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A Igreja de Natal e os sinais dos tempos


Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conjunto Mirassol - Natal


O nosso Arcebispo Metropolitano, Dom João Santos Cardoso, com profundo zelo e lucidez pastorais, instituiu uma Comissão para coordenar os trabalhos para a realização de um Sínodo arquidiocesano. De acordo com o Decreto (033/2024), o acontecimento terá por finalidade “revisar, atualizar e regulamentar as orientações pastorais, e administrativas dispostas nos Diretórios Litúrgico, Sacramental, Pastoral e Administrativo e em outras diretrizes, a fim de que se garanta a sistematização e a formatação de um guia prático para todo o território da Arquidiocese”. Sem dúvida, assim como os delineamentos da eclesiologia pós-conciliar, especialmente em nossas paragens latino-americanas, através das suas Conferências, com as recepções desenvolvidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a nossa Igreja Particular de Natal, que teve um papel de tanto protagonismo em tempos passados na igreja brasileira, é chamada a ‘discernir’, antes de tudo, se está atenta aos sinais dos novos tempos (cf. Gaudium et Spes, 4), que são visualizados numa nova época de mudanças, porque é próprio do tempo ser o cenário da permanente mudança de época. Ele não para. No contemporâneo, ele muitas vezes confunde-se com o espaço.

 

A Igreja de Natal é interpelada, à luz das provocações do magistério do Papa Francisco, com toda a sua riqueza documental, em plena sintonia com a Tradição Viva da Igreja, especialmente com o Vaticano II, a assumir existencialmente e estruturalmente, “a conversão missionária” (cf. Evangelii Gaudium, cap. I). O nosso Sínodo tem possibilidades grandiosas para nos situar, acima de tudo, na nova ordem sistêmica que deve nos inquietar a ‘sairmos dos nossos status quo’ para as fronteiras pessoais, geográficas e culturais dos nossos dias. O que estamos para celebrar deve nos lançar ao que temos como prática ‘cotidiana’, que necessita de uma ‘conversão’ que proporcione a ‘saída’ da conservação para a contemplação e atuação nas novas fronteiras que nos circundam e nas quais somos chamados a ser testemunhas da Esperança e do anúncio da ‘Alegria do Evangelho’. Com o Sínodo, sem olvidar os elementos internos que são partes identitárias da nossa engenharia eclesial, precisamos fazer uso de uma hermenêutica que pense a Igreja - ad intra - (cf. Lumen Gentium) e a mesma que deve estar em relação com o mundo – ad extra – (cf. Gaudium et Spes).

 

A nossa Arquidiocese necessita de uma ‘narrativa pastoral’. O filósofo Byung-Chul Han tem refletido que já vivemos uma fase pós-narrativa; contudo, a Igreja é uma instituição que vive das suas ‘memórias’ narradas permanentemente; por isso, ela ainda é dependente das narrativas que atualizam as suas memórias, fortalecem suas formas de fé e suas organizações. Como estamos em tempos de discurso sobre ‘sinodalidade e diocesaneidade’, o evento sinodal pode nos trazer muitas oportunidades de avançamos na participação, comunhão e missão; como nos fortalecermos enquanto Igreja Local, que caminha com as preocupações de toda a catolicidade na sua responsabilidade de ser sacramento de salvação para e neste mundo globalizado e marcado por tantos dramas macroeconômicos, climáticos, relacionais e humanitários. O que a Igreja tem como preocupação no seu estar no mundo, a Igreja Particular de Natal deve contextualizar aqui e agora, assumindo o empenho de aplicar os princípios e os objetivos a serem implementados entre nós, como nas parcerias solidárias que podemos firmar com as demais instituições, tendo em vista sempre o bem comum e a promoção universal da dignidade de cada ser humano, desde a sua concepção até o seu fim natural.

 

Desde o fim do século XX, podemos falar de uma era pós-secular. Segundo J. Habermas, nessa Era “as religiões seriam importantes atores a serem considerados no próximo capítulo da história (cf. in T. Halik. “O entardecer do cristianismo, a coragem de mudar”, pág. 128-129). A nossa sensibilidade pastoral e intelectual, enquanto Igreja Local, precisa estar atenta a ‘este processo de secularização’. Sem a contemplação orante e interpretativa da história e da realidade, não progrediremos no dinamismo da evangelização, com suas novas urgências e metodologias a serem atualizadas. Esse sombreamento do “cristianismo puro e simples” (cf. C. S. Lewis) na América Latina tem deixado espaço para o empoderamento das muitas matrizes pentecostais, mais especificamente nas periferias das grandes cidades; assim como na Europa tem sido constatado e proposto uma “espiritualidade laica” (cf. Luc Ferry). Com o onze de setembro, o mundo viu que a religião tem suas potencialidades e não está morta das consciências coletivas, como era vociferado.

 

A Arquidiocese de Natal é portadora dessa credibilidade, considerando a sua história de inserção na vida do povo potiguar. Tantos testemunhos de ontem, como os seus Protomártires do Brasil, com tantos ensinamentos de amor profundo à Santíssima Eucaristia, protagonismo dos fiéis leigos e ministros ordenados; mais recentemente e, agora, com a abertura do processo de beatificação, no caso do Pe. João Maria, temos tanto o que dizer aos seres humanos de hoje na luta para que essa nossa amada Igreja possa ser sinal de esperança para os nossos tempos. Oxalá, possa ser colocada para todos nós as admoestações do Papa Francisco:

 

“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’” (Mc 6, 37; EG, 49).  

 

O próximo Sínodo a ser vivido pela nossa Igreja arquidiocesana precisa nos levar à percepção dos sinais dos tempos hodiernos, com a escuta e o envolvimento de todos os que fazem parte do povo fiel de Deus, que está nesta porção, e o que somos evocados pelo Espírito Santo a implementar para que haja a mudança de mentalidade de todos os que nas atuais circunstâncias têm a nobre tarefa de conduzir essa Igreja às “águas mais profundas” (cf. Lc 5, 4-5). A Igreja de Natal é chamada a lançar as redes do Evangelho a todos. A sua identidade missionária, a eclesiologia de ‘povo de Deus’, com o selo do sangue dos mártires, a sua busca incessante pela promoção da justiça social, o cuidado com a nossa casa comum e a vida doada de tantos consagrados devem continuar a ser os faróis que norteiam o seu estilo pastoral, a começar pelas periferias geográficas e existenciais até os centros econômicos e culturais da nossa sociedade. Assim o seja!

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