ARTIGO - Bíblia: tudo o que está escrito é Palavra de Deus, mas nem tudo que Deus falou está escrito
- pascom9
- 16 de set.
- 2 min de leitura

Por Pe. Rodrigo Paiva Pároco da Paróquia de Santa Luzia - Boa Esperança - Natal
A afirmação segundo a qual “tudo o que está escrito é Palavra de Deus, mas nem tudo que Deus falou está resguardado nas páginas sagradas” abre espaço para uma reflexão necessária sobre a relação entre Sagrada Escritura e Tradição. A Constituição Dogmática Dei Verbum recorda que “a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja” (DV 10). Isto significa que a revelação divina não se esgota na letra escrita da Bíblia, mas encontra sua plenitude na viva transmissão eclesial, guiada pelo Espírito Santo. O próprio evangelista João adverte: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas fossem escritas uma por uma, penso que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever” (Jo 21,25).
Nesse horizonte, a Palavra de Deus deve ser acolhida como um evento vivo, que ultrapassa os limites do texto. O então Cardeal Joseph Ratzinger, ao refletir sobre o sentido da revelação, destaca que “a Palavra de Deus é maior do que a Escritura; por meio da Escritura, ela se faz presente, mas não se deixa aprisionar” (RATZINGER, A Palavra de Deus na vida da Igreja). O risco de uma leitura meramente literalista ou legalista consiste em reduzir o Mistério Divino a uma norma escrita, esvaziando a sua força de interpelação e novidade.
O magistério da Igreja convida insistentemente a superar tal postura. Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, afirma: “Não nos é suficiente uma leitura meramente informativa ou utilitarista da Palavra; precisamos deixar-nos ferir por ela, para que toque a nossa vida” (EG 174). Assim, a escuta atenta, orante e obediente é condição essencial para que o fiel possa discernir a voz de Deus, que fala tanto pela Escritura quanto pela Tradição viva da Igreja, sustentada pelo Magistério.
São Jerônimo (347-420 d.C.), o grande tradutor da Vulgata, já advertia: “Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo” (Prólogo ao Comentário de Isaías, IV séc). No entanto, não se trata de reduzir a fé à letra, mas de permitir que, através dela, o Cristo vivo se revele. A Tradição, enquanto transmissão fiel da Palavra, garante a interpretação autêntica e a continuidade da fé apostólica, como bem recorda o Concílio Vaticano II: “Esta Tradição, que vem dos Apóstolos, progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo” (DV 8).
Diante disso, impõe-se à comunidade cristã um apelo: não basta ler superficialmente a Escritura como um compêndio de normas ou de informações históricas. É necessário um verdadeiro exercício de escuta espiritual e integral, em atitude de fé e de abertura ao Espírito, que continua a falar através da Igreja e da vida dos fiéis. A Palavra de Deus é viva e eficaz (Hb 4,12), e só encontrará ressonância quando for acolhida em profundidade, iluminando o coração, inspirando a prática e transformando a vida.








