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ARTIGO - O papel do professor no "De Magistro" de Santo Agostinho

  • pascom9
  • há 57 minutos
  • 3 min de leitura


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Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal

 

Nos capítulos XII a XIV do De Magistro, Santo Agostinho apresenta uma reflexão profunda sobre a educação e o processo de ensino-aprendizagem. Em sua argumentação, afirma que as palavras não ensinam propriamente, elas são apenas sinais externos que atingem os ouvidos, mas não comunicam a verdade em si. No caso das realidades sensíveis, as palavras podem remeter a experiências já vividas ou a imagens guardadas na memória, mas não transmitem a coisa mesma. Quando se trata das realidades inteligíveis, acessíveis pela razão, isso se torna ainda mais evidente: o aprendizado não se dá pela palavra, mas pela luz interior da verdade, que ilumina o intelecto e é concedida por Deus. Assim, a função da palavra no processo educativo é lembrar, exortar, provocar e conduzir, mas não transmitir diretamente a verdade.


Se as palavras não ensinam propriamente e o educando só aprende quando Deus lhe manifesta interiormente a verdade, qual seria, então, a necessidade do professor? Agostinho recorre ainda às palavras de Cristo: “A ninguém chameis mestre sobre a terra, porque um só é o vosso Mestre, o Cristo” (Mt 23,8-10). Se o professor não é o verdadeiro mestre — pois o único Mestre é Cristo, o Verbo eterno, que habita no íntimo da alma e ilumina todo ser humano (cf. Jo 1,9) —, qual é, então, o seu papel?


O professor não é inútil nem dispensável; sua função é real, ainda que de caráter instrumental e auxiliar. Compete-lhe admoestar, provocar e guiar, ajudando o aluno a abrir-se ao conhecimento, bem como dar testemunho, mostrando, pelo exemplo de vida e pela coerência, que a busca da verdade é digna de confiança. Ele não transmite a verdade como se fosse seu dono, mas orienta o educando a reconhecê-la em si mesmo, iluminado por Deus. A aprendizagem autêntica realiza-se quando, provocada pela palavra externa, a mente do discípulo consulta interiormente a verdade e a reconhece como tal. Não se trata, portanto, de uma recepção passiva de conteúdos, mas de um ato interior de iluminação. O processo é dinâmico: a palavra externa provoca, mas o aprendizado acontece somente quando o espírito contempla a verdade em sua luz. Assim, o intelecto, guiado pela razão e pela graça, percebe a verdade que já lhe é mostrada por Deus. Nesse caminho, o professor atua como mediador de sinais e palavras, despertando o aluno a voltar-se ao Mestre interior, Cristo, o único que verdadeiramente ensina, ilumina a mente e confirma interiormente a verdade.


Agostinho redefine a pedagogia. O professor é indispensável como guia, mas o verdadeiro ensino provém do Mestre interior. Em diálogo com Platão, que também valoriza a interioridade, ele se afasta da doutrina da anámnese. Enquanto Platão sustenta que aprender é recordar o que a alma já conhecia, Agostinho entende a aprendizagem como um processo em que o educando é iluminado pela verdade divina presente no íntimo da consciência. Para ele, não é a alma que recorda por si mesma, mas Deus que ilumina a inteligência; o conhecimento não é reminiscência de um estado prévio, mas fruto da ação contínua do Verbo divino que habita no interior.


Dessa forma, o De Magistro coloca a educação no horizonte de uma pedagogia da interioridade, na qual o professor é colaborador e testemunha, mas o aprendizado só se consuma quando a alma se volta para a luz de Deus, único Mestre de todos.

 

 
 
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