ARTIGO - Igreja sinodal e missionária
- pascom9
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Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
A nossa Arquidiocese está vivendo o seu primeiro Sínodo. Ele deve ser a expressão daquilo que é a natureza própria da Igreja: a sua identidade é sinodal. Mesmo sendo um evento, ele deve ser uma totalidade, já que esta é a síntese de um Espírito. A sinodalidade é um estilo, um jeito de ser Igreja que, em nossos tempos, pode ser um anúncio e uma denúncia. Por isso, ela passa ser profecia numa ordem sistêmica marcada pelos extremismos totalitários e as guerras digitais, nos quais os nacionalismos toscos e a ditadura do individualismo tornam-se as características de um mundo fechado às diferenças, às formas variadas de cultura e povos. O Papa Francisco nos alertou que há a necessidade de atitudes e comportamentos que possam promover um mundo mais aberto, com diálogo e a amizade social (cf. FT, cap. VI). Nesta linha, a Igreja poderá ser realmente profética, anunciando a “Alegria do Evangelho” e denunciando tudo o que renega os sinais do Reino de Deus. A sua presença ainda é sinal de esperança na vida das pessoas, principalmente daquelas que estão caídas pelo caminho e que necessitam ser tocadas pela compaixão de Jesus Cristo (cf. FT, cap. II).
A sinodalidade precisa ser um acontecimento espiritual; mas todo evento que queira ser fiel e radicado no Evangelho de Jesus Cristo, não pensa, nem propõe, um espiritualismo desencarnado, sem compromisso com a história e os sinais dos tempos, sem cuidado pelo Outro, que bate à porta e que precisa ser acolhido. A categoria Reino de Deus nos coloca diante da tensão constante entre o aqui e ainda não. O escatológico e o contemporâneo caminham concomitantemente, com atenção ao presente, sem esquecer o passado e aberto ao futuro; com uma profunda contemplação e compreensão de que as virtudes teologais nos ligam ao mistério de Deus, sem distanciar-se da condição humana na sua totalidade. A salvação é para o homem todo e todos os homens. É interessante aprofundar o conceito de ecologia integral voltada ao significado da ação missionária da Igreja em nosso tempo, com seus desafios globais e nas particularidades de cada Igreja Particular.
O evento sinodal da Arquidiocese de Natal precisa ser o filho maduro da autêntica sinodalidade já sentida pelos Padres da Igreja como uma “dimensão constitutiva da Igreja e Sínodo como um dos seus sinônimos” (cf. S. João Crisóstomo). A dificuldade de entendimento da importância do Sínodo, a partir da reflexão e recepção da sinodalidade, está arraigada em eclesiologias não condizentes com as proposições integrais do Concílio Vaticano II e com desafios existenciais para os quais a Igreja não está preparada, com suas estruturas e mentalidades clericalistas, para enfrentar. O aprofundamento numa formação mistagógica e, sem dúvida, também acadêmica, precisa ser implementado. Há um negacionismo da razão em alguns ambientes internos que dificultam e, possivelmente, vão interferir no processo e desenvolvimento do acontecimento sinodal. As barreiras percebidas poderão ser oportunidades de crescimento e amadurecimento eclesial. Assim como nas demais instituições, toda novidade gera inquietações e contrapontos, discussões e concepções que aparecem como possibilidades polares, ou ideológicas, para avanços ou retrocessos.
O que foi posto pelo Papa Francisco para que pudesse haver efetividade missionária da Igreja é a sua realidade sinodal; ou seja, a sua comunhão, com participação à missão. São interfaces que não podem ser abandonadas, sem prejuízo uma das outras. É uma questão de testemunho e, neste caso, de profecia social. Já afirmara Jesus que os “chefes das nações as tiranizam; mas entre vós não deve ser assim” (cf. Mc 10, 32-33). A questão é o exercício do poder. O Papa Francisco tinha uma percepção claríssima de como o modo de operá-lo estava distorcido, a tal ponto de afirmar que “o clericalismo é o câncer na Igreja”. A questão não está no poder em si, mas o estilo de exercitá-lo que perpassa os variados ambientes eclesiásticos, gerando muitos tipos de abusos, como o espiritual, o sexual e o econômico. O Concílio Vaticano II já tentou resolver esse problema (cf. Lumen Gentium, cap. II-III); contudo, ainda temos que fazer um longo caminho. Assim como o Concílio de Trento passou mais de duzentos anos para ser recepcionado (cf. Pe. Mário França, SJ), o Vaticano II ainda tem um largo caminho a percorrer. Com a categoria Povo de Deus, graças ao batismo, e a confirmação de que alguns deste povo são tirados do meio deste ao serviço de todos, é a questão central da reviravolta da eclesiologia conciliar. Poder é serviço.
Na preocupação de trazer a eclesiologia do Concílio, passando pelas Conferências Latino Americanas, especialmente a de Aparecida, com a Evangelii Nuntiandi de Paulo VI, Francisco também enfatizou a dimensão missionária da Igreja (cf. LG, 17; Ad Gentes, 2; E. Nuntiandi, 14, DAp, cap. I). Ele, especificamente, nos traz a imagem de uma “Igreja em Saída” (cf. Evangelii Gaudium, cap. I). Segundo o Pontífice, “na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de ‘saída’, que Deus quer provocar nos crentes. Abraão aceitou a chamada para partir rumo a uma nova terra (cf. Gn 12, 1-3). Moisés ouviu a chamada de Deus: ‘Vai; Eu te envio’ (Ex 3, 10), e fez sair o povo para a terra prometida (cf. Ex 3, 17). A Jeremias disse: ‘Irás aonde Eu te enviar’ (Jr 1, 7). Naquele ‘ide’ de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova ‘saída’ missionária. Cada cristão e cada comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (cf. EG, 20). Com a construção do significado da sinodalidade e da perspectiva missionária, podemos ter a síntese da eclesiologia de Francisco, que está profundamente em sintonia com a do Vaticano II, em pleno equilíbrio e na linha de uma “justa hermenêutica”, como nos ensinara, também, Bento XVI.
A transformação missionária da Igreja e a sinodalidade caminham de mãos dadas, como duas faces de um único sujeito eclesial. A conversão das relações, a mudança de métodos nas estruturas, pensar a evangelização a partir das periferias geográficas e existenciais, a atenção ao “espírito do tempo”, a inserção nas várias realidades do mundo, antes de tudo, com o testemunho e a abertura ao diálogo, o aprofundamento na vida espiritual e o aprimoramento da formação intelectual, sem medo da razão, nem delimitado ao secundário, como sinal de fuga e cancelamento do diferente, integração da personalidade, com auto-cuidado permanente do equilíbrio humano e afetivo são algumas das tantas possibilidades que o Papa Francisco nos mostrou para que possamos “ser Igreja” neste terceiro milênio. Podemos ter outros ensinamentos em mente e com os quais a Igreja Particular de Natal é chamada a deparar-se, como o tema da família, o cuidado com a nossa casa comum, o chamado à santidade, as juventudes, a educação, a economia e a própria espiritualidade; mas, através destas duas linhas - sinodalidade e missão - podemos ter as chaves de leitura necessárias para que o nosso Sínodo Arquidiocesano possa ir além das burocracias, mídias, eventualidades e falas para nós mesmos.
Por fim, já ouvimos muitos pronunciamentos do Papa Leão XIV, nos quais ele retoma os ensinamentos de Francisco, principalmente os concernentes à sinodalidade e à paz. Num mundo marcado por sinais de conflitos permanentes, inclusive com contra testemunhos de muitos “igrejados”, mas sem atenção ao Evangelho, a nossa Igreja Local, em plena comunhão com os ensinamentos do magistério e inserida neste espaço e neste tempo, é chamada a ser “Sacramento do Reino de Deus” com fidelidade e coragem da verdade. Estas dimensões, sinodal e missionária, são, antes de tudo, um modo de existir cristão e eclesial. É uma mentalidade que exige conversão permanente à pessoa de Jesus Cristo, com profunda atenção ao modo de ser “Discípulo Missionário do Senhor” em nossos dias. O Sínodo pode ser uma graça de Deus em nossas vidas, enquanto Igreja Particular, que é chamada a ouvir o que o Espírito lhe diz no aqui e agora. Assim o seja!