O tema da identidade presbiteral no contemporâneo tem sido objeto das minhas reflexões pessoais (cf. https://www.arquidiocesedenatal.org.br/post/o-presb%C3%ADtero-no-mundo). A teologia da crise também envolveu, como reflexo das grandes transformações culturais que surgiram com o final da modernidade para o início da pós-modernidade, como sinal do protagonismo do sujeito como medida de todas as coisas, e suas consequências tecnológicas e sistêmicas, a pessoa dos sacerdotes que sempre tiveram uma importância capilar na história do cristianismo e para a formação da civilização ocidental.
Com isso, a Igreja terá a preocupação de dar respostas condizentes com os desafios que surgem nesta Era de transformações. O grande evento que será referência neste contexto, foi o Concílio Vaticano II. Além de tantas enumerações nos vários documentos conciliares concernentes à pessoa do presbítero e sua missão no mundo atual, haverá um dedicado exclusivamente a esse ator eclesial, que será: (cf. Presbyterorum Ordinis). A leitura e sua hermenêutica são necessárias para os que desejam recepcionar os ensinamentos conciliares sobre a identidade do presbítero na atualidade. De lá, para cá, contudo, tantas outras construções teológicas foram desenvolvidas; mas sempre em sincronia com as ponderações do fato eclesial.
Com uma motivação muito salutar e santificante, nesta segunda feira, vinte seis de dezembro de dois mil e vinte dois, com esses sentimentos e pensamentos presbiterais, fui pagar uma promessa feita por um irmão de presbitério, que quando da minha gravíssima enfermidade, causada pelo Coronavírus, que quase levou-me a óbito, firmou que caso eu escapasse, iriamos visitar e rezar junto ao túmulo do Monsenhor Expedito Sobral de Medeiros. E assim fizemos, juntamente com mais dois companheiros de presbitério. Desde já, devo registrar que foi uma jornada de fraternidade e partilhas de vida. Muitas percepções pessoais sobre a hodierna conjuntura social e eclesial foram compartilhadas e rezadas tendo em vista o bem comum e as tantas prospectivas do cenário que envolve a todos nós.
Dentre tantos sinais, que já na entrada da cidade da qual o Levita do Senhor foi servidor durante tantos anos, aos quais tivemos a oportunidade de contemplar, um me chamou a atenção, tendo em vista o que me proponho neste breve escrito, que é relacionar a pessoa do Monsenhor Expedito, que pastoralmente se antecipou aos desígnios do Vaticano II. Trata-se de uma descrição que o profeta faz de algo que aconteceu nas primícias do exercício do seu ministério e que o tornou inquieto diante dos sofrimentos do seu povo. Aqui vai o dizer: “Na seca de cinquenta e oito, um cassaco me fez este apelo: ‘Seu vigário, tire nós dessa escravidão’. Fiquei com o problema da água me roendo. Decidi-me pelo resto da vida”. Logo que li essa passagem, me lembrei do que nos ensina o Concílio:
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história (cf. Gaudium et Spes, 1).”
O presbítero é chamado a ser um homem de compaixão. A questão aqui não é preenchida de sentimentalismo, nem emotivismo pueril. A raiz está no Mistério Redentor de Jesus Cristo, o que veio para salvar o povo de Deus, não só dos seus pecados pessoais; como também de tudo o que é expressão destes no ordenamento social. Com o que nos é posto pelo Concílio e o que sentimos do testemunho dado pelo próprio Monsenhor, podemos entender todo o dinamismo apostólico vivido por aquele sacerdote. Isso é algo a ser redescoberto, não só sobre a sua pessoa; mas ainda por tantos outros que fizeram história em nossa Arquidiocese de Natal. A nossa Igreja Particular necessita urgentemente fazer memória destes fatos e testemunhos presbiterais.
Com o movimento “retrópico”, que é percebido nos vários recantos deste nosso imenso Brasil, se faz importante um ‘estudo de campo’, especialmente aqui por nossas paragens, destes casos emblemáticos da nossa Igreja; com a finalidade, não de cairmos em saudosismos, mas de revermos algumas posturas, que condizem sim, com o que está sendo ‘exigido’ pelo mundo contemporâneo acerca do papel dos novos ministros ordenados. Além do Cura do Potengi, em nossa Arquidiocese, temos muitos outros patriarcas regionais que foram visionários e, o que é extremamente relevante, sem se desviarem dos ensinamentos do evangelho e do pensamento social da Igreja.
Há, com muita frequência, o questionamento do porquê está a nos faltar referências proféticas na Igreja do Brasil de hoje. Tenho a convicção que o profetismo na Igreja acontece quando tentamos ser fiéis ao evangelho. Como quaisquer outros cristãos, nós, presbíteros, somos chamados a ser “livres e fiéis, em Cristo, por amor ao evangelho”. Nesta visita à casa do nosso grande Monsenhor, voltamos com essa certeza. Aquele membro do nosso presbitério, assumiu com radicalidade, mas sem radicalismos, a passagem do evangelista, que diz: “O Espírito do Senhor me consagrou para evangelizar os pobres” (cf. Lc 4,18). O Padre Expedito se fez pobre com os pobres. Não tinha a preocupação de ser uma figura aristocrática, marcada pela mentalidade de príncipe e devaneios megalomaníacos. Era realista e contemplativo, intelectual e místico de “olhos abertos”.
Nos dizeres, falas e comportamentos do sacerdote estava patente a sua proximidade com o seu povo. Segundo o Papa Francisco, esse deve ser o ‘estilo’ dos presbíteros de hoje. O perfil é o da “proximidade”, com quatro Outros: Deus, Povo, Bispo e Presbíteros. Em meio a tudo isso, algumas preocupações, assim como no passado, devem fazer parte da mentalidade dos padres atuais. Dentre tantas, a mais importante é com a ‘formação permanente’, na linha pedagógica que a própria Igreja propõe para os tempos atuais. De acordo com os que conviveram com o Profeta das Águas, ele era homem da centralidade eucarística em sua vida, a comunhão presbiteral, a alegria e a conciliação...etc.
Por fim, me recordo de um fato peculiar das poucas vezes em que ouvi falas do Monsenhor. Foi numa despedida de um irmão do nosso seminário que estava sendo enviado, pelos idos do final dos anos noventa, para dar continuidade aos seus estudos teológicos na Cidade Eterna. Assim se expressou o sacerdote: “Caro filho, se for para Roma, mas não buscar a ‘santidade’, é melhor que nem vá...!”. Nunca esqueci daquela fala. É isso! O Padre Expedito, assim como outros de então, foi um presbítero fiel à verdade do evangelho; por isso, pode ser lembrado como um genuíno padre conciliar, que precisa ser conhecido não só pelo que pensou, mas acima de tudo pelo que testemunhou. Assim o seja!
Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de S. Afonso M. de Ligório/Natal-RN
Mestre em Teologia Moral/Gregoriana