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Pentecostes e vida humana



Pe. Paulo Henrique da Silva

Professor de Teologia


Com a Solenidade de Pentecostes, concluímos, na caminhada litúrgica da Igreja, o Tempo Pascal.  Cinquenta dias depois da Páscoa, era esse o sentido da festa judaica, acontece para os discípulos e discípulas de Jesus, atônitos, perplexos e confusos, o cumprimento da promessa do Salvador: Ele envia o Espírito Santo para seus seguidores (cf. Jo 14,16-17.26; 15,26; 16,7-8.13-14). O Espírito Santo faz possível a confissão de fé em Jesus, de modo especial, dá condições aos discípulos de pregarem que o Crucificado é o Ressuscitado, e que no nome de Jesus se encontrava o perdão e a salvação. Esta ação do Espírito Santo é o que faz da pregação apostólica uma verdade e na qual estão revelados o desígnio divino, a vontade de Deus e o destino do ser humano. O envio do Espírito proporciona aos seguidores de Jesus o conhecimento do plano de Deus. Tal plano, começado na criação, chega ao ápice na Encarnação do Filho de Deus. A vontade de Deus é a de mostrar para um ser, diferente dele, criado por Ele, que a sua existência é para a unidade com Ele. Deus cria o ser humano para se dar a esse ser. Essa é uma condição que está impressa em todo homem e mulher que vem a esse mundo. É uma condição “transcendental, isto é, ela é prévia, acontece como possiblidade de existir dada ao ser humano. Antes mesmo de o homem e a mulher expressar seu assenso ou consentimento na fé, o ser humano é capax Dei, isto é, criado para a relação com Deus. Não se trata de um poder, de uma conquista, mas de um dom. Deus faz isso, não como consequência de uma carência, mas da superabundância de seu ser, e mais ainda, de sua bondade e amor ilimitados.


A existência humana pode assim ser definida como “a referência” ao mistério do Ser divino, que para nós, crentes, é destinação à relação com o Pai por meio do Filho na força do Espírito.  A presença do Espírito Santo, embora não realize uma “encarnação” dele na nossa carne, estabelece uma união conosco. Tal união leva-nos a entender que está nele o sentido pleno de nossa existência. Certamente, para entender bem a presença e a ação do Espírito Santo em nós, faz-se necessário aplicar os advérbios usados na definição dogmático-cristológica do Concílio de Calcedônia (451), que afirmou sobre a união das duas naturezas em Cristo, definição que fez história no desenvolvimento da Teologia. Afirma o Concílio: as duas naturezas em Cristo, a divina e a humana, estão em união “sem confusão”, “sem divisão”, “sem mudança”, e “sem separação”. Se os três primeiros nos advertem sobre a transcendência divina, realidade que nunca desaparecerá, a última nos envolve num ato de profunda comunhão.


O Espírito Santo é da natureza divina, e nós, de natureza humana, diversa, limitada, finita, mutável, passível, porém, é a natureza que foi criada como querida para a união com Deus. E essa realidade, a “inseparabilidade” da união de Deus conosco, é fonte de consolação e de revelação do sentido pleno do nosso ser. E mais, Deus se une a nós, não como um adereço, ou como algo externo que dispomos e que colocamos aqui ou acolá. A vinda do Espírito a nós nos coloca num enlace tão forte que manifesta que a nossa vida só existe nessa comunhão. O grande teólogo evangélico, Jürgen Moltmann (*1926…), em sua obra “O Espírito da Vida”, publicado em 1991, questionava os cristãos sobre como entendiam a experiência do Espírito Santo em suas vidas. Chamava a atenção para o fato de que muitas vezes não reconheciam experiências de vida como experiências do Espírito: “Quando você experimentou pela última vez a ação do ‘Espírito Santo’? Está simples pergunta deixa-nos em apuros. A ‘santidade’ do Espírito provoca em nós um respeito religioso. Percebemos a distância que o separa da vida profana e o nosso distanciamento de Deus. As experiências religiosas, como todos sabem, não são coisa para todo mundo. Bem diferente soa a pergunta: ‘Quando você sentiu pela última vez o ‘espírito da vida’? Aqui podemos responder com nossas próprias experiências da vida diária e falar das satisfações e dos impulsos que sentimos. ‘Espírito’ é então a alegria de viver, que nos encanta, e as forças do espírito são as forças da vida que ele desperta em nós. O Espírito de Deus é chamado de ‘Espírito Santo’ porque ele torna viva esta vida aqui, não porque seja estranho e distante da nossa vida. Ele coloca nossa vida na presença do Deus vivo e na corrente do eterno amor”. Para ele, existe uma unidade entre experiência de Deus e experiência de vida. Já o grande teólogo católico, o jesuíta alemão Karl Rahner (1904-1984), pronunciou a tão falada e discutida frase: “O cristão do século XXI ou será místico, ou não o será”. Que queria dizer com essa frase? Pensava ele: “Qual é a nossa situação, a situação de que não ousamos chamar-nos místicos e que talvez por um qualquer motivo não conseguimos estabelecer uma relação pessoal com movimentos ou práxis entusiásticas? Não possuímos nenhuma experiência do Espírito? Devemos, então, limitar-nos a uma respeitosa vênia diante das experiências feitas por outros e sentidas por nós como ‘privilegiadas’? Estes indivíduos nos falam de uma terra que jamais pisamos e cuja existência admitimos como admitimos aquela da Austrália, onde talvez nunca estivemos? Nós dizemos, antes, na qualidade de cristãos, confessamos, confortados pelo testemunho da Escritura Sagrada, que podemos ter uma experiência semelhante do Espírito Santo e que, antes, a temos necessariamente sob forma de oferta à nossa liberdade. Ela existe, mesmo que o mais das vezes, distraídos pelo turbilhão da vida cotidiana, não façamos caso ou até rejeitemos ou não queremos participar”.


Acolhamos o Espírito Santo em nossa vida. Nele, encontramos a Vida de nossa vida, a alma de nossa comunidade eclesial. Vinde, Espírito Santo!

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