![](https://static.wixstatic.com/media/4f31a7_86d4e37b138845c1846dbf18c78d1097~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_653,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/4f31a7_86d4e37b138845c1846dbf18c78d1097~mv2.jpg)
Diác. Eduardo Wanderley
Paróquia de São Camilo de Léllis - Lagoa Nova - Natal
Em 30 de dezembro de 1988, o Santo Papa João Paulo II publicou sua exortação apostólica Christifideles Laici. Nesse documento do magistério petrino se fala da Paróquia usando um conjunto de imagens que se aplicam. Embora o direito precise de algum balizamento geográfico, faz-se necessário mergulhar na nova paroquialidade, essa moldada na liquidez de nossos tempos. Então, o que melhor definiria uma paróquia hoje?
"É necessário que todos redescubramos, na fé, a verdadeira face da Paróquia, ou seja, o próprio 'mistério' da Igreja presente e operante nela: embora, por vezes, pobre em pessoas e em meios e outras vezes dispersa em territórios vastíssimos ou quase desaparecida no meio de bairros modernos populosos e caóticos, a Paróquia não é principalmente uma estrutura, um território, um edifício, mas é sobretudo 'a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade', é 'uma casa de família, fraterna e acolhedora', é a 'comunidade de fiéis'. Em definitivo, a Paróquia está fundada sobre uma realidade teológica, pois ela é uma comunidade eucarística. Isso significa que ela é uma comunidade idônea para celebrar a Eucaristia, na qual se situam a raiz viva do seu edificar-se e o vínculo sacramental do seu estar em plena comunhão com toda a Igreja. Essa idoneidade mergulha no fato de a Paróquia ser uma comunidade de fé e uma comunidade orgânica, isto é, constituída pelos ministros ordenados e pelos outros cristãos, na qual o pároco — que representa o Bispo diocesano — é o vínculo hierárquico com toda a Igreja particular." Eis a definição ampla que lemos em Christifideles Laici (26).
Para o papa Francisco, "A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente, continuará a ser «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas»" (EG, 28)
Já a liquidez é uma marca de nossos tempos. O grande pensador polonês Zygmunt Bauman anuncia, em seus best-sellers (Amor líquido, Modernidade líquida, Vida líquida etc), um tempo em que as estruturas perderam sua solidez. As antigas organizações sociais deram lugar à novas que não oferecem a mesma estabilidade, pois elas “decompõem-se mais rápido que o tempo que leva para moldá-las”. Instituições tradicionais e seus padrões de comportamento perderam a capacidade de moldar as rotinas individuais. Agora, tudo “se dissolve” no grande “viveiro de incertezas” que marca nossa modernidade. (Cf. 'Nossa “pastoral líquida” e a “nova paróquia” que queremos' de Nicolau João Bakker, svd)
A organização institucional da Igreja que, por vezes, infelizemente, se confunde com ela, também está estruturada conforme um padrão estável que agora se choca com a nova realidade da liquidez social. A paróquia, que pelo direito canônico é uma porção geográfica de uma diocese, está sob essa nova mentalidade social, portanto sujeita aos efeitos de uma liquidez na própria pertença. O grande centro urbano oferece uma miríade de opções que vão aos poucos oferecendo serviços, como que se pudéssemos montar um próprio 'combo de fé' para a vida de cada cristão. Há muito a paróquia urbana deixou de ser uma área geográfica, mas agora o fenômeno é ainda mais contundente: sequer conseguimos formar uma comunidade regular de fé pela hiperfragmentação dos gostos individuais. Alguém prefere uma missa aqui, mas a confissão ali e a pastoral acolá. Há quem participe de encontros em diversas paróquias. Em resumo, mesmo o carisma do pároco e de seus colaboradores clérigos não são mais suficientes para costurar uma colcha com todos ou muitos paroquianos, nas diveras atividades de uma paroquia. Será que estamos vivendo o tempo da transparoquialidade?
O desafio agora é como construir uma comunidade de fé mais estável, que se reconheça enquanto comunidade, nessa nova realidade. Podemos, por instinto, rejeitar e condenar atitudes que desconstruam a paroquialidade, esperando minar os "desertores". Não se deve esperar muito desses rótulos e métodos. Não têm produzido efeitos em nossos tempos. Mas, um olhar mais criterioso nos leva a considerar a necessidade de maior unidade nas ações para que, ao menos, essa necessidade do diferente, que gera a liquidez na pertença, seja diminuída. Não se trata de enrigecer os modelos, mas não permitir que a "criatividade desenfreada" gere uma disputa por fiéis. Seria um descalabro. Todos pertencemos à Igreja de Cristo que se realiza/manisfesta em uma comunidade.
Sinto que esse desejo de dar unidade, mesmo na diversidade, só pode se tornar realidade contando com a humildade dos clérigos e com a criação de diretrizes que se interrelacionam sistematicamente. São os sonhados diretórios que a Igreja em Natal, por inspiração de seu Pastor, ousa construir em sínodo. Nós todos devemos alegremente pensar na Igreja que somos e sonhar com a Igreja que seremos: mais convertida, mais mística, mais eucarística. Que assim seja.