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O essencial é invisível aos olhos

Dom João Santos Cardoso

Arcebispo Metropolitano de Natal


"Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos" (Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe, Cap. XVII). Esta célebre frase, além de sua beleza poética, é atemporal e provoca reflexões, pois nos desafia a olhar além das aparências e considerar o que realmente tem valor. Ela nos faz lembrar de uma passagem das Sagradas Escrituras, quando Samuel foi encarregado de ungir um novo rei para Israel. Ao chegar à casa de Jessé, ele se impressionou com o porte físico de Eliabe, prestes a escolhê-lo como rei, Deus o deteve: "o Senhor não vê como vê o homem. Pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração" (1 Sm 16, 7). Esse versículo reforça a ideia de que a verdadeira essência não se confunde com as aparências, mas repousa em atributos mais profundos, como a bondade, a sinceridade e a virtude. Davi, embora não tivesse o porte físico de um guerreiro, foi escolhido por Deus por sua integridade e coragem.

Na filosofia, Platão aborda a distinção entre aparência e essência por meio de sua teoria dos dois mundos: o mundo sensível, das aparências, e o mundo inteligível, das ideias ou formas. Na “Alegoria da Caverna” (República, Livro VII), ele descreve prisioneiros que veem apenas sombras projetadas na parede da caverna e acreditam que essas sombras constituem a realidade. No entanto, a verdadeira realidade, composta pelas ideias, está além do que aparece e é acessível apenas pela razão e pela contemplação filosófica. Em O Banquete, Platão sugere que o amor (Eros) é o impulso que eleva a alma do mundo sensível ao inteligível, da aparência à essência, permitindo a compreensão das formas puras e a união com o todo.

"A gente só conhece bem as coisas que cativou", disse a raposa ao Pequeno Príncipe. E "cativar", segundo ela, significa "criar laços" que geram reciprocidade e afeto entre as partes, tornando-as necessárias uma à outra, fazendo com que aquela pessoa ou ser se torne insubstituível e singular no mundo: "Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...", disse a raposa ao Pequeno Príncipe.

No campo das relações humanas, a busca pelo essencial torna-se ainda mais significativa. O amor, a amizade, a empatia e os laços afetivos não podem ser quantificados, pois são construídos pacientemente, ao longo do tempo, por meio de gestos simples, palavras e cuidado. O ato de "cativar", como ensinado pela raposa, é um processo recíproco que requer dedicação e paciência. Ao cativarmos e sermos cativados, criamos laços que transcendem o visível e se tornam profundamente significativos.

Esses laços formam a base de relações duradouras e verdadeiras. O essencial em nossas vidas está no carinho que oferecemos, na atenção que dedicamos ao outro, no cuidado, no respeito e na responsabilidade mútua. São esses elementos que constroem relações autênticas e duradouras, permitindo-nos viver plenamente.

O Pequeno Príncipe nos ensina a reconhecer o valor das pequenas coisas e das relações genuínas. No cotidiano, onde a superficialidade e as aparências dominam, a frase de Saint-Exupéry nos convida a olhar a vida com mais profundidade. Constantemente bombardeados por imagens e impressões efêmeras, muitas vezes nos afastamos do que realmente importa. Somos chamados a cultivar o essencial — aquilo que dá sentido à nossa existência e nos conecta de maneira profunda com os outros e com o transcendente. O que realmente importa e faz diferença em nossas vidas, como o amor, a amizade, a empatia e o cuidado, só pode ser percebido com o coração. Precisamos aprender a cativar e a ser cativados, e, com os olhos do coração, enxergar além do visível.

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