ARTIGO - O estilo missionário
- pascom9
- 8 de out.
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Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório
Natal-RN
No décimo quarto domingo do tempo comum, tivemos uma descrição do estilo missionário que os discípulos de Jesus Cristo, a partir do evangelho de São Lucas (cf.10, 1-12.17-20), em todos os tempos, somos chamados a testemunhar. Podemos ainda complementar essa construção com a passagem bíblica dos Discípulos de Emaús (cf. 24, 13-35), que nos mostra que a conversão missionária é um processo que acontece durante a caminhada que nos leva ao reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo. O nosso desafio é fazer o processo de formação ao discipulado. Urge uma mística do seguimento à pessoa de Nosso Senhor. Temos que reconhecê-Lo como Aquele com o qual somos chamados a ter intimidade e Dele nos tornamos sequela - Sequela Christi. Sem essa experiência, não teremos ardor missionário. Não teremos paixão pela causa do Reino de Deus. O itinerário formativo e pastoral das nossas comunidades deve levar em conta essa questão. A simples manutenção do que temos é insuficiente. Estamos falhando na administração dos dons que o nosso Mestre nos confiou. Temos que mudar de mentalidade e de atitudes. Os mecanismos de mudança ainda não são acolhidos. Temos medo das novidades. Talvez não estejamos sendo dóceis ao que o Espírito Santo está a falar à nossa Igreja (cf. Ap 2,7). Tendo essas referências bíblicas podemos pontuar algumas questões imprescindíveis ao dinamismo missionário em nossas comunidades eclesiais, a saber:
1- O conteúdo da missão: É o Reino de Deus (cf. Mc 1,14-15; Mt 10, 7; Lc 10,9). Jesus nos ensina e ordena que apresentemos essa Novidade. Não podemos apresentar a nossa mensagem, com as nossas intenções e projetos pessoais. A tentação da autorreferencialidade é grande. Mas, o Mestre já nos corrigira (cf. Lc 10,20). A proclamação da palavra de Deus é a base de todo o agir missionário. A ação missionária, sustentada pelo anúncio da Palavra, nos prepara à vida sacramental e ao testemunho público da nossa fé cristã. O que falamos sobre o Reino de Deus é o coração da missão. Os desdobramentos da ação missionária nos levam à consciência da vida litúrgica e mistagogia sacramental, que, por sua, vez nos fortalece para o ser e a ação cristã no mundo. Esses elementos são as bases para que a sacramentalidade da Igreja seja testemunhal da Luz de Jesus Cristo na história (cf. Lumen Gentium, 1).
2- A metodologia missionária: Os caminhos trilhados pelos discípulos de Jesus de Nazaré não dispensam o Outro, nem a comunidade. Ele os envia dois a dois (cf. Lc 10,1). A mensagem é para “todos, todos, todos”, como nos ensinou o Papa Francisco, deixando patente que também na Igreja deve ter lugar para todos. Ele nos envia aos lugares onde estão as pessoas, principalmente nas periferias geográficas e existenciais. Ainda estamos distantes. O nosso catolicismo burguês e estrutural não chega massivamente às comunidades periféricas. Os nossos organismos formativos não estão nos recantos das nossas grandes cidades. A cultura urbana nos distrai e nos oferece todos os meios para acharmos que está tudo bem, com as nossas ‘pastorais de manutenção e sacramentalização coisificada’, de pouca mística sacramental e muitas indumentárias fantásticas. Um dos maiores desafios metodológicos que temos é sair para estar onde ninguém, fora os sem voz e sem vez, estão. Os indiferentes e tragados pela mentalidade pós-cristã da nossa Era também necessitam dessa presença evangélica, já que assim como os que estão nas periferias geográficas, eles estão nas periferias existenciais.
3- Os desafios à ação missionária: O Pontífice argentino elencou alguns problemas eclesiais que nos distanciam do autêntico significado da missão, que, por sua vez, não é proselitismo. Para Francisco, existem questões existenciais e ideológicas que precisam ser superadas pelos discípulos missionários. Segundo ele “a opção pela missionariedade do discípulo sofrerá tentações. É importante saber compreender a estratégia do espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Eis as elencadas por ele: 1) - A ideologização da mensagem evangélica: É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja. Dentro desta, ele menciona outras na América Latina:
a) O reducionismo socializante: É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até às categorizações marxistas; b) - A ideologização psicológica: Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em última análise, reduz o “encontro com Jesus Cristo” e seu sucessivo desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento; c) - A proposta gnóstica: Muito ligada à tentação anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em posições pastorais de “quaestiones disputatae”; d) - A proposta pelagiana: Aparece fundamentalmente sob a forma de restauração. Perante os males da Igreja, busca-se uma solução apenas disciplinar, na restauração de condutas e formas superadas que nem mesmo culturalmente tem capacidade de ser significativas[1].
Ainda, na sequência, o Pontífice fala de outras duas a serem consideradas: 2) - O funcionalismo: A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o “roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de “teologia da prosperidade” no aspeto organizativo da pastoral; e a 3) - O clericalismo: É também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade pecadora: o pároco clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade e de liberdade cristã em parte do laicato da América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se comprime sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas. Em nossas terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências de povo: o católico como povo[2]. Estes elementos desafiadores à ação missionária continuam atuais. São questões que devem ser enfrentadas e estudadas com profundidade; pois, estão muito arraigadas em nossas conjunturas eclesiásticas e sem uma atenção ao que tudo isso significa ao desenvolvimento da ação evangelizadora.
Quando aborda o projeto da Missão Continental, dentro desta síntese e caminhos de aplicação dos ensinamentos da V Conferência de Aparecida, Francisco trata de ‘duas dimensões’ do ‘estilo missionário’, que são complementares e precisam estar presentes em nossas intenções missionárias, a saber: 1) - A paradigmática; 2) - A programática.
1- A paradigmática: Segundo o Pontífice, essa dimensão “implica colocar em chave missionária a atividade habitual das Igrejas particulares. Em consequência disso, evidentemente, verifica-se toda uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais. A ‘mudança de estruturas’ (de caducas a novas) não é fruto de um estudo de organização do sistema funcional eclesiástico, de que resultaria uma reorganização estática, mas é consequência da dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade. Daqui a importância da missão paradigmática”. Essa transversalidade da missão será a essência da metodologia missionária e o fundamento das práticas evangelizadoras da Igreja Local. Quando falamos de paradigma, estamos a falar de um modelo que torna-se base, sustentação e linha pela qual perpassa todos os comportamentos, programações, sentimentos e metodologias da ação evangelizadora a serem aplicadas pelos sujeitos eclesiais envolvidos no processo. Por isso, aprofundar a teologia da missão para aprofundarmos a identidade missionária da Igreja Particular e o que precisa ser desenvolvido para que cheguemos a testemunhar a nossa conversão ao Estado Permanente de Missão.
2- A programática: Afirmava Francisco que “a missão programática, como o próprio nome indica, consiste na realização de atos de índole missionária. Daqui surge a emergência do ‘Plano Missionário Arquidiocesano’. Nele a estruturação das atividades e metodologias a serem aplicadas, por todos os sujeitos eclesiais que compõem a nossa Igreja Particular de Natal. Ainda temos muita dificuldade em projetar os nossos trabalhos pastorais e, ainda mais, quando a conversão missionária de todos nós exige uma dinâmica diferente; já que estamos imersos numa “época de mudanças e numa mudança de época”. O capítulo I da ‘Alegria do Evangelho’ sintetiza essa preocupação e nos oferece uma bússola para a compreensão e vivência do ‘estilo missionário’ das nossas atividades eclesiais. Os Planos Arquidiocesanos de Pastoral precisam ser organizados em chave missionária e com metodologias que deveras sejam de uma “Igreja em saída missionária”. Há a urgência de superarmos o modo operativo de pastoral de conservação. Esse é fácil e está incrustado, inclusive no ensino da teologia pastoral das casas de formação. O sacramentalismo, sem uma consistente atenção aos novos sinais dos tempos, continua a ser o carro chefe das nossas atividades. Nos falta criatividade e dinamismo missionário. Quando tratamos de programa, temos que ter presente o espírito da nossa época e os caminhos atualizados para serem canais do anúncio da “Alegria do Evangelho”.
Francisco asseverava que “tanto a paradigmática, quanto a paradigmática, exigem a consciência de uma Igreja que se organiza para servir aos batizados e também a todos os homens e mulheres de boa vontade. O discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada em uma espiritualidade intimista, mas uma pessoa em comunidade para se dar aos outros”. Desta forma, quando tratava da “conversão missionária das nossas estruturas”, o Pontífice nos interpelava a uma transformação que seja fruto do nosso encontro pessoal com Jesus Cristo, fonte e fundamento da nossa existência cristã, como discípulos missionários do nosso único Mestre e Senhor. Na mensagem para o “Dia Mundial das Missões” de dois mil e vinte cinco, estamos sendo interpelados a ser “testemunhas de esperança entre os povos”. A nossa identidade missionária, traduzida historicamente no paradigma e nas programações missionárias nas realidades eclesiais, na contemplação das periferias geográficas e existenciais, deve ser assumida com profundidade e compromisso evangélicos.
Enfim, o Papa Leão XIV, na celebração eucarística no Jubileu do mundo Missionário e dos Migrantes, nos convocou para “reavivar em nós a consciência da vocação missionária, que nasce do desejo de levar a alegria e a consolação do Evangelho a todos, especialmente a quem está a viver uma história difícil e ferida”. Citando o seu predecessor, continuou o Pontífice afirmando que “toda a Igreja é missionária e – como afirmou o Papa Francisco – é urgente que ‘saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo’” (Exort. ap. Evangelii gaudium, 23)[3]. A Igreja Particular de Natal é chamada a renovar o seu estilo missionário considerando essa densa teologia da missão que está sendo oferecida pelo autêntico magistério e suas recepções na Igreja do Brasil. Temos que avançar para águas mais profundas. O ardor missionário precisa ser o nosso DNA para que a própria experiência sinodal encontre eco e significado mais profundo em nossos corações e no nosso modo de ser uma Igreja nessa nova fase da história local e planetária. Assim o seja!
[1] Cf. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/july/documents/papa-francesco_20130728_gmg-celam-rio.html: (07/10/25).
[2] Cf. Idem.








