ARTIGO - O pior pode estar por vir
- pascom9
- há 22 horas
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Diác. Paulo Felizola
Paróquia de Nossa Senhora do Ó – Nísia Floresta
“Na luta entre o mar e rochedo, quem sofre é marisco”. Esse ditado popular, muito conhecido pelos brasileiros, traduz muito bem o que está acontecendo com o Brasil no contexto da disputa geopolítica entre os Estados Unido e a China[i]. Para tentar fragilizar a China na mesa de negociações, os USA têm buscado desestabilizar os BRICS e nessa busca o Brasil é um alvo muito importante, principalmente pelo papel de liderança que desempenha na América Latina, historicamente, tida como quintal norte americano. Enfraquecer o Brasil, econômica e politicamente é fundamental para consolidação norte americana na região e o consequente isolamento em relação aos interesses chineses. Portanto, os últimos ataques do Estados Unidos ao Brasil (tarifaços, alegações de ilegalidades no sistema de pagamentos – o caso do PIX, denúncias de práticas comerciais ilegais ...) não são apenas ingerências no sistema jurídico brasileiro, mas parte do jogo geopolítico que visa traçar um novo mapa da governança mundial, apesar de terem sido justificadas como interesses estratégicos à proteção do dólar como moeda global ou à resposta a políticas consideradas adversas por Washington.
Apesar da reação diplomática brasileira a esses ataques terem sido conduzida pelo princípio da negociação e, por isso, ter obtido um relativo sucesso, não afastou possíveis novos ataques com potenciais muito mais devastadores para a economia, para as finanças e para a sociedade brasileira. Entre essas medidas, que podem ser adotadas pelos Estados Unidos, destacam-se o congelamento de nossas reservas cambiais[ii], que hoje somam US$ 362 bi e a exclusão do Brasil do sistema SWIFT.
O congelamento de divisas cambiais consiste na restrição ou bloqueio do acesso de um país a seus ativos financeiros mantidos no exterior, geralmente em moedas estrangeiras como dólar, euro ou libra. Trata-se de uma medida coercitiva utilizada por governos ou blocos econômicos para pressionar países em desacordo com interesses internacionais. Historicamente, como exemplos emblemáticos, temos o congelamento dos ativos russos após a anexação da Crimeia em 2014 e as sanções impostas ao Irã e Venezuela, que afetaram diretamente suas reservas internacionais e as respectivas capacidade de realizar transações globais[iii].
O SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é o principal sistema global de comunicação entre bancos e instituições financeiras, permitindo o envio seguro de mensagens para transferências internacionais de recursos. A participação no SWIFT é fundamental para o comércio exterior, investimentos e operações bancárias transfronteiriças. Para o Brasil, o acesso irrestrito ao SWIFT garante a fluidez das transações comerciais, o recebimento de pagamentos de exportações e a gestão das reservas internacionais.
O impacto de tais medidas, portanto, seria profundo e imediato. No comércio exterior, empresas brasileiras enfrentariam barreiras para receber pagamentos de exportações e realizar importações, afetando cadeias produtivas e a balança comercial. As reservas internacionais ficariam indisponíveis, comprometendo a capacidade do Banco Central de intervir no mercado de câmbio e estabilizar o real. Bancos e instituições financeiras veriam suas operações internacionais paralisadas, elevando o risco sistêmico e a volatilidade dos mercados. O caos estaria instalado. As empresas brasileiras enfrentariam obstáculos críticos para importar combustíveis, fertilizantes, peças industriais e até alimentos básicos, levando à interrupção de cadeias produtivas, escassez e forte pressão inflacionária. Assim sendo, e como sempre, os mais afetados seriam os mais pobres. Famílias veriam seu poder de compra evaporar. A desigualdade social aumentaria, revertendo décadas de avanços conquistados a duras penas.
Diante desse cenário, o Brasil poderia adotar estratégias de mitigação, como a diversificação das reservas para moedas e bancos fora da influência dos EUA, o fortalecimento de sistemas alternativos ao SWIFT (como o CIPS, da China), e o aprofundamento de parcerias bilaterais e multilaterais com países não alinhados às sanções. Internamente, políticas de reforço à liquidez, estímulo à desdolarização e desenvolvimento de sistemas próprios de pagamentos internacionais seriam essenciais para reduzir a dependência de infraestrutura estrangeira.
Como podemos ver, o congelamento das divisas cambiais e a exclusão do Brasil do sistema SWIFT representam ameaças reais devastadoras, em um contexto de crescente instabilidade internacional decorrente de um novo arranjo geopolítico. No entanto, também, é preciso que seja dito que, embora os impactos dessas medidas possam ser severos, há oportunidades para o Brasil fortalecer sua autonomia financeira e buscar alternativas estratégicas. Para tal é necessário a compreensão dos riscos e a preparação adequada fundamentais para mitigar as consequências e aproveitar possíveis brechas para inovação e cooperação global.
[i] Já ficou muito claro que estamos vivendo, no momento, uma nova “Conferência de Yalta, que foi realizada de 4 a 11 de fevereiro de 1945, momento em que os líderes das principais potências aliadas durante a Segunda Guerra Mundial: Franklin D. Roosevelt (Estados Unidos), Winston Churchill (Reino Unido) e Joseph Stalin (União Soviética), discutiram e planejaram a reorganização da Europa após a derrota da Alemanha nazista, além de tratarem de outros assuntos importantes relacionados ao pós-guerra
[ii] As reservas internacionais, ou reservas cambiais, são os ativos do Brasil em moeda estrangeira e funcionam como uma espécie de seguro para o país fazer frente às suas obrigações no exterior e a choques de natureza externa, tais como crises cambiais e interrupções nos fluxos de capital para o país.
[iii] O congelamento de divisas, por sua vez, depende da localização dos ativos brasileiros — caso estejam em bancos estrangeiros sob jurisdição dos EUA ou aliados, podem ser bloqueados por ordem judicial ou executiva.