top of page

A ressurreição do Senhor: evento que deu novo sentido à história



Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal


O Evangelho segundo São João apresenta a narrativa da Ressurreição de Cristo com notável sensibilidade humana e profundidade teológica. Não se trata de um relato marcado pelo sensacionalismo, mas de um itinerário espiritual no qual os discípulos chegam gradualmente à fé pascal. Mesmo Maria Madalena, a primeira a ir ao túmulo, não se convence de imediato da vitória de Cristo sobre a morte. Ela vai de madrugada, “quando ainda estava escuro”, expressão que São João utiliza não apenas para indicar o momento do dia, mas também para descrever o estado interior de fé dela e dos primeiros discípulos. Movida pelo amor e pela dor da perda, Maria dirige-se ao sepulcro não para celebrar a vida, mas para vivenciar o luto e lamentar a ausência do Senhor.


No entanto, aquilo que começa como um gesto de luto transforma-se, passo a passo, em um encontro com o Ressuscitado. Primeiro, Maria vê a pedra removida e interpreta o fato de modo lógico e humano: “Levaram o Senhor e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2). À primeira vista, parece-lhe que o túmulo havia sido violado e o corpo do Senhor, roubado. Em seguida, ela retorna ao sepulcro, persiste, chora, procura. Vê os anjos, mas não os reconhece. Vê Jesus, mas pensa ser o jardineiro. Somente quando é chamada pelo nome — “Maria!” — é que seus olhos se abrem, e ela exclama: “Eu vi o Senhor!” (Jo 20,18). É assim que São João descreve o processo da fé: gradual, pessoal, despertado pela voz do Pastor que chama pelo nome. A fé na Ressurreição não nasce de uma ideia abstrata, tampouco se trata de um mito, mas de um encontro concreto e transformador com o Ressuscitado.


A Ressurreição de Cristo não é uma invenção piedosa nem uma alucinação causada pelo sofrimento. Como bem afirmou São Paulo, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé; somos os mais dignos de compaixão entre os homens” (1Cor 15,17.19). A Ressurreição é um acontecimento real que transforma radicalmente a história humana. Não é uma simples consolação emocional dos discípulos, mas um evento que gera conversão, testemunho e missão. Ela não é uma construção teológica posterior, mas a razão mesma da pregação apostólica.


Os Atos dos Apóstolos mostram Pedro anunciando com audácia, em casa do centurião Cornélio, que Jesus “ressuscitou ao terceiro dia e apareceu não a todo o povo, mas às testemunhas designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele depois que ressuscitou dos mortos” (At 10,40-41). Este detalhe é decisivo: não se trata de uma experiência coletiva e indistinta, mas de um testemunho concreto, histórico, pessoal, dado por homens e mulheres que conviveram com Jesus, que O viram crucificado e depois O encontraram vivo.


Esse aspecto do testemunho é essencial. Assim como num processo judicial a palavra da testemunha é válida e reconhecida quando não se contradiz, também na vida da fé o testemunho coerente tem força. A maioria dos fatos que conhecemos na vida não os presenciamos pessoalmente, mas acreditamos neles pela credibilidade de quem os relata. Mesmo no campo da ciência, aceitamos como verdadeiros muitos resultados que não repetimos em laboratório, mas que têm peso porque vêm de fontes confiáveis. Do mesmo modo, cremos na Ressurreição porque as testemunhas não se contradizem, e sobretudo porque suas vidas foram transformadas de forma radical.


Pedro, por exemplo, antes da experiência pascal era um homem acuado. Diante de uma simples criada, negou conhecer Jesus. Escondeu-se, dispersou-se, foi vencido pelo medo. Mas após o encontro com o Ressuscitado, torna-se intrépido anunciador do Evangelho. Proclama o kerigma com firmeza e dá a vida por Cristo, morrendo mártir em Roma. Isso não é alucinação, é conversão autêntica!


Maria Madalena também passa por esse processo. Sua fé amadurece aos poucos, entre o túmulo vazio, o pranto, a incompreensão, até o chamado pelo nome. E o discípulo amado, que entra no sepulcro, vê os panos no chão e crê — mesmo sem ver Jesus em pessoa. A fé dele nasce dos sinais e do amor. Ele crê porque ama. E é o amor que lhe dá acesso à verdade mais profunda.


A Ressurreição não se sustenta em provas empíricas, mas em sinais — o túmulo vazio, os panos cuidadosamente dobrados, o testemunho daqueles cuja vida foi transformada. Trata-se de uma experiência interior e pessoal com o Ressuscitado, vivida à luz da fé, e que possui implicações concretas e visíveis na existência. Por isso, não é possível dissociar a fé na Ressurreição da vida nova que ela inaugura. Quem encontra o Ressuscitado não permanece o mesmo: muda a direção da vida, o tom, os valores, a missão.


A Ressurreição de Cristo é, portanto, um acontecimento que irrompe na história e lhe dá um novo rumo. Ela é o novo princípio que rompe com a lógica da morte e inaugura o tempo da graça. Ao mesmo tempo, não se impõe; revela-se àqueles que se deixam encontrar, que amam, que escutam. Não se trata de ver para crer, mas de crer para ver. E, uma vez que se crê, torna-se impossível calar. O verdadeiro discípulo anuncia: “Eu vi o Senhor!”.

 
 
bottom of page