Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
A Inteligência Artificial sinaliza mais Inteligência Humana, ou vai refletir em menos inteligência humana? Esta reflexão tem por objetivo nos trazer a provocação acerca de como a tecnociência hipermoderna potencializa ou deforma a nossa capacidade intelectiva. Essa questão pouco entra em nossas rodas de conversas e apreciações dos fenômenos da teoria do conhecimento contemporânea. Talvez, seja essa uma das preocupações que mais deveriam nos intrigar no pós-modernismo, já que o ato de pensar por si esteja sendo uma das maiores dificuldades encontradas nas gerações hodiernas. Nós conhecemos muito; porém, sabemos pouco. Estamos perdendo a capacidade associativa das ideias. O ‘encharcamento’ das informações tem atrofiado a nossa capacidade de refletir; ruminar ideias e autonomamente produzir novas concepções de mundo. As condições filosóficas do homem contemporâneo têm sofrido fortes impactos com o desenvolvimento acelerado e massificante das novas tecnologias.
Em meio a essas mudanças estruturais, tanto na esfera pública, quanto na eclesial, nós, cristãos, somos chamados a fomentar o processo de ‘sabedoria humana’. Essa tem a ver com o amadurecimento integral e constante da pessoa humana: mente, corpo e espírito. Os nossos horizontes de promoção da dignidade das pessoas consideram a sua dimensão transcendental. Não só a mente, não só o corpo; mas também o espírito. As informações não são suficientes. Precisamos da sabedoria que olha a vida e a história na consideração do que foi o passado, com os pés fincados no presente e com o coração aberto ao futuro. Os sinais dos tempos são os seus elementos constitutivos, já que a realidade é a base de sustentação das ideias. Podemos até visualizar uma adequação das três virtudes teologais. No passado está a fé, no presente está o amor e no futuro está a esperança. Contudo, todas estão interligadas e nos oferecem os fundamentos para que percebamos o sentido da vida e da história.
Na sociedade do cansaço (cf. Byung-Chul Han), os eventos instantâneos e a busca desenfreada pelo fazer e produzir, não deixa mais lugar para o ‘discernimento’, a reflexão por si e a abertura ao outro que nos completa e redime. Isso mesmo! A nossa humanidade está necessitando de redenção: de cuidado de si e do outro. A Inteligência Artificial é também um sinal de que estamos entregando à tecnociência, com suas possibilidades pós-humanistas, essa nossa responsabilidade e autodefinição. Deveríamos ser ainda seres pensantes; capazes de hermenêutica e fortalecimento das nossas subjetividades. Essa autoconsciência está com um rosto ‘anfíbio’. Estamos imersos na nova fenomenologia e com uma construção que por ser pós-narrativa (cf. Byung-Chul Han), tende a ser despersonalizada. Isso é negação dessa inteligência humana, capaz de narrativa e memória. Se não fazemos memória, há a negação do sujeito, daquele que é universalmente reconhecido como ser pensante e aberto ao transcendente, e aqui devo deixar azo para assumir o ‘lugar teológico’ que é sempre o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27); por isso, a menção às virtudes teologais.
Enfim, a nossa condição humana, com sua estrutura pensante – forma intelectiva - não pode ser tragada pela artificialidade da nova ordem sistêmica, com sua engrenagem tecnocrática. A configuração de um novo humanismo é transversal ao que está posto na cultura hipermoderna; contudo, ele não pode perder o seu ‘antropocentrismo’. Os debates acerca das grandes transformações pelas quais a humanidade está a passar, não podem desconsiderar a urgência de uma metaética que ponha uma injeção de ânimo que promova a dignidade dos seres humanos e os coloquem como fim e fundamento de todas formas de desenvolvimento econômico e progresso científico. Assim o seja!