Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal
Em sua Encíclica Social "Fratelli Tutti" (FT), o Papa Francisco discorre sobre a importância da fraternidade e amizade social, inspirada pelo exemplo de São Francisco de Assis. A mensagem central é a promoção de um amor que transcende barreiras geográficas e sociais, reconhecendo, valorizando e amando todas as pessoas, independentemente de sua origem ou localização: “O amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo que chamamos «amizade social» [...]. Se for genuína, esta amizade social dentro de uma sociedade é condição para possibilitar uma verdadeira abertura universal” (FT 95).
Em sua Encíclica, o Papa recupera positivamente a política como um elemento crucial para alcançar a fraternidade universal e promover a amizade social. Ele destaca a necessidade de uma política que não se submeta à economia, mas que trabalhe para o verdadeiro bem comum e caridade social, alertando contra a má compreensão da política: “Atualmente muitos possuem uma má noção da política, e não se pode ignorar que frequentemente, por trás deste fato, estão os erros, a corrupção e a ineficiência de alguns políticos. A isto vêm juntar-se as estratégias que visam enfraquecê-la, substituí-la pela economia ou dominá-la por alguma ideologia” (FT 176).
O mundo não pode funcionar sem política, pois não se pode haver fraternidade universal sem uma boa política. Portanto, não se trata de demonizar a política, mas de promover uma “Política Melhor” (FT 154), comprometida com o bem comum, capaz de transcender populismos e liberalismos simplistas e promover a caridade social. A política melhor propõe uma abordagem que valorize a geração de trabalho e renda, a inclusão social, a diversidade e a caridade social como elementos fundamentais na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e voltada para o bem de todos.
A encíclica enfatiza a importância de uma política saudável, capaz de reformar instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos (FT 176), buscando uma visão ampla e estabeleça um diálogo interdisciplinar para enfrentar as diversas formas de eliminar ou ignorar os outros. Além disso, o Papa argumenta que uma economia integrada em um projeto político abrangente pode abrir caminho para oportunidades que direcionam a energia humana por novos canais (FT 177).
Na esfera política, o Papa Francisco aponta para a importância de agir com base em grandes princípios em vista do bem comum (FT 178), destacando a necessidade de uma política que pense de maneira abrangente e lidere reformulações integrais para superar pressões e inércias viciosas. O texto ressalta que a política não deve ser mesquinha nem fixada no interesse imediato, mas sim buscar a grandeza política, especialmente em momentos difíceis (FT 178).
O Papa Francisco também aborda a dimensão humana dos políticos, destacando que, apesar de sua atividade incansável, cada político é um ser humano que vive o amor em suas relações interpessoais diárias (FT 193). Ele enfatiza a importância da ternura na política, definindo-a como um amor próximo e concreto que brota do coração e se manifesta nos gestos e ações: “Na política, há lugar também para amar com ternura. «Em que consiste a ternura? No amor, que se torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos. (...) A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes” (FT 194).
Além disso, o Papa salienta que nem sempre é possível alcançar grandes resultados na política, mas mesmo pequenos atos de amor e dedicação a uma única pessoa já justificam o esforço. “Na atividade política, é preciso recordar-se de que, independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida” (FT 195). Ele encoraja os políticos a reconhecer a imensa sacralidade de cada pessoa e a ter esperança na força do bem que é semeado, mesmo que os frutos sejam colhidos por outros no futuro. Portanto, vista dessa maneira, a política é nobre e renovadora, fundamentada no direito e em um diálogo leal entre os sujeitos (FT 196-197). Ao encorajar a política a assumir uma função transformadora, o Papa convida à reflexão sobre o verdadeiro propósito da ação política e o legado que os líderes deixarão para as gerações futuras