Pe. Matias Soares
Mestre em Teologia Moral (Gregoriana-Roma)
Pós-graduado em Teologia Pastoral (PUC-Minas)
Membro da SBTM (Sociedade Brasileira de Teologia Moral)
Pároco da paróquia de S. Afonso Maria de Ligório - Conjunto Mirassol - Natal-RN
No Brasil, com a decisão do STF de permitir o aborto de um feto com três meses de concepção, a polêmica é retomada com muita indignação pela maioria dos brasileiros, que reconhecidamente é contrária à famigerada prática. Aqui, o intuito não é entrar na seara jurídica, já que, sem dúvida, o aparato legal que foi utilizado pela Suprema Corte é sofisticado e tecido para favorecer a hermenêutica de quem votou. O que me faz tentar delinear este pensamento tem uma declinação mais filosófica existencial, que, já em outro momento, tive a oportunidade de nortear em uma das minhas reflexões, mais voltado para a questão das pessoas que moram nas ruas, abandonadas por todos e sem nenhuma referência familiar ou de qualquer outro agrupamento humano. O ponto de partida não é teológico, como já afirmei.
O aborto é a atitude que de modo mais radical revela o rosto da miséria humana. Como os indigentes, que são vitimas do abandono total dos demais seres humanos, este ato mostra do que é capaz a pessoa humana quando está condicionada por sentimentos tão obscuros. Tanto quanto, os outros abandonados, a criança concebida, quando é abortada, é renegada por todos aqueles que teriam a responsabilidade de cuidar e protege-la. Estejamos atentos que não pode ser pensada só a mãe, como a única responsável, já que muitas vezes ela também é vítima, mas todos aqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos na situação. Quem, livre e conscientemente, pratica ou favorece o aborto, revela sua capacidade humana de fazer o mal. Há quem tente jogar com os fatos, dizendo que é algo complexo. Contudo, intencionalmente ou ideologicamente, não reconhece que muito mais perplexo é tirar a vida de um ser humano que não pode ter culpabilidade, nem ser liquidada por aqueles que têm a obrigação irrenunciável de zelar por sua vida. Por isso, podemos pensar o aborto como uma expressão da mais obscura situação existencial que está impregnada na condição humana.
A concepção da miséria precisa ter esse enfoque fenomenológico. Aqui, sem dúvida, uma interpelação às ciências humanas, muito especialmente à psicologia e a sociologia, para que seja pensada a questão sem esquecermos a problemática do mal. Aqui, miséria é identificada com a capacidade do mal que está no humano. Tirar a vida de alguém, ainda mais quando essa é extremamente indefesa não pode dispensar o questionamento sobre o mal. Viver é o direito por excelência de todo e qualquer ser humano. Todos têm esse direito. Na relação de uma mulher para com o seu filho, a questão é ainda mais delicada, pois ela antropologicamente é quem existe para promover a vida, gerar a vida. Essa vocação não pode ser um fardo para nenhuma mulher e mãe. Não só isso, mas aqui está por excelência a vocação que faz reluzir a dignidade da mulher. Não há como negar. Quando uma mulher, responsavelmente aborta, ela fere a sua própria condição antropológica. Este fato precisa nos tornar mais inquietos, não só como uma questão religiosa, mas como algo que diz que tipo de valores está presente na vida de uma nação, povo e país. É uma questão de civilidade. A sociedade, em que o primado da vida é relativizado e esta vem descartada com anuência de quem e por quem primariamente deve defendê-la, precisa repensar seu modo de tratar a vida de todos.
Por fim, como cristãos e cidadãos, sejamos mais comprometidos na defesa da vida e no apoio de tantas pessoas que se encontram em situação de risco e de desespero quando se deparam com dilemas que necessitam de apoio, orientação e compaixão de todos nós, sempre atentos à integração e o bem de todos, especialmente os indefesos e abandonados. Assim o seja!