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ARTIGO - Complacência

Diác. Eduardo Wanderley

Paróquia de São Camilo de Léllis - Lagoa Nova - Natal


Há alguns anos participei de uma conferência sobre a dignidade feminina e um dos palestrantes falou que existem raízes do preconceito contra as mulheres na cultura judaico-cristã. Citou ainda o Islã como fonte de preconceito contra as mulheres. Contrapus mostrando alguns dados que não se coadunam com a tese. Entretanto, mais do que uma simples discussão acadêmica com pontos de vista distintos, eu fiquei refletindo sobre o preconceito. Será que ainda o vivemos?


Talvez nossa organização histórico-social tenha sido determinante para um modelo em que o preconceito esteja tão presente entre nós. Mas a questão é: o que nos difere também nos enriquece ou nos empobrece? Aqui é preciso olhar o preconceito como um todo. Seus tipos são inúmeros. Preconceito com os negros, com os gordos, com os pobres, com os estrangeiros, com as mulheres, com os religiosos, com deficientes e outros tantos. Parece que esquecemos que todos somos irmãos. Mesmo dentro da igreja o preconceito pode ser erva daninha que destrói a dignidade dos grupos. As clássicas fronteiras clero-povo, interclericais (diáconos-presbíteros-bispos), ideo-teológicas etc. Todas podem facilmente ultrapassar a fronteira da identidade e se tornar preconceito. Também em nossas fileiras ministeriais das paróquias podemos nos tornar preconceituosos achando que um grupo é mais digno que outro. Que uma pastoral é superior às demais.


E qual seria o antídoto para nossos preconceitos? Só posso pensar em uma profunda e radical transformação pessoal, que para nós, católicos, é um processo de conversão que precisa vir à tona, não somente no âmbito pessoal, mas também institucional. Olhar o outro como parte integrante de um corpo. Nas palavras do Papa Francisco, como partes de um poliedro. Acrescento que se trata de um complexo poliedro irregular, cujas faces são diferentes, mas mesmo assim, se justapõem e formam um objeto. É esse o caminho. Enxergar o diferente não como inimigo, mas como uma outra pessoa de mesma dignidade.


A vida de Cristo trouxe consigo uma corrente de preconceito. Como seria possível um Deus se fazer carne e, ainda mais, um Deus se fazer humano e pobre, muito pobre? Como poderia vir algo de bom de Nazaré? Como poderia um sumo sacerdote ser da descendência de Daví? Como pode um irmão não ter o mesmo sangue? E a resposta de Jesus foi sempre: "quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Cf Mt 12, 50).


Resta-nos perguntar, ou mais precisamente, nos auto-perguntar, se temos alguma identidade que gera uma divisão hierárquica, onde meu grupo é superior ao outro. E

também é preciso questionar nossa razão sobre a totalidade dos preconceitos. No testemunho inicial desse texto, para mim restou claro que o combate do preconceito com as mulheres se deu usando uma tese que colocava uma culpa na história religiosa. Assim, parece mais uma mudança de preconceito e não sua extinção completa. A extensão de nossa conversão não pode abarcar apenas um grupo, mas a totalidade das relações que eu, ser humano, imagem e semelhança de Deus, mantenho com o próximo, com o outro. Que, ao enxergarmos a manjedoura de todos os presépios que apresentam a cena do nascimento na carne do menino Jesus, nós possamos pedir a graça de sermos complacentes, verdadeiros irmãos por natureza.

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