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ARTIGO - Questões eucarísticas e pastorais


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Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal


“A Igreja vive da Eucaristia” (cf. Ecclesia de Eucaristia). Essa afirmação de São João Paulo II é cirúrgica. Podemos segui-lo dizendo que a Igreja é a Eucaristia. Uma comunidade cristã carente deste sacramento tem dificuldades de auto-compreender-se, na sua identidade mais profunda e objetiva. Ou também, quando não há uma clara e evidente consciência, a partir da fé, do seu valor enquanto “sacramento do amor, há também carência de aprofundamento acerca do seu pleno significado. Falta o vínculo da unidade e a harmonia mística. O sustento mistagógico da dimensão objetiva do mistério pascal de Jesus Cristo é a Santíssima Eucaristia. Nos ensina o Catecismo da Igreja Católica que “a Eucaristia é fonte e ápice de toda a vida cristã. Os demais sacramentos, assim como todos os demais sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Pois a santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa” (cf. CIC, 1324). Na consideração destas questões teológicas, proponho-me a trazer algumas problemáticas pastorais, a saber:


1-Práticas simoníacas: a simonia é definida pelo Catecismo “como a compra ou a venda de realidades espirituais”. Com as referências bíblicas de At 8,20 e Mt 10,8, o Compêndio ainda afirma que “é impossível apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se em relação a eles como um possuidor ou dono, pois a fonte deles é Deus. Só se pode recebê-los gratuitamente dele” (cf. CIC, 2121). Os sacramentos são canais da graça de Deus. São os meios objetivos, sinais pelos quais a sacramentalidade da Igreja é confirmada na existência cristã dos fiéis. De graça recebidos, de graça devem ser conferidos. Essa consciência deve existir, tanto da parte dos ministros ordenados, quanto por parte dos fiéis. O uso indevido destes dons, por parte da instituição já foi objeto de sérios problemas na história da Igreja. Basta recordar das críticas luteranas pela venda das coisas sagradas à obtenção de dinheiro, no final da idade média para o início da modernidade. A nossa prática pastoral concernente a este tipo de atitudes precisaria de uma avaliação, aprofundamento teológico e urgente conversão. Com o desenvolvimento e as possibilidades organizacionais que nos são oferecidos pelo mesmo povo de Deus, principalmente com a devolução do dízimo, já temos caminhos que nos possibilitam uma reflexão evangélica e eclesial acerca de como podemos superar determinadas práticas, que não condizem com o que somos chamados a ser e a testemunhar.

2-Missas de cura: há anos que o modo de celebrar as missas, com a qualificação de que são “missas de cura”, tem ganhado força em muitas Igrejas Particulares do Brasil. Esses eventos atraem multidões. Há grandes participações, com efeitos à autorreferencialidade e possibilidades econômicas para muitos. As pessoas necessitam de tantas curas: pessoais, corporais, e sociais. A nossa sociedade está vivendo picos de doenças mentais, nunca antes percebidos. Os efeitos pós-pandêmicos agravaram a situação. Os desafios das doenças psicológicas estão a bater às portas de todos os sujeitos sociais e institucionais. Em cenários como estes, falar de ‘cura’ tem um efeito imediato. Ao invés de trabalharmos a partir de uma antropologia condizente com os elementos de uma autêntica ‘espiritualidade cristã’, arraigada num realismo que nos leva a uma antropologia teológica do natural integrado ao sobrenatural, de uma abertura à graça, que pressupõe à nossa natureza, com o fundamento bem atualizado pela Igreja (cf. Gaudium et Spes, 22), estamos a preferir seguir o caminho do imediatismo, da alienação e das promessas que negam as condições antropológicas reais, históricas e transcendentais da condição humana. Podemos cair na tentação de sermos “padres, mágicos e homens de medicina”, como já escrevi em outro contexto (cf. https://www.arquidiocesedenatal.org.br/post/o-padre-mgico-e-homem-de-medicina). Quem não necessita de curas, em nossos dias? Jesus curava. Mas os seus sinais eram consequência da sua filiação divina. Tudo era dom; era graça. Havia a confirmação do aqui e agora do Reino de Deus.

3-Relativização eucarística: a consequência destes sinais que percebemos amiúde em muitas Igrejas Locais é a relativização, ou ‘coisificação’, do profundo significado dos sacramentos. Junto com a cultura pós-cristã e que duvida da necessidade da Igreja, como ‘comunidade de salvação’, estamos contribuindo com o secularismo que já tragou a Igreja na Europa e que mordisca a que está na nossa América Latina. Com a ‘ditadura do relativismo’, como nos descrevia o teólogo Ratzinger, temos dado contributos explícitos, a partir das ações que renegam a Eucaristia como “misterium fidei” da Igreja. Relativizar a Eucaristia é surfar pelas ondas líquidas da Era da pós-verdade. Por problemas de fé, ou percepções teológicas deficitárias, o manuseio da Eucaristia com sombreios ativos e epistemológicos do que ela representa à vida da Igreja, enquanto “povo fiel de Deus”, como gostava de qualificar o Papa Francisco, pode trazer desconstruções à sua própria sacramentalidade e pastoralidade. A Eucaristia é o seu coração pulsante no tempo e no espaço de cada Era. A sua instrumentalização desqualificada pela ausência de fé, amor e esperança no que ela é para a configuração da identidade católica, sempre será algo danoso e preocupante à razão de ser da comunidade eclesial.


4-A falta da Eucaristia: outra questão delicada e que é desafiadora, não só para os povos amazônicos, é a falta da celebração eucarística para muitas das nossas comunidades eclesiais. Ainda há a preocupação de proporcionarmos a celebração para muitas delas. Contudo, em plena sintonia com as preocupações pastorais do Concílio Vaticano II (cf. Dei Verbum, cap. VI), se não conseguimos fazer com que esse direito seja salvaguardo para todas, por falta de presbíteros, precisamos fomentar que o ‘Pão da Palavra’, através da celebração da palavra, chegue e aconteça em todas elas. Assim como temos ministros extraordinários da comunhão eucarística, necessitamos constituir Ministros Extraordinários da Palavra, dentro dum “Projeto Missionário - arquidiocesano, continental -Paradigmático e Programático” (cf. https://www.vatican.va/content/francesco/2013), que favoreça o anúncio da “Alegria do Evangelho” permanentemente em todas as realidades geográficas e existenciais da nossa Arquidiocese. Nessa síntese do documento de Aparecida, apresentada pelo Papa Francisco aos Bispos do CELAM, ainda temos uma bússola preciosíssima ao que necessitamos para construção sinodal do nosso Projeto Missionário Pastoral da Arquidiocese de Natal. Vale apostar e ousar.


Por fim, situados e mobilizados eclesialmente pelo chamamento do nosso Arcebispo, Dom João Santos Cardoso, ao nosso primeiro sínodo arquidiocesano, com as considerações destas preocupações pastorais concernentes à Eucaristia, retomo a proposta da vivência do ‘Congresso Eucarístico Arquidiocesano’. A profundidade mistagógica e eclesiológica acerca da Verdade sobre a Santíssima Eucaristia sempre será a nossa maior força para toda e qualquer iniciativa pastoral. A Igreja Particular de Natal é banhada pelos sangue dos Protomártires do Brasil, que deram a vida por Jesus Eucarístico. Somos herdeiros desta história rica de testemunho e coragem evangélica. Sigamos em frente, com amor e devoção, sendo sempre capazes de dizer com a alma e com o coração: Louvado seja o Santíssimo Sacramento! Assim o seja!

 
 
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