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ARTIGO - “Novo” Movimento de Natal - uma contestação histórica e propositiva


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Por Ir. Vilma Lúcia de Oliveira, FDC

Historiadora, Professora e da Comissão de Cultura e Educação da Arquidiocese de Natal

  

A expressão “Novo Movimento de Natal” utilizada durante o seminário sobre os desafios e possibilidades da educação no Rio Grande do Norte, realizado em 28 de agosto de 2025, merece uma reflexão cuidadosa e respeitosa. A fala do Diácono Márcio Azevedo, do Clero da Diocese de Caicó RN, foi provocativa, inspiradora e reconheço nela um legítimo entusiasmo diante da força e da beleza daquele encontro. No entanto, ao se propor essa nomenclatura, é necessário considerar o peso histórico e pastoral que carrega o Movimento de Natal original.


Esse movimento, nascido nas décadas de 1950 e 1960 sob a liderança de Dom Eugênio Sales, foi uma experiência pastoral de vanguarda, reconhecida internacionalmente. Articulou fé, educação popular, organização comunitária e justiça social. Entre suas ações mais emblemáticas, destacam-se:

- As escolas radiofônicas, que alfabetizaram milhares de potiguares 

- A criação do Serviço de Assistência Rural (SAR) e do Serviço de Assistência Urbana (SAU) 

- A formação de sindicatos rurais e lideranças populares 

- A gênese da Campanha da Fraternidade, nascida em solo natalense 

- A inserção da Igreja na Universidade Federal do RN, com atuação de presbíteros na formação acadêmica.


O Movimento de Natal não foi apenas uma iniciativa pontual. Foi um processo estruturado, com metodologia própria, enraizado na Doutrina Social da Igreja e no método “ver, julgar e agir”. Sua atuação transformou realidades e promoveu dignidade em larga escala.


Como afirma o Compêndio da Doutrina Social da Igreja: “A educação é um direito natural da pessoa humana, que deve ser garantido pela família, pela sociedade e pelo Estado, em colaboração com a Igreja, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e à sua preparação para o exercício da cidadania e do trabalho”. (cfr. números 107 e 255-258).


O Papa Francisco, ao lançar o Pacto Educativo Global, declarou: “Toda mudança precisa de uma caminhada educativa para fazer amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora. É necessário unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna”. (www.educationglobalcompact.org).


Por isso, ao se propor um “Novo Movimento de Natal”, é essencial que se faça justiça à memória e à identidade do movimento original. A iniciativa atual, centrada no Pacto Educativo Estadual e inspirada pelas propostas do Papa Francisco, é valiosa e necessária. Mas talvez mereça uma nomenclatura que reflita sua originalidade sem sobrepor ou reinterpretar o que já foi construído.

Sugestões como:

- “Aliança Educativa Potiguar”; - “Rede Paulo Freire de Educação e Fé”; - “Pacto pela Educação Popular” ...podem expressar com clareza a novidade do presente, sem comprometer a integridade histórica do Movimento de Natal.


A Igreja que está em Natal tem legitimidade moral e pastoral para liderar esse novo tempo. Mas é justamente por essa legitimidade que se faz necessário o cuidado com os símbolos, os nomes e os marcos históricos que nos constituem. Que este novo esforço seja, sim, uma continuidade profética, uma nova página escrita com as mesmas tintas da justiça, da fé encarnada e do compromisso com os mais pobres. Mas que não se apague, por entusiasmo ou inadvertência, o que já foi escrito com tanto suor, coragem e santidade.

 
 
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