ARTIGO - A paixão pela educação
- pascom9
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Pe. Matias Soares
Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
O mundo vive as comoções pelo falecimento do Papa Francisco. O seu legado continua a ser fonte de esperança e questionamentos à muita gente, seja cristão católico, ou não. A sua fidelidade ao Evangelho o faz transcendente às construções das ideologias e idolatrias contemporâneas: o dinheiro, o poder, o consumismo e os narcisismos impostos pela cultura hodierna, forjada pela força massificante dos meios de comunicação e a lógica do mercado. Somos obrigados a pensar o desenvolvimento da educação em consonância com estes paradigmas. Uma educação que é objeto só da obtenção de lucros, das carreiras profissionais de visibilidade social, da colonização e da negação da condição humana, na sua mais profunda dignidade, não é suficiente para tornar o ser humano feliz e realizado vocacionalmente. Ao invés de promover, degrada e aliena. Violenta o verdadeiro horizonte das pessoas, colocando-as em situação de objetos, e não de sujeitos da sua história individual e coletiva.
A educação é o caminho para liberdade. Não há nada mais libertador do que a relação permanente com a mesma. Quando assumimos a paixão por ela, nos libertamos e nos tornamos capazes de proporcionar a autonomia das pessoas com quem nos relacionamos. Através dela, não vendemos sonhos; mas os fazemos possíveis, na mente, no coração e na existência. Nos colocamos em situação de promotores da “cultura do encontro”, como tanto nos ensinou e pediu o Papa Francisco. Aquela cultura que nos capacita integralmente, enquanto pessoa humana, constituídos corporalmente, psicologicamente e espiritualmente, para a vivência da verdadeira realização pessoal que, por sua vez, nos abre à fraternidade, que começa desde a realidade na qual existimos até às possibilidades universais para as quais temos que nos voltar com senso de comprometimento pelo bem comum. É no aqui e agora que a educação deve gerar inclusão e reconhecimento da dignidade de cada ser humano.
O Papa Francisco tinha consciência disso. Assumiu a bela tradição cristã católica, que sempre viu a necessidade da integração entre a fé e a razão. Como filho espiritual de Inácio de Loyola, tinha convicção que a educação nos faz contempladores da realidade na ação. Diferente do olhar que enxerga a criação, só e somente só, como objeto de conhecimento, Francisco nos mostrou que a relação da pessoa humana com àquela nos faz ecologicamente integrados com a nossa Casa Comum (cf. LS, cap. IV). Nos princípios norteadores do “Pacto Educativo”, vemos essa interconexão: desde o reconhecimento da dignidade humana até a urgência do cuidado com essa realidade criada como dom Deus, percebemos que existe a intenção de nos mostrar que tudo passa pelo processo de conversão pessoal àquela ecológica. Esse dinamismo exige “Educação”, como uma forma de cultivo do “fenômeno humano” para um desenvolvimento continuado e respeitoso de toda forma de Vida, que torne possível a sustentabilidade e a justiça social para todos os povos.
A compreensão e os passos qualitativos para que a educação seja deveras um bem a ser buscado e garantido para todos exige uma paixão – páthos – que nos leve, enquanto seres humanos, a fazermos uma aliança pela conquista deste direito humano fundamental (cf. Declaração Univ. dos Direitos Humanos, arts. 26-27). Os desafios históricos e estruturais são tremendos. Podemos detectá-los em breves diálogos com educadores e demais envolvidos no processo de ensino aprendizagem. A falta de vontade política é, sem dúvida, um dos piores inimigos da educação. Quem domina sem compromisso com o bem da sociedade, não se empenha a ver um povo esclarecido, consciente e capaz de ser senhor da sua própria construção pessoal e situado historicamente. Ainda temos muitas construções coloniais em nossos inconscientes coletivos. Quem “ama o poder pelo poder” tem assombro de quem pensa. As várias formas pervertidas do seu exercício têm receios de promover a educação que liberta. Mas, vale ressaltar que, também a educação pode vir a ser “instrumento de manipulação e de colonização ideológica”. Os regimes totalitários também a usaram como meios de domínio, a partir dos centros de conhecimento controlados pelos Estados, os aparatos universitários e de ensino. Quando assim acontece, “a vontade de saber dá o lugar à vontade de poder” (cf. Romano Guardini). A racionalidade é uma linha tênue entre a verdade e os interesses políticos de quem tem o encargo de governar tendo em vista a solicitude pelo bem comum.
A filósofa Hannah Arendt, na sua obra “a vida do espírito”, apresenta uma análise de que “a noção de progresso inquestionavelmente nasceu como produto de enormes avanços do conhecimento científico, uma verdadeira avalanche de descobertas, ao longo dos séculos XVI e XVII”; ainda afirma que “não devemos nos esquecer que a posterior noção de um aperfeiçoamento infinito da espécie humana, tão destacado no Iluminismo oitocentista, estava ausente nos séculos XVI e XVII, séculos mais pessimistas nas avaliações sobre a natureza humana” (cf. H. Arendt, pág. 72-73). Trago a concepção arendtiana para nos tonarmos mais cientes acerca da urgência da ‘aliança comum’ pela educação, numa perspectiva não só quantitativa; mas, outrossim, em âmbito qualitativo. A defasagem detectada nos ecossistemas educacionais urge por uma antropologia que considere a “condição humana” na sua intersubjetividade. A ideologia mecanicista e do progressismo que no contemporâneo impera em nossas redes de ensino, desde à educação básica até às universidades, apequenou o significado da educação. A proposta do Pacto Educativo traz uma concepção amplificada do caminho a ser trilhado nas escolas e demais engenharias de ensino.
Desta forma, a defesa desta aliança pela educação, que a Arquidiocese de Natal vem assumindo, inclusive com ações de parcerias com universidades, institutos federais e outros outras instituições a serem visitadas pelo nosso Arcebispo, Dom João Santos Cardoso, a partir da instituição da Comissão de Cultura e Educação, composta por setores como o de cultura, o de educação, o de universidades, o de ensino religioso e o de bens culturais, já tem gerado frutos positivos para a mobilização da sociedade norte-rio-grandense na discussão de propósitos, metas e proposições na construção de um futuro projeto comum; sem polarizações e partidarismos, tendo em mente, unicamente, a busca legítima, cidadã e ética da educação inclusiva e integral para todos os cidadãos potiguares. Essa é uma luta que exige de todos nós paixão e liberdade, com motivações humanísticas e evangélicas. Assim o seja!