implementação do pacto pela educação.
Ao mesmo tempo, observa-se que entre os mais escolarizados (ensino superior), a adesão ao catolicismo permanece relevante. Isso aponta para a urgência de uma pastoral centrada na Palavra de Deus, que nutra o pensamento crítico, a maturidade da fé e o entusiasmo apostólico.
O Sínodo Arquidiocesano de Natal, atualmente em curso, se apresenta como resposta concreta a essa realidade desafiadora. A missão da Igreja não é competir, mas compreender e cuidar dos que professam a fé católica. É escutar as vozes do povo, também daqueles que não estão mais em nossas igrejas, e deixar-se interpelar pelo Espírito que sopra onde quer.
A resposta aos dados censitários deve vir por meio de uma renovada conversão pastoral: formação sólida dos ministros ordenados e leigos; aposta na juventude; presença corajosa nos meios digitais; valorização das iniciativas e experiências comunitárias; cultivo da espiritualidade e do testemunho de vida. A nossa pastoral precisa ser mais missionária, mais próxima, mais personalizada, que escute, que toque e inflame o coração das pessoas.
Em um país plural, é essencial promover o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. A pluralidade religiosa é uma riqueza, mas requer respeito mútuo. A Igreja deve ser sinal de unidade, não de divisão. Precisamos rejeitar as polarizações religiosas e ideológicas e reafirmar o centro da nossa fé: o anúncio do Reino de Deus e o seguimento de Jesus Cristo.
Os dados do Censo 2022 não são apenas estatísticas: são rostos, histórias, movimentos espirituais. Interpelam-nos a reencantar a fé, reacender o ardor missionário e renovar a presença da Igreja nas casas, nos corações e nos caminhos do povo potiguar. Como discípulos missionários, somos chamados a semear com confiança, escutar com humildade e anunciar com alegria. O tempo é de esperança, conversão e ação!