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Academia de Letras homenageia Dom Heitor Sales

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A Academia Norte-rio-grandense de Letras realizou, na noite desta segunda-feira, 13 de outubro, uma sessão solene, aberta ao público, em memória dos 120 anos da morte do Padre João Maria Cavalcanti de Brito. Na ocasião, o arcebispo emérito de Natal, Dom Heitor de Araújo Sales, recebeu o Título de Honra da Academia, sendo homenageado em discurso pelo acadêmico Padre João Medeiros Filho. No discurso, ele destacou os feitos de Dom Heitor como bispo da Diocese de Caicó e arcebispo da Arquidiocese de Natal.


Leia, abaixo, o texto do discurso do Padre João Medeiros:


Dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal


Sob a inspiração de Deus Onisciente e Todo-Poderoso, reunimos nesta cerimônia as homenagens a Padre João Maria Cavalcanti de Brito e a Dom Heitor de Araújo Sales. Ambos estão ligados pela fortaleza da fé, da graça do ministério sacerdotal e pelas tradições seridoenses, epifania dos desígnios divinos. “O Anjo de Natal” foi pároco de Acari, onde batizou, alimentou com o Pão da Eucaristia e da Palavra os ancestrais, pelo lado materno, de Dom Heitor. Este, por sua vez, foi bispo de Caicó, berço de Padre João Maria. Agora, o eminente prelado é proclamado Sócio de Honra desta egrégia Academia, onde Padre João Maria é patrono da cadeira número 11. Assim estamos todos nós, amigos de Dom Heitor e devotos do “Santo da Caridade”, envoltos em uma nuvem mística de prece e gratidão ao Deus do Amor e do perdão, da Vida e da Alegria.

Nosso homenageado é um ser ungido, discreto, simples, sábio, terno, manso e mestre na arte de escutar. São Clemente de Alexandria dissera: “Os prudentes e sábios dedicam-se mais a ouvir, renunciando à eloquência.” Ousaria acrescentar: os sábios e místicos cultivam o silêncio, pois estão em perfeita sintonia com Deus. Dom Heitor é um pastor exemplar. Vive plenamente a sua vocação, enamorado da beleza divina e nutrido pelo amor ao Evangelho.


Aos 29 de julho de 1926, festa litúrgica de Santa Marta, ainda sob a brisa de Sant’Ana, Deus abençoou o Rio Grande do Norte com o nascimento, em São José de Mipibu, de um menino, que tem raízes no Seridó (Acari). Recebeu na pia batismal o nome de Heitor, que na Ilíada, de Homero, representa o protetor, aquele que guia e guarda. Descende de família tradicionalmente católica, filho do desembargador Celso Dantas Sales e dona Josefa de Araújo Sales, a qual presenteou o Povo de Deus com três sacerdotes. Seu irmão primogênito, Dom Eugênio de Araújo Sales, foi elevado à dignidade cardinalícia, desfrutando de merecido reconhecimento de toda a Igreja Católica. Hoje, temos a imensa alegria de ter Dom Heitor aqui conosco, escolhido para uma missão divina, caminhando para o seu centenário, lúcido, com o brilho da vida em seus olhos e “versus ad Deum.”


Após concluir a primeira fase do ensino fundamental no Colégio Marista (Natal), o jovem Heitor estudou nos Seminários de São Pedro (nesta cidade), de 1940-1944 e da Prainha (Fortaleza), 1945-1950. Aos 03 de dezembro daquele ano, foi ordenado presbítero por Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas, sendo o trigésimo sacerdote por ele ungido e o sexto a ascender ao episcopado. Após a unção presbiteral, foi designado vigário paroquial de Nova Cruz. Posteriormente, recebeu a provisão de pároco de Santa Teresinha, na capital potiguar, capelão do Colégio Santo Antônio e professor do Seminário de São Pedro, tornando-se seu diretor espiritual, em 1954.


Fui seu aluno no casarão da Campos Sales, de 1955 a 1957. Dele recebi primorosas lições de História Eclesiástica. Suas aulas marcaram minha adolescência. Numa delas dissera: “É preciso conhecer bem e amar a História da Igreja, nossa Mãe. Nela, Cristo fala em sua imanência humana e manifesta sua transcendência divina.” 


Aos 5 de maio de 1978, nosso homenageado foi escolhido como quarto bispo de Caicó, marcando de relevantes realizações sua primeira diocese. Hoje poderá dizer como o poeta latino Virgílio, na Eneida (I, 203): “Haec olim meminisse jubavit” (Um dia será agradável recordar tais coisas). Ao assumir o bispado caicoense, cuidou de reabrir o Seminário Cura d´Ars, fechado há dez anos, em virtude da crise vocacional pós-conciliar. Tendo em vista as dificuldades financeiras pelas quais passava a sua diocese, pleiteou, junto a seu irmão Dom Eugênio de Araújo Sales, bolsas de estudos para os seminaristas seridoenses cursarem filosofia e teologia no Seminário São José, no Rio de Janeiro.


Um dos marcos do profícuo pontificado de Dom Heitor é a edificação do Mosteiro das Clarissas Nossa Senhora de Guadalupe, inaugurado em 1984, pioneiro da vida contemplativa em terras potiguares. Movimentos pastorais e serviços eclesiásticos foram por ele organizados. Ressalte-se sua preocupação com a infraestrutura da diocese, dotando-a de nova residência episcopal, mais funcional e adaptada ao clima caicoense. A construção do Centro Dom Wagner, sede administrativa do bispado, também foi destaque de seu pontificado em Caicó. A formação e atualização intelectual, teológica e espiritual do presbitério receberam igualmente sua atenção. Além de retiros, reuniões, encontros e palestras organizava viagens culturais e peregrinações para o “aggiornamento” do clero. Foi precursor na restauração do diaconato permanente, no Rio Grande do Norte, uma das decisões do Concílio Vaticano II.


Em 1993, foi nomeado arcebispo metropolitano de Natal, permanecendo no cargo até 2003. Anteriormente, ali, fora capelão do Colégio das Neves, vigário episcopal para as religiosas e vigário geral, na gestão de Dom Nivaldo Monte. Ao assumir a arquidiocese, ordenou vários sacerdotes e diáconos, criou paróquias e implantou o dízimo, dando novo alento às comunidades eclesiais. No seu pontificado, ocorreu a beatificação dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, em 05 de março de 2000. Regularizou a inscrição do clero como contribuinte da Previdência Social, “ex-vi” da Lei 6.696/79. Há de se louvar a sua preocupação com a saúde dos presbíteros e diáconos, incluindo-os em um plano de assistência médica. Gestões essas, também efetuada em Caicó. Já emérito, angariou donativos junto a organizações católicas europeias para erigir o Mosteiro das Carmelitas, em Emaús, contando inclusive com a generosa contribuição de sua saudosa irmã Cleomar.


Dom Heitor destaca-se igualmente pela erudição. Foi o primeiro potiguar a obter a láurea em Direito Canônico, com tese defendida na Pontifícia Universidade Lateranense (Roma), no ano acadêmico de 1959. Além das atividades supracitadas, lecionou na Escola de Serviço Social e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte até aposentar-se. Foi o primeiro doutor formal da UFRN. Ao ser nomeado bispo de Caicó, pretendia abandonar o magistério. Entretanto, o Reitor Domingos Gomes de Lima, seu ex-aluno e nosso colega no Seminário de São Pedro, solicitou a sua permanência na instituição de ensino superior, reiterando: “Dom Heitor, a UFRN precisa muito de Vossa Excelência e de sua sabedoria.


Nosso homenageado é inegavelmente patrimônio do RN. De uma nobreza de alma, ternura e sensibilidade ímpares, jamais eleva a voz. Trata a todos com elegância e igualdade. Com gestos e palavras, vive o ensinamento de São Gregório Magno: “A mansidão é a riqueza da alma e a exuberância do coração. A arrogância não é própria dos pastores.” 


Ações e falas do insigne antístite são centelhas da beleza e grandeza de sua vida, totalmente dedicada a Deus e à Igreja. Dinâmico e empreendedor, seus dotes intelectuais e carismas são virtudes dignas de admiração. Sabedoria e erudição povoam-lhe a mente. Domina, além do idioma pátrio, grego, hebraico, latim, francês, italiano, inglês e alemão. Detém uma lucidez admirável. Ter o privilégio de sua amizade e ouvir o encanto de suas palavras “é sentir-se às vésperas de Deus”, na expressão do poeta Charles Péguy.


Dom Heitor de Araújo Sales é indubitavelmente um homem de letras. Teve sua tese doutoral publicada em Roma, sendo objeto de estudos em diversas dioceses. Colaborou nos jornais A Ordem (Natal) e A Folha (Caicó), além de publicações acadêmicas: artigos, súmulas, pareceres, ementas etc. Seus colegas docentes na UFRN puderam apreciar seu estilo literário, conciso e denso. Brindou-me com um lindo prefácio no livro “A devoção a Nossa Senhora e as mais belas orações marianas. Compilou o Hinário das paróquias seridoenses, valioso acervo de cânticos devocionais. Nosso homenageado é membro de várias instituições culturais e literárias, notadamente a Sociedade Brasileira de Canonistas, desde 1987. Cidadão honorário de vários municípios potiguares. Por Decreto de 28/07/94, o Presidente da República, Dr. Itamar Franco, o condecorou com o grau de Comendador da Ordem Nacional do Mérito, honraria que contempla nesse nível apenas 100 brasileiros vivos.


Hoje, nossa Academia sente-se enriquecida e privilegiada em recebê-lo como Sócio de Honra. Não só por sua ligação espiritual com o Padre João Maria, o eminente prelado, há anos, partilha da vida desta Casa, fazendo-se presente no testemunho e conhecimento de seus ex-alunos, dirigidos, colegas de magistério, uma plêiade de amigos e admiradores.


Dom Heitor, expressamo-nos de modos diferentes, mas as trilhas da montanha levam-nos ao mesmo cume, que é Deus. A idade e o tempo não nos privaram dos sentimentos de fraternidade, estima e respeito. Estamos unidos por uma amizade selada pela mão divina. Fui seu aluno, colega de magistério, membro do clero de sua diocese e hoje desfruto da alegria de ser seu vizinho. Tomo emprestadas as palavras de Raïssa Maritain, ao agradecer a Deus tantas bençãos, utilizando-as como expressão de minha gratidão ao antigo mestre e orientador: “Acolhei a minha saudação e meu canto de louvor, partidos de minha alma tocada pela vossa magnanimidade.” Lembro-me de uma frase de Dom Manuel Tavares de Araújo, seu antecessor no sólio caicoense: “Dom Heitor é de poucas palavras, mas de muita unção e piedade, de ingentes e valiosos feitos.” Dom Heitor, em nome de todos os acadêmicos, emociona-me a honra de saudá-lo e acolhê-lo com boas-vindas a esta augusta Casa. Ela também é sua. Nossa profunda gratidão.


   ANRL, 13 DE OUTUBRO DE 2025. 

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO

 
 
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