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A mesa da Palavra


Por Pe. Paulo Henrique da Silva

Professor de Teologia


Na celebração da Eucaristia, lugar do evento da anamnese, memorial do sacrifício redentor de Jesus Cristo, a Igreja fixa o seu olhar e a sua atenção sobre duas mesas: a mesa da Palavra, chamada de “ambão” e a mesa da Eucaristia, chamado de “altar”. São também as partes da Liturgia: Liturgia da Palavra, Liturgia Eucarística.


                Sendo “casa da Palavra”, a Igreja é constantemente exortada a que viva da Palavra de Deus. Já o Concilio Vaticano II, no seu primeiro documento, a Constituição sobre a Sagada Liturgia, Sacrosanctum Concilium (promulgada em 4 de dezembro de 1963), afirmava a enorme importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia (cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, n. 24) e reconhecia que ela, a Igreja, se alimenta da Palavra.


                Após recebermos o perdão de Deus e cantarmos o Hino de Louvor, estamos prontos a fixar nosso olhar e nossos ouvidos para a mesa da Palavra. Sim, primeiro Deus nos fala. É o movimento inicial, movimento “descendente”. Quando acontece a Liturgia da Palavra, estamos revivendo a dinâmica da Revelação: Deus nos fala. O Papa emérito Bento XVI afirmou isso na Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini: “Considerando a Igreja como ‘casa da Palavra’, deve-se antes de tudo dar atenção à Liturgia sagrada. Esta constitui, efetivamente, o âmbito privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao seu povo, que escuta e responde (BENTO XVI. Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini, 52). Toda a Liturgia da Palavra se desenvolve daquela mesa que é o ambão, dali Deus nos fala, da primeira Leitura ao Evangelho, passando pelos Salmos, oração da Igreja primitiva e nossa oração. Mas, a dinâmica se conclui com o outro movimento, agora “ascendente”, nós falamos a Deus. Sim, a mesa da Palavra nos inclui na dinâmica divina. A Liturgia da Palavra s conclui com a “Oração da Assembleia”. Ela é como o elo de ligação com a Liturgia Eucarística, pois exprime com algumas das intenções, sejam universais, sejam particulares, pelas quais deve ser oferecido o sacrifício. Dela já se disse que é comparada a “uma pedra preciosa que tinha sido perdida e que agora tinha sido encontrada em todo o seu esplendor” (A. Bugnini). Deus não fala para as pedras, para as paredes; Deus fala para nós: “Em virtude desta revelação, Deus invisível (cf. Cl 1,15; 1 Tim. 1,17), na riqueza do seu amor fala aos homens como a amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15,14-15) e convive com eles (cfr. Br 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele” (CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática sobre a Palavra de Deus, Dei Verbum, n. 2). Deus nos fala com a amigos. Como devemos dar importância a esse momento. A participação na Eucaristia não pode ser um momento entre tantos outros. Não vamos para cumprir uma obrigação. Vamos escutar Deus. Não existe consideração mais perfeita sobre nós: existimos para a escuta da Revelação, somos ouvintes da Palavra (Karl Rahner).


                Segundo um liturgista italiano, Cesare Giraudo, na Liturgia da Palavra acontece um movimento ou discurso descendente quando da proclamação das leituras da Palavra – Primeira Leitura, Salmo responsorial, Segunda Leitura, Canto de aclamação, Evangelho e Homilia, aqui Deus Pai é “boca que fala por meio do leitor” e nós, “ouvidos que escutam”. Quando passamos para a Oração dos fiéis ou da Preces da Assembleia, o movimento se inverte – agora, Deus é “ouvidos que escutam” e nós, “boca que fala e suplica”. Vemos nesta exposição que escutar a Palavra, na Celebração Eucarística, é um evento que nos envolve, trata-se de uma relação que se estabelece da parte de Deus e se dirige a nós. Esse movimento nos conduz ao movimento presente na Liturgia Eucarística – na Oração Eucarística, também chamado de “Cânone” ou “Anáfora”, o discurso é ascendente – nós somos “boca que fala por meio do Presbítero” e Deus, “ouvidos que escutam” e nos levam a uma resposta descendente – Deus Pai se torna “mãos que dão a nós o Pão do céu” na comunhão sacramental e nos faz “boca que recebe o Corpo de Cristo”. Esses movimentos, iniciados na Liturgia da Palavra, mostram a realidade da relação de Deus conosco. Daí porque, participar da Eucaristia é viver na koinonia divina, razão pela qual nós existimos.

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