Por Padre João Medeiros Filho
Este é um dos ditados bastante empregados por nossa gente. Consoante anotações do antropólogo e folclorista alagoano Théo Brandão, o dito popular é de conhecimento e emprego em vários estados brasileiros e algumas regiões de Portugal. De onde provém essa história de ovo virado? A sabedoria popular é de uma riqueza inestimável. As expressões, em geral, aparentemente desprovidas de fundamentos científicos e acadêmicos, partem da observação empírica. Uma vez criadas, caem como uma luva sobre a realidade individual ou coletiva. O adágio aqui aludido é de origem doméstica, nascido da observação do povo, especialmente do mundo rural. Há várias versões sobre a sua proveniência. A primeira delas seria uma analogia com o nascimento dos bebês, que durante um parto normal, colocam-se de cabeça para baixo, a fim de não trazer demasiado sofrimento à mãe. Da mesma forma, diz o saber popular que o ovo da galinha necessita estar com a parte mais fina para baixo, na hora de ser expelido. Caso esteja ao contrário, a ave passa por momentos dolorosos, podendo até morrer. A maioria das pessoas fica nervosa e mal-humorada ao sentir dor. Isto acontece inclusive com os animais. Daí, provavelmente foi criada a expressão: estar, ficar, acordar de ovo virado.
Uma segunda interpretação para o axioma origina-se da experiência culinária. Ao fritar um ovo do tipo estrelado, a cozinheira vira-o para verificar a sua cocção e, às vezes, ele se parte. Isso causa descontentamento a quem o prepara e diante da situação em que pretendia um ovo inteirinho, fica chateado, tendo que refazer o trabalho. De acordo com certas fontes, uma terceira versão para o ditado está relacionada com a medicina. Trata-se talvez daquilo que os médicos denominam torção testicular, muito dolorosa, conhecida popularmente no interior do país como ovo virado (torcido). Os urologistas poderão explicar melhor. A sabedoria popular emprega metáforas, partindo de situações rotineiras.
Essa expressão está relacionada a situações indesejáveis e desagradáveis, das quais derivam aborrecimentos e mal-estar. O adágio aplica-se a muitas situações em diferentes aspectos da vida humana, notadamente nos relacionamentos funcionais. Existem pessoas com as quais é complicado lidar, sendo de difícil convivência. A elas encaixa-se bem o axioma citado. Estão sempre de mal com tudo ao seu redor, reclamando disso ou daquilo. Nada está bom ou lhes agrada. Geralmente, de semblante fechado, o sorriso não aflora em seus lábios. Tampouco se entusiasmam com o espetáculo da natureza e a beleza das crianças. Um gesto cordial de tais indivíduos é raro como chuva no deserto. Estar ao lado de alguém de constante mau humor é entediante. Mesmo diante de personagens de ovo virado, não se pode perder a alegria da vida, dom supremo de Deus. Lembremo-nos da recomendação do apóstolo Paulo aos colossenses: “Revesti-vos, de ternura, misericórdia, bondade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros” (Cl 3, 12).
Há os antipáticos funcionais. Alegam que, ao exercer a função de chefia ou coordenação, precisam estar sempre insensíveis e impermeáveis. Certos patrões, na convivência cotidiana com seus subalternos, acham que estes devem ser tratados com desprezo, não sendo merecedores de gentilezas. Equivocadamente, argumentam que devem evitar que se tornem familiarizados. Eis o conselho bíblico: “Desapareça do meio de vós todo amargor, toda ira e gritaria. Portanto, sede bondosos e compassivos” (Ef 4, 32). Em todas as partes do mundo, existem pessoas, que bastam subir um degrau social, funcional ou financeiro, mudam de personalidade, achando-se superiores. Um aforismo espanhol diz: “Si quieres saber cómo es fulanito, dále un carguito.” (Se desejas saber como é alguém realmente, dá-lhe um cargo, por menor que seja). Mostram sempre uma cara sisuda, como se tivessem engolido algo azedo ou intragável. O ser humano continua imaturo. Não consegue aceitar que a vida é efêmera e todos são iguais diante da realidade da morte. Consequentemente, deveria ser assim também diante da vida. Eis o que nos ensina Paulo, em sua Carta aos cristãos de Roma: “Que o amor fraterno vos una uns aos outros, com terna afeição, estimando-vos reciprocamente” (Rm 12, 10).
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