top of page

ARTIGO - A CF de 2026 e as Diretrizes da Ação Evangelizadora

  • pascom9
  • há 11 minutos
  • 6 min de leitura


ree

Pe. Matias Soares

Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório

Natal-RN; Coordenador da Comissão de Cultura e Educação;

Capelão da UFRN.


A Igreja Católica no Brasil tem pela frente a apresentação de dois caminhos de densa potencialidade missionária, pastoral e de promoção do bem comum: A Campanha da Fraternidade e as novas Diretrizes da Ação Evangelizadora. O objetivo geral da primeira será: “Promover, a partir da Boa-Nova do Reino de Deus e em espírito de conversão quaresmal, a moradia digna como prioridade e direito, junto aos demais bens e serviços essenciais a toda a população” (cf. Texto Base, pág. 8). O segundo projeto terá por preocupação geral: “Evangelizar, anunciando Jesus Cristo, como Igreja peregrina e sinodal, fundada na Palavra e nos Sacramentos, no testemunho de fé, esperança e caridade; formando comunidades de discípulos missionários, valorizando a piedade popular; fiel à evangélica opção preferencial pelos pobres, cuidando da Criação, a caminho da plenitude do Reino” (cf. Instrumentum Laboris, pág. 10). Existe uma conexão entre estes dois propósitos que não podem estar desapercebidos da nossa hermenêutica textual e suas consequências para a vida eclesial e social.


Com o nosso olhar nas linhas pastorais do Concílio Vaticano II, especialmente contidas na Gaudium et Spes, na Lumen Gentium e no Ad Gentes, temos que direcionar a nossa atenção ao que o Papa Paulo VI ensinara na Evangelii Nuntiandi: “Nós queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja; tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade atual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição” (cf. n. 14). O Papa Francisco assumiu de modo renovador esse ensinamento com o seu documento programático para toda a Igreja, com a sua “Alegria do Evangelho”, que ainda urge uma recepção mais ousada e clarividente por parte de todas as forças vivas das comunidades eclesiais.

O Papa Montini ainda nos oferece uma conclusão lapidar ao afirmar que:

“Entre evangelização e promoção humana, desenvolvimento, libertação, existem de fato laços profundos: laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade” (cf. EN, 31).


O Pontífice faz a relação entre a ação evangelizadora e a promoção humana integral. Uma não pode acontecer sem um olhar atento às outras dimensões da condição humana, ou como o Papa Francisco depois cunhará, tanto no capítulo IV da Evangelii Gaudium - A dimensão social da evangelização - como no IV da Laudato Si - A Ecologia Integral. Continua ele com a seguinte questão, que vem para endossar o ensinamento presente neste ponto da Exortação Apostólica sobre a Evangelização no Mundo Contemporâneo:

“Como se poderia, realmente, proclamar o mandamento novo sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e o autêntico progresso do homem? Nós próprios tivemos o cuidado de salientar isto mesmo, ao recordar que é impossível aceitar "que a obra da evangelização possa ou deva negligenciar os problemas extremamente graves, agitados sobremaneira hoje em dia, no que se refere à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Se isso porventura acontecesse, seria ignorar a doutrina do Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre ou se encontra em necessidade" (cf. EN, 31).


A partir destes fundamentos do magistério pós-conciliar, podemos legitimamente afirmar que a Campanha da Fraternidade é, antes de tudo, um Projeto de Evangelização, como já afirmei em outro contexto (cf. https://www.arquidiocesedenatal.org.br/post/a-campanha-da-fraternidade-um-projeto-de-evangeliza%C3%A7%C3%A3o). No ano de dois mil e vinte seis ela nos apresentará o grande desafio que é enfrentado por milhões de brasileiros, sobre a luta pela Moradia como um direito dos tantos direitos sociais que ainda não são garantidos aos cidadãos (cf. Constituição Federal, art. 6). O objetivo geral nos recorda que a conversão; ou seja, a mudança de mentalidade e de práticas de garantia de direitos, inclusive como consequência do que é posto como pressuposto da Divina Revelação (cf. Dilexi Te, 5), aos mais pobres, já que na “Bíblia, o direito à moradia incluía também a garantia de viver com dignidade, no espaço onde era possível estabelecer vínculos, relações, e sobreviver economicamente por meio do trabalho” (cf. Texto Base, 111), é uma questão a ser motivada para os corações dos que podem resolver esta chaga estrutural.

A CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - acolhe a temática pela sugestão da “Pastoral da Moradia e Favelas”. Para o desenvolvimento das reflexões e trabalhos a Entidade nos provoca: “Por que estão sem casa estes nossos irmãos? Não têm um teto, por quê? A pergunta por um teto, uma moradia digna, nasce da fraternidade” (cf. Texto Base, 12). Concomitante aos desafios apresentados pela metodologia do Ver, Julgar e Agir desta Campanha, também teremos a imagem da “Tenda do Encontro” (cf. Instrumentum Laboris, 10-24), com mesma referência teológica (cf. Jo 1,14). Na teologia da Tenda “as adversidades dos que peregrinam são assumidas pelo próprio Deus quando Ele decide habitar junto a seu Povo numa tenda no deserto (cf. Ex 33,7-11). Essa tenda torna-se o lugar onde se pode encontrar a glória do Senhor que, no Novo Testamento, é o próprio Jesus, autor e consumador da salvação” (cf. Idem). Na antropologia da Tenda está a ideia de que “habitada pela presença divina, a Tenda é o lugar da reunião, do encontro, da hospitalidade, da comunhão e da intimidade com Deus”. Segundo o Instrumento de Trabalho, “Jesus ao armar sua tenda entre nós, assumir um corpo (cf. Hb 10,5) e oferecê-lo em sacrifício na cruz, torna-se, por excelência, o Mediador entre Deus e a humanidade (cf. 1Tm 2,5): o lugar do encontro (cf. Jo 2,20).


Assim como há a intenção de ampliarmos à conquista do “direito à cidade” para todos os cidadãos, também a Igreja é chamada a alargar a sua Tenda para a promoção da cultura da proximidade e da fraternidade, já que é esse o próprio sentido ligado à palavra paróquia - παροίκους -, que tem a vocação de ser casa de irmãos e para todos (cf. https://www.arquidiocesedenatal.org.br/post/artigo-par%C3%B3quia-casa-da-proximidade-e-da-fraternidade). Neste sentido, os olhares da Campanha da Fraternidade e das Novas Diretrizes, com uma densa percepção da fenomenologia da ‘cultura urbana’, terão muito a nos dizer enquanto sujeitos eclesiais e sociais. Teremos que ocupar espaços e aprimorar processos de dialogo e de luta. Ser Igreja neste terceiro milênio e ser cultivador de uma nova civilização exigem isso de todos nós. Nesta linha, os princípios do “Pacto Educativo Global” também podem nos servir de farol. Com eles está uma chamada de atenção aos dramas pelos quais a humanidade passa na ordem social pós-cristã, com sua expulsão de Deus e do outro, com suas diferenças; mas, antes de tudo, com sua mesma dignidade humana. Nos dois projetos, podemos encontrar muitos elementos transversais, que nos auxiliarão no nosso modo de repensar a conversão missionária da Igreja e a possibilidade de fomentarmos um novo humanismo, integral e solidário, para os nossos tempos.


O caminho a ser trilhado deve nos colocar em estado de prontidão e discernimento eclesiais. Atentos aos sinais dos novos tempos, temos que relançar as sementes do Evangelho como o Meio para a promoção dos valores do Reino de Deus. Neste sentido, o nosso referencial sempre serão as Bem-Aventuranças (cf. Mt 5, 1-12; Lc 6, 20-23). A luta por moradia e pensar a Igreja como uma ‘Tenda’ na qual deve ter lugar para todos é uma simbiose que confirma a nossa responsabilidade humana e cristã de buscarmos o direito e a justiça. Na ação evangelizadora da Igreja estará sempre a tensão de que o que esperamos no fim dos tempos, já começa a acontecer no aqui e no agora. A Igreja Católica no Brasil, tanto com o projeto da Campanha da Fraternidade, como com o das Novas Diretrizes, assumirá a causa da vida e da dignidade de todos os cidadãos deste nosso imenso país. Não é irrelevante saber que o surgimento da Campanha da Fraternidade está vinculado à construção de um Plano de Pastoral de Conjunto da Igreja no Brasil. Não reconhecer esses elementos pastorais no transcurso da nossa história eclesial, é renegar um dos mais belos testemunhos de eclesialidade que nós apresentamos para toda a catolicidade. A nossa amada Arquidiocese deNatal foi protagonista neste dinamismo do Espírito Santo em tempos passados. Cabe a todos nós fomentarmos um “novo movimento eclesial” em nossa Era. Assim o seja!


 
 
bottom of page