ARTIGO - A consciência cristã e a política
- pascom9
- 25 de set.
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Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
A política é uma arte humana. Todo e qualquer ser humano faz política. As nossa escolhas são sempre políticas, já que interagimos, nos relacionamos e somos no tempo e no espaço. Há quem queira abominar a política. Mas deixar de fazê-la é impossível, já que somos “animais políticos”, como já era ensinado pelo grande filosofo Aristóteles. Somos seres sociais e estamos em comunidades, sejam elas religiosas, étnicas e sociais. Estamos numa aldeia global e planetária, já considerando os grandes dramas climáticos. Estamos situados no tempo e no espaço. Somos egos pensantes, e, por isso, nos propomos a refletir o universal; mas, também estamos no espaço, através dos quais somos chamados a tomar decisões e agir constantemente. É nessas circunstâncias que acontece a política. Desde o filósofo Aristóteles, há a diferenciação complementar entre o universal como fruto do pensamento e o particular como aquele lugar da ação (cf. H. Arendt, “O Espírito da Vida, pág. 222). Ou seja, o filósofo e o político sempre estiveram em simbiose, ou por uma via positiva, ou negativa.
A sociedade brasileira tem acompanhado, com sentimento de revolta, as articulações do Congresso Brasileiro à votação de uma “PEC DA BLINDAGEM”. Através dela, os paladinos da democracia oligárquica, em desrespeito ao legítimo significado do que seja a real democracia - poder do povo e a serviço do povo -, ousam distanciar o judiciário, com seu legítimo poder de julgar, garantido pelo Estado Democrático de Direito, das suas ações, caso estes sejam investigados e julgados por ilícitos cometidos. Os mesmos estão a legislar em causa própria, com a narrativa de que não podem ser objeto de “perseguições políticas”. Os seus julgamentos serão feitos por eles mesmos e de modo furtivo. É sempre algo chocante e deprimente nos depararmos com estas artimanhas imorais e desrespeitosas para com a sociedade. Há a urgência da qualificação da política e da responsabilidade dos cidadãos brasileiros em escolher os seus representantes. Este cenário muito diz não só de quem foi eleito; mas também de quem os elegeu.
O Papa Francisco nos ensinou que “um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no ‘campo da caridade mais ampla, a caridade política’. Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social. Convido uma vez mais a revalorizar a política, que ‘é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum’ (cf. FT, 180). Essa ideia da política não tem lugar na consciência da ‘maioria’ dos políticos brasileiros. A busca deles é a do poder pelo poder. Há uma séria e profunda desfaçatez em assumir uma ‘ética da responsabilidade política’ em função do bem coletivo. Os caminhos que trilhamos até aqui para o desempenho da arte política estão falidos. Temos que apostar num processo de educação das novas gerações para que possam converter a política ao fim para o qual ela existe, como tão bem está posto pelo Papa Francisco e como ele propõe num dos princípios da proposta do “Pacto Educativo Global”.
No Rio Grande do Norte, o que temos acompanhado, por exemplo, é a crise na saúde pública: as UPAS no município de Natal e o antigo e sempre problemático hospital estadual Walfredo Gurgel. Sempre que recordo que em tempos passados, foram gastos milhões, com endividamento do estado, para construir um aeroporto, que tornou-se um ‘elefante branco’, quando tínhamos um de qualidade e com a segurança da aeronáutica, e o Arena das Dunas, para trazer alguns jogos da copa, enquanto o nosso povo carecia de um grande hospital e tantas outras demandas sociais, e a população foi manipulada e silenciou diante de interesses partidários e políticos, que até hoje trazem consequências para todos nós, assumo conscientemente a ideia de que necessitamos de ampla formação política e cidadã para vermos com lucidez o que nos prejudica e como precisamos protestar diante de tamanhas incongruências. As escolhas políticas mal feitas do passado, até hoje nos prejudicam e, infelizmente, quase ninguém está interessado em aprender com estes erros.
Na linha do que proponho-me, nós, cristãos, temos que assumir a nossa responsabilidade social e política. Recomendo que estudemos os dois formidáveis documentos do Papa Francisco: Laudato Si e Fratelli Tutti. Com eles façamos um percurso de conhecimento da Doutrina Social da Igreja. Nela temos os elementos de formação da nossa ‘consciência política’. Estamos muito aquém do que nos é ensinado pelo autêntico magistério da Igreja. Com ele podemos conseguir uma ‘racionalidade política’. Já escrevi sobre a dimensão e a relação existente entre o evangelho e a política da vida (cf. https://tribunadonorte.com.br/colunas/artigos/politica-da-vida-x-politica-da-morte). A política para nós, a partir do Evangelho, é aquela da vida, e vida em abundância (cf. Jo 10,10). No contemporâneo é extremamente salutar e necessário que a Igreja retome o seu dinamismo ousado de proclamar o seu ensinamento social à formação da consciência cristã dos que professam a nossa fé e lance as sementes da verdade e da justiça aos homens e mulheres de boa vontade que desejarem ser “servidores da política”. O bem comum e a justiça social necessitam. Assim o seja!








