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ARTIGO - A urgência das novidades

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Por Pe. Matias Soares

Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório – Conj. Mirassol - Natal

 

A Arquidiocese de Natal está em fase de elaboração do seu novo plano pastoral. Quando falamos de novo, não estamos aventurando-nos em negar o antigo, nem ofuscá-lo com as nossas projeções. Somos conscientes de que o protagonista da vida da Igreja é o Espírito Santo, que renova e atualiza todas as coisas. Contudo, precisamos ser fiéis aos ensinamentos do nosso único Mestre, O qual nos ensina que “ninguém põe vinho novo em vasilhas de couro velhas, porque assim as vasilhas se romperiam, o vinho se derramaria e as vasilhas se estragariam. Vinho novo se coloca em vasilhas novas, e assim os dois se conservam” (cf. Mt 9, 17). A Igreja, já nos grandes movimentos pré-conciliares - ecumênico, litúrgico, bíblico - assumiu a necessidade de uma “nova teologia” - nouvelle théologie - à fase preparatória do Concílio Vaticano II. A fonte dessa novidade era o retorno às fontes da Tradição Viva da Igreja, especialmente à teologia dos Santos Padres dos primórdios do cristianismo. O que temos considerado em nossas linhas reflexivas e propositivas é a justa hermenêutica de um único sujeito eclesial que, graças à essa Tradição, tem a sua continuidade histórica, nem para no tempo e no espaço; mas está acontecendo como um “Ser, no Tempo”. A Igreja é a expressão do mistério trinitário e manifestação do “fenômeno humano” (cf. Teillard de Chardin). Não pode ficar estagnada e aferrada aos nominalismos fosseis.

 

O teólogo Adolf von Harnack, na sua obra “o que é o cristianismo”?, fazendo uma análise sobre “a essência do cristianismo”, pondera que “há palavras que podem ser consideradas clássicas e válidas para todos os tempos, mas a linguagem que lhes serve de suporte dá-lhes limitações reais. As personalidades espirituais são menos susceptíveis, em geral, de ser representadas de modo a anular o sentimento de limitações, e com elas o sentido de algo estranho e não convencional. Tal sentimento aumenta com o passar do tempo”. Desta forma, afirma o teólogo que “o historiador, então empenhado em determinar o que lhe parece de supremo valor, não pode se prender a palavras, mas ao essencial (...) A história da Igreja nos mostra que o ‘cristianismo primitivo’ teve que desaparecer para que o ‘cristianismo’ permanecesse. Assim, passou por diferentes metamorfoses até hoje. No começo queria se libertar de fórmulas, de expectativas coercitivas, alterando modos de sentir,, num processo infindo. Ao levar em consideração toda a história, desde o começo, aprimoramos os padrões que determinam o essencial e os verdadeiros valores” (cf. Pág. 30).  Por sua sacramentalidade, a Igreja não pode ser acorrentada, por conveniências ideológicas e interesseiras, ao simples tradicionalismo. A sua pastoralidade necessita assumir novas formas e linguagens que a situem contextualmente. A relação entre Cristo e a Igreja, pela via da Tradição Viva, é um elemento garantidor que, longe de dispensar o valor da Igreja Local e, neste nosso caso, a Arquidiocese de Natal, nos legitima para que possamos sonhar e esperançar, sim, por um “Novo Movimento de Natal”.

           

            Ainda com a sua percepção da história, a partir do paradigma teológico, o pensador luterano afirma que “a história apenas conta como as coisas foram. Até mesmo quando temos mais luz sobre o passado, e o entendemos e criticamos, não devemos presumir que com a ajuda de processos de abstração poderemos fazer juízos absolutos a partir de resultados obtidos por meio de pesquisas puramente históricas. Tais julgamentos resultam do sentimento e da vontade. São atos subjetivos. A falsa noção de que a compreensão pode produzi-los vem de uma época ultrapassada em que se acreditava que tudo poderia ser obtido por meio do conhecimento”. Segue racionando o autor com a declinação de que “achava-se que se satisfazia, assim, todas as necessidades da mente e do coração. Mas essa tarefa era impossível. Trata-se de uma verdade muito pesada. Que coisa desesperante seria para a humanidade se a paz suprema que tanto busca, bem como a clareza e a certeza pelas quais se debate, fossem dependentes do aprendizado e do conhecimento” (cf. Idem, pág. 32).  Na linha filosófica e teológica, temos as condições epistemológicas de atualizar o Movimento de Natal naquilo que conferiu-lhe identidade e dinamismo eclesiais. Como somos um único sujeito eclesial e inseridos numa única catolicidade, podemos trazer ao terceiro milênio, com os princípios do Pacto Educativo, proposto pelo Papa Francisco, na sua recepção com um Pacto Educativo Estadual, o fomento de novas iniciativas que configurem um possível “Novo Movimento de Natal”, como uma causa apaixonada e evangélica pela promoção do bem comum e da justiça social em várias frentes de atuação.  

 

O teólogo Karl Rahner tratando das “Missões Proféticas e a Igreja” afirmava que “a Igreja encontra-se sempre perante novas missões. Perante aquelas que lhe são proporcionadas pelo desenrolar da história, e perante as que são dadas pelo próprio Deus, pois Ele quer que a sua Igreja cresça, e se mostre a riqueza da sua vida oculta em formas e figuras sempre novas” (cf. “Graça divina em abismos humanos”, Pág. 143). Por isso a Igreja Particular de Natal necessita e pode fazer valer a memória do que foi, por exemplo, o Movimento de Natal, que num contexto específico teve a sua importância e continua a ser para nossa Igreja Local e à Igreja no Brasil um referencial eclesiológico e metodológico. Contudo, urge que tenhamos “Um Novo Movimento de Natal” e através dele a renovação das nossas práticas pastorais no processo de evangelização na ‘cultura pós-moderna’, nesse “admirável mundo novo” (cf. Aldous Huxley). Sem ‘dessacralizar’ o saudoso e antigo Movimento de Natal, que, para todos nós é um evento interpelador,  precisamos seguir a “Fenomenologia do Espírito”, e aqui reitero que a minha direção está justamente com a base teórica do filósofo G. W. F. Hegel, quando assumo a provocação dirigida ao que a Igreja de Natal pode assumir como uma ‘possibilidade’ de fazer emergir das suas entranhas um “Novo Movimento de Natal”, com novo ardor e entusiasmo, com sua legitimidade eclesial impulsionada pela proposta do “Pacto Educativo Global”, alinhado à Doutrina Social da Igreja. Devemos ter presente o mais profundo reconhecimento da grandiosidade do Movimento de Natal; todavia, precisaríamos sonhar com o seu possível ‘rejuvenescimento’ teórico e metodológico. Longe de desconsiderar, podemos justamente fazer jus a sua memória.

 

Por fim, que tenhamos um profundo discernimento espiritual e eclesial para sentir os sinais dos novos tempos, que devem nos questionar intimamente, eclesialmente e estruturalmente. Temos que considerar que estamos imersos num drama antropológico. É tempo de pós-humanismo e de uma grande mudança de época. É uma fase de transumanismo e de revolução em curso causada pela inteligência artificial. Não podemos perder tempo com querelas que intentam reforçar o ‘status quo’. Temos que ter clareza, não só do que somos, mas de como podemos existir neste momento crítico da história. A ação missionária da Igreja é qualificada pelo Kairós - tempo qualificado, situado e plenificado de Deus. A Igreja de Natal deveria viver um Novo Movimento de Natal para ser, deveras, essa “velha senhora que sempre rejuvenesce-se”. Há quem não queira, não aceite e não ame. Isso também tem feito parte dos movimentos retrópicos da história. Temos o desafio dos afetos daqueles que aderem e lutam por grandes causas. Com o Pacto Educativo Estadual teremos que abraçar grandes sonhos e projetos. Precisamos ser apaixonados pelas motivações do Reino de Deus. Sem a conversão a este Projeto, não conseguiremos ser sal da terra e luz nesta nova ordem planetária, com suas sombras e esperanças. Não deixem que nos tirem a Esperança. Assim o seja!

 

 
 
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