Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
No contemporâneo, os caminhos para que sejam reconhecidas e legitimadas as autoridades institucionais são o testemunho e a competência. Os sinais e as transformações culturais foram sendo impostos gradativamente. Penso que o ponto de partida está situado já nos acontecimentos que delimitaram o fim da modernidade. O subjetivismo e a tecnologia passam a ser as marcas de uma nova Era da história da humanidade. A modernidade da invenção da imprensa, do ‘admirável mundo novo’, da reforma protestante, e do estado moderno, vai levar a outras vias emergentes de transformação com a revolução industrial até os reboques dos grandes conflitos mundiais – I e II Guerras – colocando em dúvida os feitos da razão instrumental e o próprio agir humano que necessitará de uma ‘ética da responsabilidade’ em seus tantos desenvolvimentos e progressos humanos, principalmente no modo de pensar e conceber o sentido da condição humana. O fim da modernidade para o início da pós-modernidade coloca a civilização ocidental, com sua centralidade no sujeito e poder da tecnologia, sob o ditame da “tirania do mérito” (cf. Michael J. Sandel). Esse é o lugar do qual quero partir para impostar essa reflexão sobre a necessidade do testemunho e do aprimoramento do humano na ordem sistêmica pós-moderna e pós-pandêmica.
A Igreja, em sua abertura às questões desse processo de progresso, principalmente depois hermenêutica dos fenômenos abordados pelo Concílio Vaticano II – Gaudium et Spes – impostará um estilo novo em sua relação com esse mundo caracterizado pela formação de muitas frentes de desenvolvimento: as fronteiras são variadas e com perspectivas de reviravoltas revolucionárias, com as quais até os nossos dias ainda tentamos dialogar e buscando acompanhá-las cotidianamente. Dentre essas, a pedra de toque está no desafio de acolher as exigências das subjetividades; já que as mesmas, como filhas tardias do Iluminismo, radicalizam a ideia da autonomia com o aprofundamento do individualismo e do narcisismo existencial e coletivo. Na Era da Internet, com suas mídias sociais e inteligências que tendem a ser “artificiais”, tudo que levar à superação do outro, inclusive no âmbito das capacidades e competências, é supervalorizado e levado a termo pelos sujeitos que compõem os organismos sociais.
A inferência de tudo isso deve nos conscientizar, clara e distintamente, que quem está envolvido no estilo de administrar, liderar e organizar as instituições no contemporâneo, não pode se tornar refém da subserviência à mediocridade. O serviço e a razão social das estruturas sociais que estão para promover o bem comum não podem estar condenados ao domínio dos estratagemas da politicagem, do lobismo e da imoralidade. Pode até tentar, mas não se sustentará por muito tempo, nem enganará à sociedade informatizada dos nossos dias, quem aposta na quantidade e não na qualidade das pessoas que formam uma instituição. A sociedade se tornou exigente, midiatizada e julgadora veloz e, muitas vezes, também injusta em seus julgamentos imediatos. Os entes sociais passaram a ser sujeitos de autopropaganda e objetos do que as verdades e as ‘falsas notícias’ dizem e anunciam. As narrativas estão a ceder lugar ao que é inconsistente, instantâneo e presentificado. Nessa nova ordem sistêmica, cada vez mais, todos estão sendo desafiados, ou a seguir a dinâmica da superficialidade viciante e neurótica, ou a buscar a qualificação humana e sapiencial no cuidado de si, com a formação permanente que considera a pessoa humana na sua integralidade, se capacitando para o fortalecimento das relações com os outros, com a criação e com o Transcendente. Para quem é cristão, esse último deve ser o caminho a ser trilhado com constância e perseverança.
Neste sentido, o testemunho e o aprimoramento das capacidades humanas, com suas dimensões corporais, intelectuais e espirituais, passam a ser imprescindíveis para os componentes de quaisquer instituições, ainda mais, em nossos dias. Para quem está inserido na Igreja e a seu serviço de modo permanente, com o avanço sufocante do secularismo e da lógica do hipermoderno, o binômio – testemunho e competência – precisa andar de braços dados. Não pode ser implementada uma gestão marcada pelo “fazer política”, que não dará dinamismo à ‘credibilidade da e na Igreja à Igreja’. Essa mentalidade pré-moderna está superada e fadada ao fracasso. Ela ainda funciona nas estratégias de sacristias e conversas tribais; mas não encontra eco no mundo atual com suas novas formas de ser e estar no tempo e no espaço. Estes, em nossos dias, se entrecruzam e cancelam o institucional que não tem conexões marcadas pela força da confiança e das capacidades fincadas na ação ética e credível pelo testemunho e a formação integral das pessoas. A Igreja, pelo contratestemunho de alguns, tem perdido a sua credibilidade e muitos ainda não enxergam isso como um problema. Por isso, é tempo de conversão e reforma de modelos com resquícios da cristandade, com uma teologia acobertada por uma metafísica do ser que tende a ofuscar o humano e, consequentemente, nos levar a uma concepção de contextos que ainda podem ser determinados pela dogmática e pela moral casuística, sem consideração ao protagonismo e à autonomia das subjetividades.
A aposta no fortalecimento dos institutos honoríficos e nomenclaturas sem conteúdo, que não dizem mais nada à mentalidade contemporânea, com seu ‘espírito absoluto’, sem dúvida, não é o método da qualidade e não fortificará a credibilidade das instituições sociais. É necessário algo mais. Para a sociedade pós-cristã, com sua mentalidade tecnocrática, o mérito é derivado do aprimoramento das capacidades humanos. A ideia do super-homem, com sua vontade de poder, declinada por F. Nietzsche, tem suas realizações no nosso tempo. A ordem cristã é diversa: o seu testemunho é o que qualifica as suas potências. O seu estilo de vida é dignificado, animado e dinamizado pela sua fé, que o integra e salva. O coloca em situação de abertura ao Outro e em estado de bem-aventurança (Cf. Mt 5, 1-12). Podemos pensar e afirmar que o testemunho e a competência da existência do discípulo de Jesus Cristo estão sintetizados na sua santidade de vida.
Enfim, essa percepção do que nos interpela é essencial para qualificarmos o nosso modo de governar, gerir e conduzir as instituições às quais servimos. A oração e o estudo são imprescindíveis. Já nos lembra Santa Teresa d’Avila em seu “Castelo Interior”. Com isso, reafirmo a urgência da nossa formação permanente. Por ela, cuidamos do ‘Castelo Interior’. Nos integramos e vivemos para o Único Necessário. Isso nos basta. A cultura hodierna não aceita que o façamos e vivamos nessa simplicidade. O sistema nos quer ‘imbecilizados’, irracionais e reféns da mediocridade. A nossa subversão consiste em justamente fazermos o que a grande reformadora fez em seu tempo. Citando-a, assumo o que o Papa Francisco tem denunciado, sobre o ‘mundanismo espiritual’ na Igreja. Atenção ao que é essencial é o nosso suficiente. Abracemos o bem, a verdade e a justiça. Não sejamos intimidados pela maldade e a perversão; pois, quem perseverar até o fim, será salvo (cf. Mc 13,13). Assim o seja!