Por Pe. João Medeiros Filho
A Semana Santa é a celebração do amor de Deus. E ninguém pode duvidar: esse amor pelo ser humano, diante da lógica, chega a beirar a insanidade. Loucura do Pai, que se plenifica na entrega de seu Filho único à morte, a fim de que ninguém se perca. A Morte e a Ressurreição de Cristo são a prova maior de seu amor para conosco. Traduzem os sentimentos do Pai por nós. Jesus aceitou padecer e aniquilar-se na cruz para demonstrar nossa condição, o nada de nosso ser. Mas, Ele ressurgiu dos mortos para revelar o nosso destino, a grandeza divina que existe em nós.
Na Semana Santa há um apelo para a descoberta mais profunda de Cristo, vítima de uma sociedade injusta, que mata inocentes e indefesos. Jesus desconcerta-nos, mostrando-nos que o projeto de Deus é diferente. A uma sociedade competitiva, que privilegia a concentração de bens e poder, gerando discriminação e violência, alienando pessoas e marginalizando outras, Cristo acena com o despojamento capaz de trazer a paz para o ser humano. A um mundo que procura desconhecer os laços de nossa fraternidade, Ele aponta a força da solidariedade, que salva vidas e traz esperança, como fizera com todos, sobretudo, com os mais desprezados e despossuídos, simbolizados pelo bom ladrão, ao pé da cruz.
Renova-se o mistério da dor e da vida. O Filho de Deus assume a realidade humana com tudo o que ela tem de esperança e desespero. Sua morte é a manifestação da fragilidade de nosso ser; sua Ressurreição, o sinal da dimensão infinita do homem. É nossa história presente na Semana Santa. Não celebramos apenas fatos do passado. Comemoramos tudo o que somos e Cristo encarnou, quando se “fez homem e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Sofrendo, Jesus desmascara a estrutura injusta da humanidade; ressurgindo, proclama a vitória contra o pecado, simbolizado na morte e na angústia humana.
Nós cristãos revivemos, durante a Semana Santa, este grande gesto de amor e misericórdia de Deus, manifesto na Paixão do Senhor. Somos também convidados a abraçar com coragem e confiança nossas cruzes, a assumir nossos sofrimentos e a oferecer tudo, como oferenda agradável ao Pai, a fim de que pela nossa participação na Paixão de Cristo, possamos prolongar no tempo e no espaço a sua obra salvífica.
Maria é o grande modelo de vivência da Semana Santa. Sua presença, ao pé da cruz do Filho, permanece como exemplo perfeito e perene de seguimento a Cristo. Nossa Senhora foi a mulher das dores, pois acompanhou bem de perto cada passo do seu amado Filho. Ela é a primeira entre os poucos discípulos, que foram fiéis a Jesus até o fim. A única chama de fé que permaneceu acesa naquele momento obscuro e de dura prova para os discípulos do Senhor. Foi por causa da firmeza na fé de Maria e sua incomparável fidelidade ao plano do Pai, que Jesus, já pregado na cruz e servindo-se de suas últimas forças humanas, deixa-nos a Virgem Santíssima como Mãe e modelo perfeito de todo discípulo do Senhor.
Maria, ontem, hoje e sempre, convida-nos a renovar nosso sim a Deus, tantas vezes quantas forem necessárias, a estar ao lado de cada irmão que sofre ou se alegra, a abandonarmo-nos a Deus, ensinando-nos a abraçar com firmeza e fé nossas cruzes de cada dia, com os olhos fixos no horizonte da ressurreição.
Não podemos esquecer que a última mensagem de Cristo não foi o silêncio da morte nem seu último gesto o túmulo lacrado. A Semana Santa é o convite da Igreja a acreditar que nossa cruz é também libertadora e se Ele ressuscitou dos mortos, também nós haveremos de ressurgir de tudo aquilo que nos deixa prostrados e abatidos. É preciso ter sempre em mente que Deus levanta-nos igualmente ao alto de nossas cruzes para que possamos divisar melhor o que Ele nos reserva de belo e grandioso, capaz de nos assegurar a paz e a alegria. São Paulo já dizia que Deus confunde os fortes e poderosos com a aparente fraqueza humana. Aquilo que aos olhos do mundo parece nossa derrota, será a nossa vitória, pois é a força divina em nós!
DOMINGO DE RAMOS
As celebrações da Semana Santa iniciam-se com a Bênção dos Ramos. Talvez, aflorem às nossas mentes sentimentos de tristeza, dor, sofrimento, paixão e cruz. No entanto, há algo fundamental: Cristo derrota o pecado e a morte. Aos vencedores as palmas da vitória! Eis o sentido dos ramos e palmas aclamando o Filho de Deus, como Rei e Senhor da História. Mas, o meu Reino não é deste mundo (Jo 18, 36). Muitos contemporâneos de Jesus (como alguns cristãos de hoje) não compreenderam os motivos de sua condenação. Cristo atingiu pela pregação de sua doutrina e pelo testemunho de vida as estruturas da sociedade do seu tempo, representando uma ameaça para os que dominavam e oprimiam o povo. Pelo Evangelho, Ele veio instaurar novos tempos (Ap 21, 5).
Na cerimônia dos Ramos proclamamos a Realeza de Cristo e nossa fé em Jesus, o Messias e Filho de Deus. No sinédrio, quando o sumo sacerdote lhe perguntou: És tu o Messias, o Filho de Deus bendito (Mc 14, 61)? Cristo confessa: Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu (Mc 14, 62). O que soou como blasfêmia para os arrogantes de seu tempo, é profissão de fé para quem nEle crê. Na verdade, Ele é o Messias, o ungido de Deus. E dando provas disso, uma mulher lhe derramará óleo sobre a cabeça, reconhecendo desta forma que Ele é o Messias. Enquanto o sinédrio e os judeus negam Cristo como o Enviado do Pai, um pagão, oficial romano, reconhece nEle o Filho de Deus. Tem razão o apóstolo João, quando proclama no prólogo do seu evangelho: Ele veio para os seus, mas estes não O acolheram (Jo 1, 11).
Sim, Cristo é Rei; mas sua realeza se distancia dos padrões de poder do seu tempo e do mundo de hoje. É Rei, porque se despoja desse tipo de poder e se afasta do círculo dos poderosos, dando a vida pelos seus. No patíbulo da cruz, revela que seu Reino consiste em estar a serviço dos condenados pela sociedade e por ela desprezados. Crucificado entre dois ladrões, Ele mostra a sua solidariedade para com os excluídos e marginalizados e restitui a quem nEle acredita a dignidade humana, na figura do Bom Ladrão. No alto da cruz, Cristo responde àqueles que oprimem: reis, sumos sacerdotes, doutores da Lei etc.
O Domingo de Ramos e toda a Semana Santa mostram-nos que Cristo não se apegou a sua condição divina e igualdade com Deus. Tornou-se servo, humilhou-se, fez-se obediente até a morte da cruz. Jesus despoja-se de tudo. Seu lugar passa a ser junto dos esquecidos, daqueles que não têm privilégios, excluídos e condenados. Para Ele, a forma de revelar e manifestar Deus é esvaziar-se das realidades humanas, daquelas que mais nos apegam e diante das quais temos mais dificuldades de nos libertar: posição social, honra, fama, poder etc. Cristo mostra-nos que o bem mais precioso é a vida. E esta Ele tem para no-la dar em abundância (Jo 10, 10). E quem tem a vida plena, sabe amar. E o amor é saber doar-se, pois é dando que se recebe. Cristo doou tudo para ensinar ao homem a dar um pouco de sua vida aos irmãos e sobretudo a Deus, que nada poupou para nos ver felizes.
Na liturgia do Domingo de Ramos ouviremos duas palavras importantes: Hosana! e Crucifica-o, isto é, o ramo do triunfo e a cruz da Paixão. Isto não é de modo algum contraditório. É, sim, o coração do mistério de Cristo, que queremos proclamar. Jesus entregou-se voluntariamente à Paixão. Deixou-se aparentemente dominar-se por forças inferiores para dizer ao mundo que haveria de sepultar a maldade humana. Assim enfrentou livremente a morte na cruz para vencê-la.
INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA (QUINFA-FEIRA SANTA)
A Encarnação de Cristo é uma prova sublime de seu amor pela humanidade. Entretanto, Ele quis ir além, plenificando-a misteriosamente no sacramento da Eucaristia. É o que a Igreja celebra na quinta-feira santa. Nesse augusto sacramento, Jesus se dá mais ainda, transformando elementos materiais em sua própria pessoa. E assim, consagra o universo através de três de seus elementos: pão, vinho e água. A matéria inanimada torna-se suporte da divindade e glória do Verbo ali presente, porém invisível. Somente a fé pode fazer sentir essa teofania temporal, porém permanente, experimentando a presença divina de Cristo, concedida por Deus a seus filhos. Exclamou Teilhard de Chardin: “A Eucaristia também sacraliza a natureza e santifica o mundo!”
Jesus brinda-nos com seus dons. Garante-nos a profecia de Isaías, retomada pelo Mestre: “Vós todos que tendes sede, vinde à água. Vós que não tendes dinheiro, vinde comer e beber vinho e leite” (Is 55, 1). Eis uma alusão ao alimento espiritual oferecido gratuitamente pelo Senhor, por meio de seu Corpo, Sangue e doutrina. Incontestavelmente, temos sede de justiça, e muito mais da graça divina. A Eucaristia sacia nossa fome de valores transcendentais. Quem tem saudades do Mestre, vai buscá-lo na beleza dessa presença eucarística latente e silenciosa. E, mesmo silente, Ele deixa que sua mensagem repercuta no íntimo de cada um de nós, que se achega a Ele para mitigar todo tipo de carência.
Como a população de Cafarnaum, queremos estar com Jesus, interrogá-lo, ouvi-lo e Dele aprender os seus ensinamentos (Jo 6, 45). Homens e mulheres daquela região seguiam o Salvador, às margens do Lago da Galileia. Escutavam-no com tamanha atenção e alegria, que não sentiam o tempo passar. Estavam famintos e não havia condições de serem saciados naquele local. Cristo realizou, então, o milagre da multiplicação dos pães e se apresentou a todos como o Pão Vivo. A multidão não se conteve e pediu-lhe: “Senhor, dai-nos sempre deste pão” (Jo 6, 34). Nutridos pela força da Eucaristia, imitemos os discípulos de Emaús. Estes, após reconhecerem o Ressuscitado, “partiram sem demora” (Lc 24, 33) para comunicar aos vizinhos e amigos o que tinham visto e ouvido.
Teológicos e místicos são os versos de Gabriela Mistral em seu poema-oração (Diante de Cristo do Sacrário): “Tu te tornaste pobre para nos fazer ricos. Quiseste ser partícula para que pudéssemos ser inteiros. Desceste à terra para nos levar à infinitude do céu. És meu Deus humanado!” A Eucaristia é o alimento dos peregrinos, o viático na dimensão semântica do termo, não apenas para os enfermos, mas também para os caminhantes. Vale lembrar as palavras ouvidas pelo profeta Elias, desanimado, cansado, como muitos de nós, em certos momentos da vida: “Levanta-te e come, porque ainda tens um caminho longo a percorrer” (1Rs 19, 7). Prometeu Jesus: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte. Legou-nos esse memorial, sinal de sua presença. Não quis que padecêssemos de solidão e abandono. Deste modo, fez-se Pão e permanência.
A Eucaristia prenuncia a eternidade, celebra o ingente banquete, no qual gozaremos o definitivo de nossa história, o encontro infindável do Pai com os filhos. Ela é Deus, em Cristo, apagando quotidianamente as saudades de nossa pátria e nossas origens, transfigurando-se em plantão da eterna solidariedade e ternura de Deus, que enviou seu Filho à terra para cuidar dos irmãos. O mistério eucarístico inclui a espera do Divino por nós, o abraço do Infinito que nos é reservado e antecipado, o acolhimento afetuoso de um Pai discreto e bondoso, que vem silenciosamente para dizer que nos ama e perdoa. Ficamos extasiados diante dessa manifestação de amor. Várias interrogações podem surgir nos corações dos fiéis que, não obstante seus questionamentos, encontrarão paz na intimidade de Cristo. Sustentados pela fé que ilumina os nossos passos na noite das dúvidas e dificuldades, pode-se exclamar, como o poeta Murilo Mendes: “Eu te proclamo grande e admirável eternamente, não porque fizeste o sol para presidir o dia e as estrelas a noite, mas porque te fazes minúsculo na Eucaristia, tanto assim que qualquer um, mesmo pequeno e pecador, te contém!”
A CRUZ: CATÉDRA DE CRISTO (SEXTA-FEIRA SANTA)
A Sexta-Feira Santa é o memorial da solidariedade de Deus com os seres humanos. Venera-se a cruz, erguida como sinal do amor de Cristo, o qual foi condenado injustamente e torturado até a morte. Colocou sua vida nas mãos do Pai, confiando na justiça e misericórdia divina. No Domingo de Ramos, Jesus, entrando em Jerusalém, apresentou a sua mensagem religiosa, capaz de transformar a sociedade e tornar os homens em verdadeiros irmãos. Na Última Ceia, partindo o pão, mostrou-nos em que consiste o milagre da partilha e a força extraordinária do serviço e da disponibilidade. Logo depois, sofre a rejeição e a condenação por causa de seu projeto em favor da vida, dos esquecidos e marginalizados. Enfrenta a morte violenta por proclamar que o Reino de Deus, a liberdade e o alimento com fartura só virão dos corações de pessoas altruístas, capazes de viver e mostrar que os bens têm sentido, quando partilhados.
A liturgia da Sexta-Feira Santa não é mera repetição da narrativa bíblica, mas também uma metáfora de nossas aflições e preocupações. Estamos vivendo a paixão no Brasil de hoje, vítima do egoísmo, orgulho e da arrogância de vários, das contendas partidárias, dos esquemas de poder e interesses escusos de tantos. Nossa pátria teima em não aceitar os valores pregados por Cristo, sobretudo sua mensagem de paz, verdade e amor. Celebra-se a Paixão de Jesus, do seu calvário compartilhado por uma multidão de sofridos e aflitos em busca de libertação.
A cruz é desafio e apelo para que os cristãos assumam a pregação de Jesus, promovendo a luta em favor da justiça e da verdade, anunciando a esperança e construindo a fraternidade. Em 2001, São João Paulo II, na cerimônia de entrega do barrete aos novos cardeais, afirmou: “A cruz é a cátedra de Deus no mundo”. Cátedra é o lugar, onde o mestre ensina. A cruz de Cristo é o púlpito vivo e permanente, onde Deus continua a proclamar seu amor e perdão, sua ternura e compaixão. Ali, o Salvador oferece à humanidade uma de suas lições mais importantes: a necessidade de amarmos uns aos outros, como Ele mesmo nos amou (cf. Jo 19, 26), até o dom extremo de si mesmo. O Crucificado faz sua doação total, sem cobranças, expressando a gratuidade divina.
Há algo que talvez só consigamos aprender contemplando a cruz: o sentido do sofrimento e da profundidade da dor. Por instinto da natureza humana, a civilização hodierna evolui no sentido de amenizar as situações e realidades dolorosas, consideradas um mal a evitar. É justo e digno lutar para mitigá-las, até as fronteiras do possível. Cristo tudo fizera para apagar as dores corporais e espirituais daqueles que o procuravam. Porém, mostrou com a sua crucifixão que só é possível vencer as angústias e contradições do mundo, quando se aceita doar generosamente a vida em favor dos outros. É um clamor contra o egoísmo, em favor da fraternidade.
O sofrimento foi (e continua sendo) uma experiência humana universal. Ele é físico ou da alma, causado pela violência, injustiça, corrupção e desonestidade, miséria e doenças, adquirindo os contornos de abandono, solidão, perda do sentido da vida etc. Perante a dor tão intensa, ou nos deixamos esmagar pelo seu peso, ou a assumimos de forma generosa, oferecendo-a como semente fecunda de nossa redenção. É possível aprender esse sentido pascal da dor humana. E isto abre cada vez mais o nosso coração para a beleza do Amor infinito.
O mistério da cruz não é apenas um acontecimento histórico. Mantém a perenidade salvífica através dos séculos. O Senhor continua a oferecer-se pela humanidade, sendo a oferta do sacrifício concretizada nas tribulações dos cristãos, que, segundo o apóstolo Paulo, “completam em sua carne o que faltou à paixão de Cristo” (Col 1, 24). É o que comemoramos na Sexta-Feira Santa. A cruz de Cristo é aparententemente a estranha pedagogia de Deus, mostrando-nos que o seu amor pode chegar a gestos que transcendem à lógica humana. A cruz pode parecer insensatez aos olhos de muitos, mas é a manifestação do poder de Deus (cf 1Cor 1, 18ss), mais forte que a morte!
PÁSCOA DO SENHOR
Hoje, vivemos num mundo confuso com relação aos valores da vida, em seus mais diversos níveis – cultura, educação, ciência, economia, política, relações internacionais, religião e também com relação à própria natureza. Estamos inseridos numa sociedade atordoada diante dos valores transcendentes. Participamos de uma civilização descrente de um futuro melhor, de uma autêntica salvação, longe dos valores do Reino e da humanidade nova que Cristo anunciou e quis constituir. Cabe-nos perguntar: o que falta, hoje, à Páscoa de Cristo? O que é preciso para que a Ressurreição de Jesus possa renovar e transformar o mundo e os homens? Neste tempo de tanta violência e ódio, fartamente noticiados pela mídia, queremos anunciar que o perdão e o amor são possíveis. Aos que crêem em Cristo, desejamos lembrar o compromisso de construir um mundo novo, ou seja, a civilização da vida e do amor. Como gostaríamos que a Boa Notícia fosse largamente anunciada, levando todos a lutar e viver tempos novos!
Mas, infelizmente, ainda hoje nos deparamos com crianças abandonadas, desnutridas ou prostituídas, filas intermináveis de pessoas à porta dos hospitais, buscando soluções para a saúde, desespero diante da falta de dignidade a que tantos são submetidos, pais aflitos perante às dificuldades de seus filhos sem comida e escola, chefes de família desempregados (pois a sociedade da produção os relega), mães que choram a violação de suas filhas ou a morte violenta e inesperada de seus entes queridos. Diante desse quadro tem-se a tentação de cruzar os braços, acostumar-se com o mal e não lutar pelo bem.
Como a alguns discípulos – que desolados deixaram a alegria e a coragem das origens e foram para os vários Emaús da desilusão – faltar-nos-á saber com exatidão o que aconteceu em toda a Jerusalém (cf Lc 24, 18)… Talvez seja preciso deixar que a Palavra de Deus nos aqueça, quando a ouvimos na Eucaristia ou a escutamos na intimidade de nosso coração ou a sentimos viva em nossa experiência de seguimento pessoal ao Verbo de Deus. Quem sabe será necessário tornar-se seu discípulo, aprendendo com Ele, como os companheiros da estrada de Emaús, e assim senti-lo caminhar conosco, mesmo aparentemente desconhecido, antes do partir do pão. Faltar-nos-á, talvez, a certeza da fé para viver e anunciar com alegria e confiança o kerigma: Vós não precisais ter medo. Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui. Ressuscitou como havia dito (Mt 28, 5). É necessário levar para a vida de cada dia, os frutos da Páscoa, sentidos e descobertos, na Eucaristia de cada domingo. Será indispensável estar abertos e atentos aos outros, num serviço de lava-pés, partilhando com eles o pão e tornando-nos pão repartido para a vida do mundo…
Se estas lacunas forem preenchidas e se a Ressurreição de Jesus transformar nosso coração e nossa consciência, todas as nossas palavras, atitudes e ações levarão a marca do Ressuscitado e da vida nova às pessoas ao redor de nós. Não podemos viver na ignorância, na confusão, na incerteza ou na indiferença, como se Cristo não tivesse ressuscitado. Temos a oportunidade de reconhecê-lo, na Eucaristia de cada domingo, na fração do pão. Com a Ressurreição de Jesus, Deus mostra que pode e quer salvar os homens, vencer a dor e o sofrimento, dando origem a um mundo novo. A Páscoa de Jesus é também a nossa. Ela é indiscutivelmente a festa da nova criação. Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? (Lc 24, 5). Falemos de quem vive, do Senhor da Vida e de tudo aquilo que é renovação do homem e do mundo.
Mesmo que as nossas palavras, comportamentos e atitudes pareçam um desvario – como consideraram as expressões das mulheres que foram ao sepulcro – não podemos nos deixar corromper, como os guardas do sepulcro, continuando a procurar mortos e túmulos vazios. Celebrar a Ressurreição de Cristo é sentir a presença de Deus, que veio morar conosco e desceu ao nível mais profundo das situações humanas a fim de anunciar e convencer a todos que temos a vida em abundância. Jesus veio trazer a certeza da possibilidade de viver em fraternidade, colaborando uns com os outros, sentindo o próximo como irmão.
OS SÍMBOLOS DA PÁSCOA
OS OVOS DE PÁSCOA
Na antiguidade, os egípcios e persas costumavam tingir ovos com cores da primavera e presenteá-los aos amigos. Para eles o ovo simbolizava o nascimento. Por isso acreditavam que a Terra nascera de um ovo gigante. Os cristãos primitivos do Oriente foram os primeiros a dar ovos coloridos na Páscoa, simbolizando a Ressurreição, o nascimento para uma nova vida. Nos países da Europa costumava-se escrever mensagens e datas nos ovos e presenteá-los aos amigos. Na Armênia, decoravam ovos vazios com figuras de Jesus, Nossa Senhora e outros motivos religiosos.
Os ovos não eram comestíveis, como se conhece hoje. Era mais um presente original simbolizando a Ressurreição como início de uma vida nova. O ovo simboliza a vida imanente, oculta, misteriosa que está por desabrochar. A este simbolismo recentemente associou-se o chocolate, que representa força e energia. Os bombons e ovos, como conhecemos, surgem apenas, no século XX.
OS COELHOS
A tradição do coelho da páscoa foi trazida para a América pelos imigrantes alemães em meados do século XVIII. No Egito antigo, o coelho simbolizava o nascimento, a vida. Em outros pontos da terra era símbolo da fertilidade, pelo grande número de filhotes que nasciam. Eles também têm haver com a vida e a vida em abundância que Cristo veio trazer (Jo 10, 10). Cristo, para o cristianismo, é essa vida nova inesgotável e abundante.
O FOGO
No Sábado Santo a celebração é iniciada com a bênção do fogo, chamado de fogo novo. Os agricultores ainda hoje utilizam o fogo para limpar o terreno destinado ao plantio. Nesse caso o fogo destrói as ervas daninhas e tudo aquilo que prejudica ou impede a plantação. Em grandes incêndios florestais o fogo aparece como uma força destruidora e, às vezes, incontrolável. No simbolismo religioso Cristo é esse fogo que veio limpar o mundo do pecado, da angústia, do ódio, pregando o amor, a esperança e a paz, bem como instaurando o Reino de Deus (Mt 3,11; Mt 13,40; Lc 12,49; Hb 12,29)
O CÍRIO PASCAL
O Círio Pascal é aquela grande vela decorada, sendo a cruz o desenho central. Aqui novamente o fogo é o elemento principal. Além dos significados anteriormente relatados, o fogo também é usado para iluminar. Quando falta luz em nossa casa, a vela é talvez o recurso mais comum e mais prático.
O círio lembra-nos também a coluna de fogo que precedia o povo hebreu na caminhada, pelo deserto, em busca da Terra Prometida. Ele é símbolo de Cristo Ressuscitado. Eu sou a luz mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8, 12b).
O Círio tem gravada uma cruz. Nas extremidades superior e inferior da haste vertical, estão escritas as letras gregas Alfa () e Ômega (simbolizando a eternidade de Cristo, o princípio e o fim de tudo; o ontem e hoje. O tempo é representado pelos algarismos do ano em curso, gravados nos quatro ângulos da cruz. Sobre ela são colocados cinco grãos de incenso, simbolizando as chagas de Jesus.
A ÁGUA
Na celebração da Vigília Pascal, acontece a bênção da água que será utilizada nos batismos durante o ano. Em nossa vida diária, utilizamos esse bem precioso para matar nossa sede, para limpar nosso corpo, fazer comida etc. A água é também alimento principal das plantas e meio de vida dos animais aquáticos. Ela também pode ser sinônimo de destruição, como acontece nas grandes enchentes. Para o cristianismo, Cristo é a verdadeira Água, a Água da Vida que sacia o homem. Quem beber dessa água, jamais terá sede (Jo 4, 14), disse Cristo à samaritana.
O CORDEIRO
O cordeiro é o símbolo pascal mais conhecido. No Antigo Testamento, a Páscoa era celebrada com os pães ázimos (sem fermento) e com o sacrifício de um cordeiro como memória da libertação do povo de Deus da escravidão do Egito. No Novo Testamento, Cristo é o Cordeiro de Deus imolado para a nossa libertação. É a nova Aliança de Deus realizada por seu Filho com toda a humanidade.
No passado, o sangue de cordeiro sacrificado no Templo, serviu para aspergir as portas dos hebreus, identificando-os e livrando da morte os seus primogênitos, perseguidos por Herodes. Foi o sangue de Cristo, o Cordeiro de Deus, que nos salvou da morte e do pecado.
João Batista, junto ao Jordão, vê Jesus e aponta-o: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1, 29 e 36). Isaías chama-o de cordeiro levado ao matadouro (Is 53, 7). Também o Apocalipse apresenta Cristo como cordeiro imolado (Ap 5, 12; 13, 8).
AS VESTES BRANCAS
As vestes de Cristo na Transfiguração (Mt 17,2) se tornaram brancas e resplandecentes. Na Ressurreição, Marcos diz que Maria Madalena encontrou no sepulcro um jovem com roupas brancas. Os primeiros cristãos eram batizados com roupas brancas, como acontece ainda hoje com as crianças.
O branco simboliza a pureza, a paz e ao mesmo tempo a plenitude. Em Cristo não há mais espaço para o pecado. Com Ele e por Ele tudo é pureza e brancura.
O PEIXE
Na era das perseguições, os Cristãos não podiam citar publicamente o nome do Senhor Jesus. Começaram, então, a recorrer à palavra peixe em grego, pois cada letra corresponde às iniciais da frase: Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. Em suas casas e roupas, pintavam a figura de um peixe como profissão de fé em Jesus Cristo Ressuscitado. Jesus, em suas aparições, serve-se de peixe e oferece-o aos Apóstolos. Daí a associação do peixe ao tempo Pascal.
O PELICANO
Simboliza o sacrifício de Cristo na Cruz. Conta-se que para alimentar seus filhotes famintos, ele rasga o próprio peito e dá-lhes a sua própria carne. Lembra o gesto de Cristo que oferece sua própria Carne, na espécie do Pão, para alimentar os seus irmãos. Santo Tomás de Aquino chama Cristo de Divino Pelicano.
O TRIGO E AS UVAS
Apesar de triturado, o trigo não é destruído. Mesmo esmagadas, as uvas não perdem sua força. Pelo contrário, transformam-se em pão e vinho, os dois alimentos mais importantes para a vida dos judeus no tempo de Jesus. Jesus também, como nos diz Isaías (53, 7ss), foi pisoteado e moído, mas continua a ser a força do seu povo.
O GIRASSOL e outras flores amarelas e brancas expressam o ouro da realeza de Cristo e a paz por ele conquistada. O girassol tem significado especial, pois como sua corola se volta para o sol, nós devemos nos voltar para o Cristo Ressuscitado, nossa Luz.
A CRUZ.
Todas as religiões têm seu símbolo visual (hoje chama-se logomarca) que identifica seus aspectos ou momentos importantes de sua história ou crença. O cristianismo adotou a cruz, que é símbolo da Paixão e da Páscoa. Já a partir do sec. II, os cristãos desenhavam, pintavam e gravavam a cruz como sinal visual de sua fé. Pela morte de Cristo fomos resgatados por Deus do pecado e da morte. A cruz mistifica todo o sofrimento de Cristo e sua Ressurreição. Por isso, no Concílio de Nicéia em 325, Constantino, por decreto, declarou a cruz símbolo oficial do cristianismo.
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