Padre João Medeiros Filho
Eis-nos novamente prestes a celebrar o grande mistério do cristianismo: a Páscoa do Senhor. O tríduo pascal começa após a Última Ceia, na qual Cristo, na grandeza de seu amor, foi entregue para salvação dos homens. Somos convidados a meditar sobre seu sofrimento, decorrente de um julgamento injusto e apressado, culminando com sua condenação. Foi torturado, escarnecido e finalmente crucificado fora das portas da cidade, em suplício reservado a bandidos e marginais. Depois disso, houve um tempo feito de ausência e silêncio, resultando na celebração da vitória de sua Ressurreição. Festa de alegria e vida em plenitude. A liturgia é permeada de aleluias e cânticos de louvor, aclamando Aquele que venceu a morte e nos faz renascer.
Mas, o júbilo da Ressurreição teve um preço imensurável: a trajetória de um inocente vilmente traído. Entretanto, no gesto de Cristo, Deus proclama ao mundo que “o amor é mais forte do que a morte” (Ct 8, 6). Ele levou Jesus à Cruz, na qual fez a entrega de si mesmo, numa doação desinteressada à humanidade. Assumiu a perseguição e a rejeição, até perder a vida para que outros pudessem tê-la. Os primeiros cristãos – no deslumbramento de encontrar vivo Aquele a quem haviam contemplado morto – começaram a compreender o sentido e narrar a Paixão do Filho de Deus. O seguimento a Jesus de Nazaré, designado pelas igrejas orientais como o “Senhor Exaltado”, foi sendo compreendido como uma experiência de paz e alegria. Porém, nela a dor não está ausente ou esquecida.
Se algo mais pode ser dito a respeito de Cristo: Ele era um apaixonado pelo ser humano. Daí nasce o sentido de sua Encarnação, a inspiração de suas palavras. Pela força desse sentimento curou doentes, possessos e ressuscitou mortos. Por ela impulsionado, acolheu os gestos de gratidão de uma pecadora, do publicano que lhe ofereceu hospedagem, do leproso que quis tocá-lo, da samaritana que Lhe deu água para beber e fez perguntas. E ainda obedecendo ao amor pelo Pai e pelos homens, começou a caminhar em direção a Jerusalém, seguido por duvidosos e apavorados discípulos que nada entendiam de seu padecer. Chegando à cidade onde morreram tantos profetas, Jesus chorou. Derramou lágrimas de sentida compaixão, as quais nada tinham de autocomiseração pelo destino que o aguardava. Sentia uma visceral tristeza por não ter conseguido reunir em seu misericordioso regaço “as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10, 6). E ali, a fidelidade de Jesus – pelo Pai, pelo Reino e por aqueles que Deus Lhe dera – converte-se na liturgia da agonia e morte, consumada no Gólgota.
Viver a Semana Santa é aceitar o convite para apaixonar-se. Ela apresenta-se como uma estrada cheia de luz, que se descortina no Mistério Pascal. Iluminado será também o caminho de quem busca a Vida. Apesar do sacrifício por ninguém imaginado, dá-se o percurso da doação. Na mística cristã, se não há algo pelo qual nos encantamos, não valerá a pena viver. Terá sentido uma vida que se resume à parca moral, raquíticos prazeres, insípida segurança, solitárias sensações? “O exemplo de Jesus ensina que se apaixonar por Deus é a única maneira de viver em plenitude”, escreveu Edith Stein.
A alegria pascal que se segue ao sofrimento da Cruz é real. Mas, só acontece se não houver recusa ou negação do padecimento, inclusive daquele que se abate sobre os irmãos. Quem segue Cristo Ressuscitado, já não vive para si, mas para Ele. A euforia autêntica da Páscoa deve recordar-nos que somos discípulos de um Deus: Cristo. Foi condenado à morte, crucificado pelos que odiavam a verdade e eram apegados a privilégios. O seguidor de Jesus é aquele que se encanta pelo Evangelho em seus sons e tons de Verdade, Paz, Justiça... Ao segui-Lo, alguma porção de responsabilidade participativa na dor do próximo nos está reservada. Assim agiu Cristo. Cabe-nos esperar por Deus pronunciando sobre nós a palavra definitiva da Vida que não morre. O Espírito derramará em nossos corações a alegria imorredoura que jorrou na noite gloriosa e fulgurante, em que o Messias venceu a morte e se manifestou vitorioso aos seus. “Onde está, ó morte, a tua vitória?” (1Cor 15, 55).
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