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A presença e inserção da Igreja na Cidade


Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal

 

O rápido processo de urbanização no Brasil trouxe consigo uma série de desafios para a Igreja. A pluralidade cultural e religiosa da cidade, aliada à crescente secularização, demanda uma abordagem pastoral cuidadosa e adaptativa, a fim de compreender a cidade, sua dinâmica, mentalidade e estilo de vida. Uma das características da cidade moderna é a fragmentação social, onde o senso de pertença à comunidade tende a deteriorar-se em meio à individualização, ao anonimato e ao ritmo acelerado da vida urbana. O processo de secularização, embora traga consigo uma busca pelo sagrado, gera o enfraquecimento da influência da religião na esfera pública. A cidade torna-se um mercado religioso, no qual o indivíduo, como consumidor de bens sagrados, encontra-se diante de um amplo leque de escolhas.


A cidade exige uma pastoral que responda à complexidade da cultura e da mentalidade urbanas, repensando a metodologia, adotando estratégias e linguagens capazes de alcançar a pessoa imersa na cultura urbana. A Pastoral Urbana transcende a limitação geográfica da paróquia e deve pensar a cidade como um todo. A maioria dos problemas enfrentados por uma comunidade eclesial não se restringe aos próprios limites paroquiais, mas atinge as demais paróquias e permeia toda a realidade urbana. A resposta eficaz a esses desafios exige uma ação conjunta e orgânica entre os sujeitos eclesiais, entre as paróquias, movimentos, associações de fiéis e novas comunidades.

Diante desses desafios, a Igreja precisa adotar uma abordagem pastoral proativa e inclusiva. A evangelização urbana requer uma visão otimista da cidade, enxergando-a não como um lugar de perdição, mas como um espaço para a salvação. Os cidadãos da cidade, na “solidão povoada” da vida urbana, têm sede e fome de Deus. O Padre João Medeiros, em seu artigo Abandono e solidão, afirma que “a solidão é dolorosa, leva à depressão e até ao suicídio. [...] Em muitos condomínios os moradores são conhecidos pelo número da unidade habitacional e não pelo nome. Isso tudo resulta numa solidão povoada”. Frente ao anonimato e à solidão da vida urbana, a pastoral na cidade deve focar a pessoa, o acolhimento e a proximidade. Isso envolve não apenas ouvir suas angústias e esperanças, mas também acompanhá-las em seu caminho de fé.


Nessa linha, o Sacramento da Reconciliação oferece uma oportunidade ímpar de proximidade, escuta pessoal, orientação espiritual e integração na vida comunitária. É lamentável o fato de, em algumas paróquias, não se encontrar um sacerdote disponível ou alguém apto para escutar as pessoas, tanto na confissão quanto na direção espiritual. Em certas sedes paroquiais, especialmente aquelas situadas em áreas densamente povoadas ou com grande fluxo de pessoas, deveria ser estabelecido um serviço contínuo de apoio espiritual, de escuta e aconselhamento. Esse suporte vai além da simples administração do sacramento da reconciliação; ele incluiria também sessões de escuta conduzidas por fiéis leigos e consagrados que possuam o dom de ouvir. O treinamento criterioso desses agentes os habilitaria a desempenhar o ministério da escuta de forma eficaz, acolhendo aqueles que buscam uma ajuda empática. Essa modalidade de ajuda envolve não apenas entender intelectualmente os dramas de uma pessoa, mas acolhê-la em suas dificuldades de maneira compassiva e não julgadora, oferecendo conforto, apoio e compreensão.

A pastoral urbana exige uma conversão pastoral da paróquia para que ela se transforme em um espaço acolhedor, uma casa de portas abertas que promova a cultura do encontro. Isso implica em manter literalmente as igrejas e capelas de portas abertas para que o fiel ali possa encontrar um espaço para o recolhimento e a oração. Embora seja desafiador devido a questões de segurança, é importante superar as barreiras e encontrar soluções viáveis para o referido problema. Além disso, é essencial reconsiderar a programação das celebrações, com missas e atendimento das pessoas em horários alternativos e favoráveis à dinâmica da vida urbana (Doc. 100 da CNBB, 267).


Em síntese, a presença e inserção da Igreja na cidade, na perspectiva da evangelização urbana, demandam uma abordagem transdisciplinar centrada na missão e no acolhimento individual. Esta missão implica na busca de meios para que a mensagem do Evangelho atravesse os limites físicos e sociais, alcançando os anseios daqueles que buscam Deus em meio à vida urbana. Ademais, é fundamental priorizar o acolhimento pessoal e a proximidade por meio de ações pastorais voltadas à formação de pequenas comunidades, grupos de convivência e círculos bíblicos e grupos de oração, considerando as aspirações pessoais de plenitude e de sentido na vida.

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