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ARTIGO - A Palavra que Encanta e Encarna: O Movimento de Natal, a Mística e a Essência do Cristianismo


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Por Ir. Vilma Lúcia de Oliveira, FDC

Filha do Amor Divino, Historiadora e Professora; Coordenadora Geral do Arquivo Metropolitano da Arquidiocese de Natal, Membro da Comissão de Cultura e Educação da Arquidiocese de Natal, Coordenadora da Subcomissão de Bens Culturais da Igreja



Há palavras que não apenas dizem — fazem viver. No campo da história e da teologia, certas expressões tornam-se sacramentos da memória, revelando não só o que foi, mas o que ainda pulsa e desafia. “Movimento de Natal” é uma dessas palavras. Mais do que nomear uma experiência pastoral localizada no Rio Grande do Norte, ela projeta uma eclesiologia encarnada, uma pedagogia da esperança e uma teologia da ação. Não há, portanto, espaço para o “nominalismo fóssil”.


A expressão foi cunhada por Pe. Thiago Cloin ao descrever as ações da Arquidiocese de Natal sob a condução de Dom Eugênio Sales. Porém, o que essa palavra revela é profecia. Como diria Adolf von Harnack, “a linguagem do cristianismo não é a do dogma, mas a do espírito que se comunica” (Das Wesen des Christentums, p. 45). Para Harnack, o cristianismo não se define por fórmulas, mas pela força interior da mensagem de Jesus — palavra que toca, transforma e liberta. Isso, e algo mais, distancia-se radicalmente de qualquer “nominalismo fóssil”.


Nessa perspectiva, o Movimento de Natal não foi apenas uma estratégia pastoral. Foi uma encarnação da Palavra no chão concreto da vida potiguar. Nesse terreno, floresceu uma experiência singular: a atuação das irmãs vigárias — religiosas das Congregações das Missionárias de Jesus Crucificado, Irmãs do Coração de Maria e Filhas do Amor Divino — que assumiram a administração de paróquias como Nísia Floresta, Itaipú e São Gonçalo do Amarante. Essas mulheres não apenas mantiveram a vida sacramental, mas fomentaram a educação popular, formaram comunidades, lideranças leigas e tornaram-se protagonistas de ousadas iniciativas em nossa Igreja Particular.


Tal presença feminina na missão eclesial nos convoca a uma leitura mais profunda da linguagem cristã. Edith Stein, filósofa e mística, ensina: “a alma da alma é um ponto de máxima interioridade, onde o ser se abre à graça” (Ser finito e ser eterno, v. 3, p. 85). Para Stein, a linguagem da fé não é apenas racional — é simbólica, encarnada, mística. As irmãs vigárias, ao assumirem o cuidado pastoral, tornaram-se ícones dessa linguagem: mulheres que, em silêncio e serviço, disseram Deus com o corpo e com a história.


A comparação com o Pacto Global pela Educação, proposto pelo Papa Francisco, é inevitável. Enquanto o Pacto busca uma aliança institucional para formar cidadãos globais, e uma nova consciência da educação, o Movimento de Natal, em sua abrangência, emerge como educação libertadora, em diversos espaços, atenta aos clamores da sociedade. Foi além do ensinar: atuou no despertar de consciências, formando sujeitos históricos capazes de ler o mundo à luz da fé e da justiça. Incluiu e protagonizou não apenas lideranças institucionais, mas leigos e leigas de todo o povo de Deus.


Como afirma Harnack: “o cristianismo é vida, não sistema; é espírito, não letra” (Das Wesen des Christentums, p. 62). Não se trata de palavras, e sim de uma semântica que nasce do sentido da experiência de fidelidade à Igreja, que carrega o peso da história e o sopro do Espírito. A linguagem cristã, nesse contexto, não é apenas instrumento — é revelação, gesto que comunica o invisível. Edith Stein aprofunda tal visão ao afirmar: “a linguagem é o véu que cobre o mistério, mas também o tecido que o revela” (Ser finito e ser eterno, v. 3, p. 91). A palavra, assim, não é fim, mas passagem; não é forma, mas encarnação do sentido.


Historicamente, o Movimento de Natal foi uma resposta concreta às desigualdades sociais, promovendo sindicatos rurais, escolas radiofônicas e o Serviço de Assistência Rural (SAR), bem como serviços de assistência urbana (SAUR). Filosoficamente, expressa uma consciência histórica que busca sentido na luta pela justiça. Teologicamente, é uma epifania do Espírito, que suscita carismas e rompe barreiras, inclusive ideológicas. Como lembra Edith Stein: “a verdade não é uma ideia, mas uma presença que se deixa encontrar” (A estrutura da pessoa humana, p. 112).


Assim, o historiador que se aproxima dessas palavras — Movimento de Natal — não se detém à superfície: procura escutá-la em sua densidade, em sua vocação de revelação. Para o historiador, a palavra não é fim, mas vestígio vivo, profecia, fresta por onde o sentido escapa e se oferece. Carrega o peso do tempo, o eco das vozes silenciadas, o sopro do Espírito. O compromisso não é com a palavra em si, mas com o mundo que ela projeta — com a realidade que convoca, com a história que testemunha.


Como Stein, que encontrou a verdade no silêncio de Teresa de Ávila, e Harnack, que viu no Evangelho a força do amor, somos chamados a reconhecer: a palavra cristã é sempre mais que discurso — é presença, gesto, história.


O Movimento de Natal irrompe na história como epifania: não somente memória, mas encarnação viva da Palavra. Ao lado da filosofia hegeliana, que vê o Espírito realizar-se na liberdade, o Movimento de Natal intensifica — e não contradiz — a dialética, ao unir o eterno ao tempo, o universal ao particular. O Cristo histórico é o ponto de inflexão onde o Kairós se faz escuta, comunidade e fidelidade, não mais apenas a partir da hierarquia, mas também com leigos e leigas de todo o Povo de Deus. Assim, a mística e a essência do cristianismo revelam-se numa Palavra que encanta porque se faz corpo, e transforma porque se faz presença em todas as camadas da sociedade norte-rio-grandense.

 
 
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