Por Pe. João Medeiros Filho
A alegria desperta em nós um sabor divino e, mesmo efêmera, deixa marcas e oferece novas possibilidades ao cotidiano. Atualmente, vivem-se dias difíceis, tristes e vexatórios. Hoje, é comum encontrar gente com o rosto acabrunhado em shoppings, escritórios, consultórios e mesmo dentro de casa. No convívio social, enfrentam-se problemas, que desafiam e exigem maior agilidade, perspicácia e sabedoria para solucioná-los. Cresce o número daqueles que são abandonados e desprotegidos, perambulando pelas ruas das cidades. Também aumenta a estatística das vítimas de malversadoras políticas de governos, que enfrentam provavelmente o terrível drama da fome ou desemprego. Muitos são os discriminados e violentados por causa de sua raça, origem e condição social. E como se não bastasse, certas pessoas são alijadas, em razão de sua opção religiosa, ideológica ou familiar. O radicalismo, a intransigência e o sectarismo estão se tornando regras gerais na sociedade brasileira. Seres humanos tombam frequentemente mortos, até diante de sua família, vítimas de uma guerra que não poupa inocentes e indefesos. Um olhar mais atento para a realidade atual tende a mostrar quão corrompidos se tornaram tantos e imersos estão num processo deletério de desumanização. Infelizmente, são cada vez mais raros os gestos concretos de bondade, acolhimento, humanismo e fraternidade. Não repercutem no mesmo ritmo como os de violência, que rondam e ameaçam os cidadãos. Diante da realidade atual cabe perguntar: há lugar ainda para os alegres e os de mente sã?
Vinícius de Moraes cantou em “Samba da Bênção” a primazia do júbilo sobre a tristeza: “É melhor ser alegre que ser triste. A alegria é a melhor coisa que existe. É assim como a luz no coração...” E um coração entristecido, entregue à dor e às forças do mal, não pulsa com tanto vigor. Por isso, vale a pena cultivar a alegria. Esta não representa necessariamente ausência de sofrimentos. Entretanto, revigora e acalenta a alma, tem a capacidade de neutralizar o negativismo e colocar o espírito em contato com o que há além dos acontecimentos.
Lembremo-nos das palavras de Santo Agostinho, quando se dirigia aos fiéis de Hipona: “A alegria é filha predileta de Deus e pode salvar da morte.” Para a teologia cristã, é dom do Pai ao mundo, prognóstico da salvação que Ele sempre oferece à humanidade. E a salvação se dá num movimento pascal, na passagem da morte para a vida que o Senhor oferece. Compreende-se, assim, porque o Papa Francisco insiste em sua encíclica na “Alegria do Evangelho” (“Evangelii Guadium”). Os cristãos sabem que o contentamento, experimentado nos pequenos acontecimentos do dia a dia, antecipa aquilo que Deus oferece: um Reino no qual “ninguém mais vai sofrer, ninguém mais vai chorar, ninguém mais vai ficar triste”, como se reza na Prece Eucarística XI, inspirada no Apocalipse: “E Deus enxugará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais pranto, nem clamor, nem dor” (Ap 21, 4). A promessa é a de que o sofrimento e a tristeza terão seu fim, quanto mais cedo se consolide o Reino de Deus, que Cristo pregou. É precisamente isso que deve motivar os momentos alegres, ao longo da existência terrena.
E como o júbilo dá brilho à vida, torna-se possível distingui-la da exaltação eufórica, na qual muita gente manifesta uma falsa felicidade e uma ilusória sensação de bem-estar. Nos dias de carnaval, muitos põem o bloco na rua com o coração contristado, aguardando a quarta-feira para retornar a uma vida acinzentada. Deste modo, torna-se difícil ser verdadeiramente feliz. Por isso, é preciso fazer brotar no fundo de nosso ser o ânimo e a coragem, mesmo no agora sofrido viver diário. Nas pessoas risonhas Deus também se revela. Quando os dias duros sobrevierem com suas tiranias lembrem-se de sorrir. “Sorria, embora o seu coração esteja doendo... Ilumine seu rosto com a alegria...”, evoca Charles Chaplin na magistral canção “Smile”. Que as fantasias e os sonhos de agora não sejam sepultados. É importante buscar a alegria, réstia do Eterno e aceno do Infinito! “Exultem e alegrem-se, pois Deus é grande e está em seu meio” (Is 12, 6).