Por Pe. Matias Soares
Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
O tema da meditação tem por base a passagem do evangelho de São Marcos (cf. 10, 21). Sempre fico maravilhado com esta passagem em que Jesus dialoga com o homem rico, que o busca porque deseja a ‘vida eterna’. Penso ser duas questões existenciais que estão permanentemente nos anseios pelo sentido da vida de todos os seres humanos. A mentalidade moderna, muito bem representada pelos mestres da suspeita – S. Freud, K. Marx, F. Nietzsche e L. Feuerbach – em seu afã de relativização das possibilidades de Deus, não conseguiu tirar a dimensão religiosa da humanidade, que continua a ter um papel identitário imprescindível no processo civilizatório pós-moderno. O caminho do transcendente continua a ser percorrido pelas pessoas. O paradigma do religioso não foi sufocado pela tecnocracia moderna. O humano continua a ter uma subjetividade e, com ela, muitas possibilidades de escolhas, horizontes e percepções são constatadas. Essa abertura estrutural ao transcendente faz com que o religioso tenha um sentido e seja necessário ao humano.
A encíclica do Papa Francisco – Dilexit nos – encontra eco nessa busca incessante da pessoa humana pelo ‘totalmente outro’. A mística cristã e as outras manifestações religiosas do mundo entendem essa vontade humana do divino. Num mundo marcado pelas respostas imediatas aos desejos existenciais da humanidade, “é necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência” (cf. Dilexit nos, 2). A experiência religiosa também pode entrar nessa lógica mundana, com atitudes e métodos que alienam e servem como instrumento de manipulação das pessoas, abusos espirituais que oprimem, domesticam e exploram a boa-fé, principalmente a dos mais ‘pobres dos pobres’.
A religião cristã tem que ter o olhar de Jesus para aqueles que o procuram e, por isso, são olhados com amor. A carta do pontífice sobre “o amor humano e divino do coração de Jesus Cristo” é uma proposta da urgência da globalização do amor e da sua catolicidade - universalidade. Cabe aqui chamar em causa dois dos quatro princípios evocados por Francisco, a saber: “a unidade prevalece sobre o conflito e o todo é superior à parte” (cf. Evangelii Gaudium, 226-230; 234-237). Sem o amor, a humanidade torna-se refém das suas paixões e irracionalidades. Daí surgem os conflitos e polarizações de todos os tipos. O que Francisco propõe às pessoas, tratando do modo de amar de Jesus, é que todos aprendam a amar como Ele amou, pois não há maior amor do que o Daquele que doa a vida (cf. Jo 15,13). Nele, o amor encarna-se. Não é mais uma ideia. Passa a ser um estilo único e universal de amar. Dessa forma, o cristianismo passa a ser mais do que uma religião. Partindo do coração do evangelho, poderemos nos tornar capazes de passar do desejo do outro para a própria satisfação à forma divina, revelada em Jesus Cristo, de amar integralmente para integrar a humanidade na fraternidade (cf. Fratelli Tutti).
A humanidade necessita ser olhada por este amor e esse é o percurso a ser seguido por cada discípulo de Jesus Cristo. A encíclica sobre o sagrado coração de Jesus é um ensinamento sobre o amor. É uma carta que, colocada no contexto hipermoderno de relações líquidas e hiperconectadas, pode ser um guia de espiritualidade para os nossos tempos. O que é essencial ao cristianismo passa pelo reconhecimento do que é próprio do Seu coração. Quando houve o afastamento desta sensibilidade, o cristianismo foi objeto das tentativas de desconstruções, como a modernidade propôs. Por isso, esse modo de contemplar a face dos outros, com suas verdades e dignidades, é o que nos fará semelhante a Jesus Cristo, que soube olhar a todos com amor. Assim o seja!