Por Pe. Matias Soares
Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Conj. Mirassol - Natal
O filósofo Byung-Chul Han, na sua obra “No enxame: perspectivas do digital”, tratando da ‘desmediatização’ na forma da comunicação na cultura hipermoderna, fazendo referência a Michel Butor, afirma que existe em nossos dias uma “crise do espírito”. Essa exterioriza-se, outrossim, como uma ‘crise da literatura’. Pois as grandes publicações literárias não aparecem com a mesma profundidade. Na Europa há um estancamento literário, como um espiritual. Nessa direção o mesmo afirma que a causa disto é uma “crise na comunicação”. Na atual sociedade, que tem uma forma midiática de comunicar-se, com a sua temporalidade sempre presentificada, as mediações desaparecem e há um tirocínio massivo, permanente e compulsivo de informações. A quantidade das notícias e mensagens substitui a qualidade. A sensibilidade deixa de ser focal para perspectivas mais amplificadas, com ‘remetentes e produtores ativos’. Esse novo mecanismo de comunicação pelas mídias digitais “faz com que jornalistas, esses antigos representantes elitistas, esses ‘fazedores de opinião’ e mesmo sacerdotes da opinião pareçam completamente superficiais e anacrônicos. A mídia digital dissolve toda essa classe sacerdotal. A desmediatização generalizada encerra a época da representação” (cf. Idem, obra cit. pág. 37).
A Igreja tem, no seu histórico, essa potencialidade de comunicar. Até o século quinze, com o surgimento da imprensa (cf. Johannes Gutenberg), era ela a grande detentora da comunicação e formadora de opinião do Ocidente. Os ‘sacerdotes da opinião’, assim como os jornalistas na modernidade, eram os religiosos. Nos mosteiros e catedrais estava reservado o patrimônio cultural impresso da antiguidade. A prática dos sermões e as produções literárias tinham nos ambientes eclesiásticos o seu reconhecimento e suas produções sumárias. Com a modernidade, especialmente depois da Reforma Protestante (1518-19) e a Revolução Francesa (1789), esse poderio eclesiástico é compartilhado por outras instituições ocidentais e pensadores laicos. Essa breve constatação histórica é extremamente relevante à compreensão da força que durante séculos a Igreja teve perante toda a Civilização. Quando traçamos essa linha temporal, temos mais condições de nos situarmos e despertarmos acerca da urgência de trabalharmos na inserção das forças vivas das comunidades eclesiais nos meios de comunicação. Contudo, ainda mais do que a atuação, é necessário fazermos o equilíbrio entre o conteúdo e as metodologias que são importantes para ‘atrair’ as gerações (y, z...) com mentalidades pós-modernas e hiperconectadas.
A Arquidiocese de Natal, como tantas Igrejas Locais do Brasil, assumindo já as proposições do Concílio Vaticano II (cf. Inter Mirifica), reconheceu lá no contexto do “Movimento de Natal”, que, assim como os púlpitos, os meios de comunicação eram necessários para o processo de evangelização da sociedade de então. Ainda mais, para o desenvolvimento integral das pessoas, com a criação das “Escolas Radiofônicas”. As “novas maravilhas” tinham que ser assumidas para que o anúncio do evangelho pudesse chegar a todos os recantos da Igreja Particular. É nesse contexto que surge a “Rádio Rural de Natal”. Já àquela época, a sua finalidade fora pensada na construção de um ‘projeto articulado e ordenado de pastoral’, que visualizava o ser humano na sua integralidade. A promoção da dignidade da pessoa era indissociável da prática evangelizadora. Em nossos dias, com a retomada da condução solidária da nossa Rádio Rural, com a Obra de Maria, mais uma vez temos que ter em mente essa questão. Ainda, mesmo com toda a organização da Pastoral da Comunicação da Arquidiocese, a integração entre a Pastoral de Conjunto, que pode ganhar vitalidade com o estilo sinodal requerido pelo Papa para toda a Igreja no Terceiro Milênio, é condição sem a qual o processo de evangelização não terá a qualidade e a amplitude requeridas.
Deste modo, na atenção a essa ‘nova ordem sistêmica’ (cf. N. Luhmann), o cuidado com a performance do espírito – e aqui recomendo a leitura da carta do Papa Francisco sobre a “importância da literatura” para a formação integral da pessoa – e a relação qualificada com as mídias digitais e demais ferramentas de comunicação, inclusive a nossa presença nas muitas ‘rádios comunitárias’ existentes em nossos municípios, a nossa inquietação epocal deve nos lançar no que é instrumental para que a proclamação do Reino de Deus aconteça aqui e agora, com coragem e alegria. O nosso zelo pastoral passa pela convicção de que só seremos autenticamente discípulos do Mestre, se formos missionários do Senhor. Atentos ao espírito do nosso tempo, com suas novas possibilidades e desafios, somos chamados a elevar a cultura contemporânea ao que ela tem de transcendente. Assim o seja!